12 de janeiro de 2011

Tesão pela vida: A Historia de Iggy Pop - Parte 02

Os irmãos Asheton - Ron, Scott e Kate - moravam no subúrbio de Ann Harbor, em uma área que eles batizaram de "A Divisão", cerca de cinco milhas do lado oposto da cidade de onde Iggy morava. Kate, a menorzinha, pouco se metia com seus irmãos. Já ganhando um corpinho, queria ser cantora e até certo ponto conseguiu o seu intento.


Os Patetas Psicodélicos


Os Irmãos Asheton
Scott Asheton
Scott Asheton

“Dois caras que nem sequer completaram o segundo grau e se tornaram deliquentes juvenis.” – Iggy Pop
Já Scott era o mais pintoso entre os dois meninos. Gostava de Elvis Presley a ponto de pentear o cabelo feito o cantor. Scott também gostava de Hitler e era um garoto violento que gostava e sabia brigar.
O mais velho era o Ron, nascido em 17 de julho de 1948, na cidade de Washington DC. Como o seu irmão mais novo, ele também tinha uma pinta de poucos amigos e uma grande admiração pelo estilo nazista de se vestir. Seu interesse por música nasceu cedo, admirando sua tia-avó Ruthie que tocava acordeão, rabeca e banjo; e tio-avô Dick-Dick que tocava o piano. Os dois, nos áureos tempos, eram artistas do vaudeville. Com seis a sete anos, após algumas aulas, Ron estava tocando acordeão tão bem que chegou a participar de alguns recitais.
Ron Asheton
Ron Asheton

O Sr. Asheton, pai dos meninos, era um piloto da marinha que serviu durante a Segunda Guerra Mundial. Ele queria que seus filhos seguissem em sua carreira nas forças armadas. De Washington, foram obrigados a se mudar para Iowa, onde não havia aulas para acordeão, portanto Ron começou a ter aulas de violão. Curiosamente, o menino passou a perder interesse por música e abandonou o instrumento.
A familía Asheton mudou mais uma vez, desta vez para Ann Arbor. Foi aos quatorze anos que várias coisas de extrema importância aconteceram na vida de Ron Asheton. A primeira delas: Ron precisou usar óculos, fato que implicou necessariamente em não poder mais ser piloto de avião, sonho de seu pai que ele havia adotado como seu. Depois, os BEATLES invadiram a América, e finalmente o Sr. Asheton faleceu. Os laços de Ron com as forças armadas foram cortados e o interesse sobre música mais uma vez voltou.
Ron se tornou um grande fã dos Beatles, mas admirava como músico e celebridade a figura de Brian Jones dos ROLLING STONES. Ron procurou deixar o seu cabelo crescer no mesmo comprimento que o de Brian. Com a morte do pai, e a mãe tendo que trabalhar fora durante boa parte do dia, os meninos passavam a maior parte do tempo sem supervisão adulta. Resultado: os três filhos da familía Asheton acabaram com pouca noção de diciplína.
Dave Alexander
Dave Alexander
Dave Alexander

A um quarteirão de distância, morava Dave Alexander, outro pequeno delinqüente que não queria nada com os estudos ou a vida. Filho de um açougueiro e uma dona de casa, Dave Alexander era o mais selvagem de todos. Começou a cheirar cola aos doze, e no ano seguinte já tinha o hábito de tomar pílulas sem prescrição; coisas como Seconal ou Romilar, barbitúricos em geral. Começou também a beber cedo, coisa que os irmãos Asheton também fariam. Andava com uma gangue de arruaceiros que, de vez em quando, tiveram encontros não muito amistosos com a polícia.Dave foi o primeiro grande amigo de Ron quando eles passaram a morar em Ann Arbor. De cabelos compridos e alaranjados, Dave andava com uma calça “pescando siri”, sempre com uma faca e uma garrafinha de gin no bolso de trás. Ron, Scott e Dave passavam o tempo mascando tabaco,e sonhando em algum dia montar uma banda.
Liverpool 65
“Eu era o garoto esquisito. Na escola, me chamavam de Beatle gordo, porque eu me vestia com roupas no estilo dos Beatles.” – Ron Asheton
Dave Alexander, ao concluir o ginásio em 1965, largou escola e resolveu ir para a Inglaterra conhecer Liverpool, terra dos BEATLES. Ron, que pretendia continuar estudando, pelo menos até terminar o 2o Grau, resolveu ir com ele. Vendeu sua motocicleta, uma Honda 305, e usou o dinheiro para comprar passagens e garantir a estadia e as despesas.
Uma vez lá, freqüentavam o Cavern Club toda noite e rodavam pela cidade, conhecendo os pontos que tinham alguma relação com a história dos BEATLES. O guia dos dois foi um autêntico mod chamado Robert que conheceram certa noite no Cavern. Enquanto estavam na cidade, assistiram a vários shows, o mais marcante deles, com o grupo The Who.
Ron descreve a experiência daquela noite como uma massa selvagem de gente, uma aglomeração quase tribal em torno da música. Assistiu Townshend destruir sua guitarra Rickenbacker e a molecada avançar em cima para ficar com os pedaços. “Foi minha primeira experiência com o pandemônio total. Deu medo. Não sabia que a música poderia levar as pessoas a tal extremo. Foi quando eu percebi que era isto que eu queria fazer”, conclui. Ao retornar para Ann Arbor, estavam usando botas e cabelos ao estilo dos BEATLES, e loucos para montarem uma banda própria. Estavam totalmente tomados pela vida noturna que conheceram em Liverpool.
The Dirty Shame
“Tocávamos junto com os discos e nos achávamos ótimos. Depois tirávamos o disco e aí percebíamos que não éramos tão maravilhosos assim.” – Ron Asheton
Dave Alexander sugere colocar Scott para praticar na bateria, dando assim o nascimento da banda The Dirty Shames. A banda completa teria Ron Asheton e um outro amigo, Billy Chetham nas guitarras, Dave Alexander no baixo, Scott Asheton na bateria e Kathy Asheton nos vocais. Passaram a ensaiar quase todo dia no porão da casa. A música produzida por eles é descrita por alguns como sendo a essência de uma banda de garagem: música pelo prazer de fazer música, sem nenhuma idéia prévia ou ideal atrelado.
Embora nunca tocassem ao vivo, pelo fato de Ron e Scott serem vistos constantemente com Iggy, muita gente passou a ouvir falar do The Dirty Shames. Passou-se a especular que se tratava de uma ótima banda, o que não era verdade. A expectativa em relação ao grupo foi criada de tal modo, que Ron sentiu necessidade de inventar outros compromissos como desculpa para não se apresentar em certos eventos. The Dirty Shame era tão cru como banda, que a decepção do público seria certa. Por isto mesmo, Ron sempre arrumava uma desculpa quando alguém lhe perguntava quando iria poder vê-los tocar.
Amizades com o MC5
“Fred Smith tinha cabelo comprido e me convidou para dançar juntinho. Eu disse não, mas acabei dançando.” – Kate Asheton
A simpatia inicial entre Iggy e Ron veio em parte por terem o mesmo corte de cabelo. Quando o baixista Jack Dawson deixou os Prime Movers, Iggy trouxe Ron para o grupo. Havia outro garoto praticamente contratado para o lugar, portanto Ron chegou afirmando que não só tocava melhor que seu concorrente, mas ele também sabia cantar. Após cantar “Not Fade Away”, e “Girl From Ipanema”, a versão em inglês para “Garota de Ipanema”, ele conseguiu a vaga. Contudo, rapidamente se percebeu que Ron não era bom o suficiente como músico e precisaria melhorar drasticamente seu domínio no instrumento. Ensaiou e tocou com a banda durante algumas semanas e logo foi mandado embora. Ron diria que ele era rock 'n' roll demais para uma banda de blues. Mas a amizade ficou mais sólida entre Ron e Iggy.
Foi acompanhando The Prime Movers por seus diversos shows que os irmãos Asheton conheceram e fizeram amizade com o pessoal de uma banda de Detroit chamado MC5. Foi em um bar chamado Mother's, que Kate Asheton, então com quatorze anos, acabou fazendo amizade e namorando Fred Smith, guitarrista da banda. Na semana seguinte, Fred Smith e Wayne Krammer, o outro guitarrista do grupo, vieram para assistir os Prime Movers. Wayne Kramer lembra bem da banda, "Quando se falava em uma banda de blues, a primeira coisa que vem a mente era um grupo de negros de Chicago. Não era preconceito, era apenas o consenso geral. E de repente, em Detroit, eu vejo um grupo de branquelas tocando esse tipo de música. E em Detroit! E Iggy era um excepcional baterista."
O bar Mother's era um local freqüentado por universitários e nesta noite um pessoal de alguma fraternidade começou a causar atritos com Fred por causa de seu cabelo comprido, quase nos ombros. Wayne conta que ele até queria ajudar o seu amigo, mas a diferença numérica era tão grande, que ele só iria apanhar também. Fred Smith tomou algumas bolachas quando de repente, aparentemente do nada, apareceu Scott Asheton que escolheu um e o encheu de socos. Os demais congelaram ao ver o amigo apanhando enquanto Scott informava aos gritos "eles são amigos meus e ninguém vai se meter com eles e pronto!" O incidente todo não levou dois minutos. O recado foi dado e o namorado da irmã de Scott nunca mais teve problemas com aquela turma. Scott Asheton instantaneamente ganhou o respeito de todos no local.
The Chosen Few
Iggy acabou arranjando um emprego para seu colega como baixista em uma banda de Birmingham, chamada The Chosen Few. Ron já era, a esta altura, um baixista bem mais sólido, e Iggy conseguiu a vaga por intermédio do amigo Scott Richardson, líder da banda. E por coincidência também, Ron acabaria conhecendo um jovem guitarrista que anos depois entraria no Stooges: James Williamson. O jovem James Williamson era um pequeno delinqüente juvenil que de tão nefasto, seu pai o retirou da banda à força, internando-o em uma escola especial para crianças problemáticas, em Nova York. Mesmo como integrante do Chosen Few, Ron ainda manteve seu contato com The Prime Movers, inclusive passando a trabalhar para a banda como roadie. Este relacionamento só iria se encerrar quando Iggy deixou o grupo.
Ao final do ano escolar de 1967 (que nos Estados Unidos é em julho, o inicio do verão), os integrantes do The Chosen Few, em sua maioria, deixariam suas vidas de músico para embarcarem na vida de universitários, devido à pressão familiar. Ron Asheton, que já havia deixado escola antes mesmo de completar o 2o Grau, não teve estas pressões, tampouco Scott Richardson, vocalista e líder do grupo. Richardson, com dinheiro guardado e um repertório especifico de rhythm & blues em mente, convida Ron a ajudá-lo a montar uma nova banda, SRC – Scott Richardson Case. E por pouco, não foi este o seu destino.
Sessões em Detroit
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Foi durante o final de '66 que Iggy passou a ampliar seus horizontes, chegando a tocar em grupos de Detroit pertencentes a um certo selo chamado Motown. Como baterista de estúdio, Iggy participou de gravações de estrelas como The Four Tops, The Marvelettes, The Shangri-Las, The Crystals, The Contours, entre outros. The Prime Movers, em outras ocasiões, também serviriam de banda para estes conjuntos vocais da Motown quando estivessem se apresentando em Ann Arbor ou Detroit..
Para Iggy, foi uma maneira espetacular de evoluir como músico e aumentar seu repertório de sons. Mas sua paixão inicial era o blues e após assistir em Detroit a uma apresentação de Paul Butterfield Blues Band, conversa com Mike Bloomfield e Sam Lay, respectivamente guitarrista e baterista da banda. Bloomfield convence Iggy a ir para Chicago conhecer melhor a cena blues local e Lay se comprometeu a ajudá-lo a arrumar um lugar, caso ele queira ficar.
Maioridade
Foi também durante este período que Iggy passou a adotar seus primeiros vícios. Alguém fumando, acabou dando uma baforada praticamente no seu rosto. Por causa de anos com problemas respiratórios, inicialmente Iggy pensou que ele ia sufocar. Quando percebeu que isto era tabu, adotou o tabaco, rapidamente adquirindo o hábito de fumar dois maços por dia. Depois de descobrir o cigarro veio o álcool.
Um problema, porém, atormentava os rapazes: o recrutamento militar. Desesperados para não serem enviados ao Vietnã, os quatro integrantes prepararam uma imensa desculpa para escaparem. Iggy sendo o mais velho, foi o primeiro a enfrentar a situação. O plano era simples, passar por homossexual. No dia da convocação, Iggy apareceu lá sem cueca. Na hora do exame corporal, tocou uma punheta escondida e apareceu na fila com o pau duro. Colocado em uma sala a parte até ser inspecionado pelo psicólogo, Iggy começou a correr em círculos no quarto enquanto ninguém chegava. Momentos antes do médico entrar ele parou e sentou na cadeira. O médico, portanto encontra um rapaz suando frio, com o coração a toda, se dizendo apavorado e se confessando homossexual. "Eu comecei a chorar, ficar em prantos, totalmente envolvido no papel que assumi, até conseguir a dispensa. Todo mundo pensava que eu tinha me assustado e eu saí rindo e feliz. Um amigo meu do tempo de escola foi numa de lutar contra o comunismo em nome da patria. Nunca mais voltou", lembra Iggy.
Sessões em Chicago
Com a chegada de 1967, Iggy deixa The Prime Movers e sua cidade natal para se mudar para Chicago. Ele acabou indo morar no porão da casa de Bob Koestner, que tinha um selo chamado Delmark Records. Como protegido de Sam Lay, que a esta altura estava tocando com James Cotton. Iggy conseguiu emprego tocando para uma série de artistas. Além de tocar com o próprio James Cotton, Iggy também tocou um tempo para Jimmy Young. Seu maior show, porém, foi com Big Walter Horton. Iggy também aproveitou sua estadia na cidade para assistir e estudar vários artistas como John Lee Hooker, Muddy Waters, e Chuck Berry. Uma das principais conclusões a que ele chegou assistindo este pessoal é que todos eles, sem exceção, tocavam suas próprias músicas.
Foi também em Chicago que Iggy fumou seu primeiro baseado. Segundo ele mesmo conta, foi durante esse baseado que ele chegou a uma grande conclusão musical. Que o importante não era o som final, mas sim como se chega até aquele som, e isto é o que faz uma musica ser boa. Uma vez entendendo as partes que compõem o percurso artístico, o formato externo pode ser moldado a qualquer forma desejada. Assim, após sete meses na cidade, Iggy decidiu que queria procurar uma nova sonoridade. "Descobri que apenas os músicos negros conseguiam tocar o blues que eu gostava. Eu tinha 19 anos, e não 50, era branco e livre. Em Chicago eu ficava sentado em um banco de praça, pensando em uma música nova, cheia de energia. Foi quando resolvi voltar para Detroit e começar uma nova etapa na minha vida." Telefona para Ron Asheton e sugere, “que tal você vir aqui me apanhar pra me levar de volta pra casa.” Ron diria que este telefonema foi o inicio dos Stooges.
Ebulição no Verão de 1967
“Nenhum de nós era músico de verdade” - Iggy Pop
Iggy Pop
Iggy Pop

Assim, no verão de 1967, Iggy retornou para Ann Arbor. A primeira opção foi entrar no novo grupo, SRC, que o vocalista Scott Richardson formara. Mas os três resolveram montar um grupo novo, idéia que atraía especialmente Iggy que estava cheio do blues tradicional. A primeira concepção teórica da banda nova teria Iggy na bateria, com Ron no baixo e Scott na guitarra e possivelmente como o cantor. Isto porque o consenso geral ditava que Scott era tranquilamente o mais “pintoso” entre os três e portanto o mais indicado a ficar na frente. Foi também durante este retorno de Iggy para o trailer de seus pais, que sua mãe começou a encher o saco por causa do comprimento de seu cabelo. Extremamente incomodada pela aparência do filho, ela derrubou sua resistência ao oferecer comprar um instrumento musical se ele cortasse consideravelmente o cabelo. Iggy então quase raspa o cabelo e ganha em troca um teclado Farfisa. Curiosamente, certo dia Iggy, de camisa e calças brancas, seria parado pela polícia, que ao vê-lo de cabelo raspado e vestido de branco, confundiu-o com um possível paciente foragido do manicômio da região.
Ao se juntarem em uma tentativa de efetivamente começarem a levar som juntos, Iggy quer apenas saber de tocar seu Farfisa novo. Assim, Scott foi escalado para assumir a bateria. No caso, sua bateria consistia em uma engenhoca montada por ele com a ajuda de Iggy. Era basicamente um tambor de óleo de cinqüenta galões como bumbo, uma caixa e um timbale. Como baquetas, Iggy preparou dois martelos de brinquedo feitos de plástico. Ensaios realizados no porão da casa dos Ashetons aconteciam no final da manhã e durante parte da tarde até a mãe dos rapazes chegar do trabalho.
Residência de Verão
Não demorou muito para começarem a procurar um local para morar. Afinal, impulsionado pelo filme “Help!” dos BEATLES, onde mostram a banda inteira morando juntos, a mentalidade na América determinava que os integrantes de uma banda morassem juntos. Souberam de uma casa em 1324 Forest Court, que estava disponível durante o verão. Junto com uma outra rapaziada, alugaram o local que se tornou um misto de moradia e ponto de ensaio. Para contribuir com o aluguel, Iggy passou a trabalhar em uma lanchonete como garçom. Ron trabalhou em uma casa que vendia produtos variados, como posters psicodelicos, literatura alternativa, incensos, cachimbos e pilões artesanais, etc., cujo público específico eram jovens, a maioria hippies. Este tipo de estabelecimento tem o nome popular de ‘Head Shop’, sugerindo ser uma loja com produtos para fazer a sua cabeça. Scott se recusou a arrumar um emprego e ficou por isso mesmo.
Quando não estavam trabalhando ou ensaiando, passavam o tempo ouvindo discos ou vendo televisão. Certo fim-de-semana, houve uma maratona de filmes dos Três Patetas (no original, The Three Stooges) que assistiram. Nasceu daí a idéia de se chamarem The Stooges. “Eu achava genial aquela mistura de violência com comédia. E também porque a palavra “stooge” possui vários significados. Ser chamado de stooge era uma ofensa? E afinal, quem seria o pateta, nós ou quem nos ouvia?”
Foi nesta casa que Iggy perderia sua virgindade, como também seria aqui que eles ouviriam JIMI HENDRIXpela primeira vez. Um amigo que foi assistir o Monterey Festival, retornou com um disco de JIMI HENDRIX, e o grupo imediatamente ficou abismado com o que ouviram. Outro favorito, pelo humor encontrado na letra e música era The Mothers of Invention. Cantos Gregorianos e Ravi Shankar também eram discos tocados na vitrola com certa constância. Porém, entre os discos que ouviam, um acima de todos foi de grande influência na direção e conceito musical desta nova banda que se iniciava. O disco tem o longo e peculiar nome de “And on the Seventh Day, Petals Fell on Petaluma/The Bewitched: Final Scene And” de Harry Partch.
Harry Partch
“Harry Parch. Procure se informar caso não conheça.” – Iggy Pop
Harry Partch
Harry Partch

Harry Partch é um compositor avant-garde, considerado por muitos como visionário e na vanguarda entre compositores de maior nome como Aaron Copland e Virgil Thomson. Com teorias musicais que não se restringem à escala temperada, Harry Partch se viu obrigado a se dedicar à carpintaria para poder construir instrumentos capazes de executar suas peças. Nascido no inicio do século XX, escreveu e publicou o livro “Genesis of Music” em 1949, obra esta que hoje é considerada da maior importância para a liturgia musical deste século. Foi somente beirando os cinqüenta anos de idade que seu nome e sua obra passou a ser devidamente respeitada.Iggy e os irmãos Asheton simplesmente adoravam Harry Partch e suas idéias musicais. E a concepção de criar os seus próprios instrumentos para adequar as suas necessidades musicais passou a ser assimilado pelo trio. Durante todo este verão, passaram a fazer todos os tipos de experiências sonoras imagináveis. Ron passava a plugar o seu baixo em um pedal wah-wah. Com o pedal colocado em fuzztone, Ron conseguia um efeito que lembrava trovoada. Iggy também passou a tocar uma guitarra havaiana ligada a um modulador de volume. Sentado no chão, tocando o instrumento e oscilando os níveis do modulador, conseguia efeitos variados que foram descritos certa vez como o som de um avião.
Além do Farfisa e da guitarra haviana, Iggy passou a explorar as possibilidades do uso de microfones de contato - aqueles pequenos microfones que se colam geralmente em um violão acústico. Explorando o conceito, Iggy passou a testar diferentes efeitos ao microfonar coisas diferentes. Entre os efeitos mais performáticos, Iggy colara um microfone de contato em um dos tambores de óleo sobressalentes. Ele então calçava sapatos de golfe, que é necessariamente um sapato com travas altas de metal, e enquanto os dois irmãos iam levando uma base, Iggy passava a sapatear um ritmo sobre o tambor.
Entre suas criações mais exóticas, havia uma que ele usava com relativa regularidade. Trata-se de um liquidificador com um pouco de água dentro, microfonado e passando pelo modulador. Outros instrumentos incluíam um teremin, um esfregão de roupa microfonado, e um aspirador de pó, que uma vez microfonado, zunia feito um jato.
The Psychedelic Stooges
“Em uma cidade pequena, qualquer genialidade é facilmente a melhor mente da cidade. Super-Homem de uma pequena lagoa.” – Iggy Pop
A música que passavam a produzir estava completamente dentro da aceitação da época do ácido, onde o que não ficava dentro das linhas tradicionais passava a ser reconhecido pelo termo psicodélico. Nasce assim The Psychedelic Stooges. A música não é rock ‘n’ roll. Não há canções, apenas uma peça musical. Ron diria o seguinte a respeito: “Quando você não sabe como tocar, você não está restrito a um estilo. Tantas pessoas são ensinadas a tocarem de certa maneira. Quando se tem a mente livre, a ignorância é uma dádiva, pois você aparece com cada coisa interessante.”
Influenciados em conversas sobre a possibilidade de se escrever uma ópera-rock que Ron leu sobre uma entrevista do Pete Townshend, passaram a ver sua música como uma longa jornada que vai mudando conforme vai progredindo. Em sua essência, esta é a lógica original do rótulo rock progressivo, um gênero que evoluiria do rock psicodélico a partir de 1968. Mas a música que os Psychedelic Stooges estava fazendo estava mais para o que conhecemos de Laurie Anderson, do que Yes ou King Crimson, lembrando que no verão de 1967, nenhum deles ainda existia.
Com tantas engenhocas para manipular, além das coisas que Iggy queria fazer com o Farfisa e a guitarra havaiana, os Ashetons acabaram chamando o colega e vizinho Dave Alexander para ajudar. Não exatamente um membro, Dave tornara-se um assistente geral além de roadie, ajudando a preparar e executar o que pedissem, podendo ser o liquidificador ou o aspirador de pó ou outra coisa criada por Iggy. Com o final do verão, a casa foi entregue e o trio voltou para a casa dos pais. Sem precisar pagar aluguel, Iggy e Ron deixam os seus empregos e dedicam todas as tardes aos ensaios. Com o dinheiro que havia economizado, Iggy comprou um amplificador Fender Princeton e outro amp menor, tipo “cebolinha”, da marca Kustom.
Ron Richardson, que empresariava o MC-5, Bob Seager System e outros, acabou gostando do Psychedelic Stooges, e os ajudou a arranjar seus primeiros shows, sendo o début inicial em uma festa de Halloween. A festa foi organizada pelo próprio Richardson para servir de plataforma de lançamento da banda. Entre os convidados presentes na festa estavam pessoas que acabariam tendo alguma espécie de relevância para o movimento musical que acontecia em Ann Arbor e Detroit. Pessoas como Bill Laswell, Jimmy Silver, alguns integrantes do MC-5 e John Sinclair. Sobre a apresentação da banda, Bill Laswell diria, “No inicio, eles estavam apenas batendo em um monte de coisas, e não tinham nenhuma canção. O que conseguiam alcançar é um zumbido orquestral, um som que lhe deixa a beira de um transe. Uma afirmação musical totalmente única, válida e impressionante.”
Neste período em que seu contato com os irmãos Asheton passou a ser praticamente diário, Iggy passou a explorar também o uso de DROGAS. Outra mudança: Dave Alexander entra para o grupo como baixista. Ron volta a ser guitarrista e Iggy resolve ser apenas o cantor. “Eu acabei virando cantor por causa de Ron. Um dia estávamos conversando e ele me disse que eu estava querendo liberdade na banda. Eu concordei e ele me perguntou porque não assumia os vocais do grupo. Aceitei a sugestão.” Iggy resolveu ser cantor de vez após assistir um show do The Doors.
O Iguana Assiste o Lagarto Rei
“Se ele consegue chegar lá, então eu posso também” – Iggy Pop
The DOORS se apresentam no Yoest Field House dentro do complexo universitário. Ingressos sendo vendidos somente para estudantes, Iggy entrou usando uma carteira de identidade da faculdade do ano anterior. Ron e Scott Asheton ficaram do lado de fora, donde se ouvia perfeitamente a musica. Iggy diria que ele nunca ligara para The DOORS, até porque seu tipo de rock era tão diferente do que se fazia em Michigan. Iggy teria ido ao show apenas porque uma menina que ele estava querendo levar para cama queria ir.
Jim Morrison
Jim Morrison

Durante a apresentação, Jim Morrison estava visivelmente bêbado e logo se irritaria com uma turma no auditório que pedia ‘Light My Fire’. Ele começou a sacanear o público cantando somente em falsete. Quanto mais ele era vaiado, mas ele insistia em cantar com aquela voz fina. Ele acabou sendo retirado de lá antes que apanhasse do público. Iggy comentou, “Eu pensei para mim, aqui está um cara com o maior compacto do momento. Sua banda faz um som que mais parece coisa de mocinha. E o cara sobe no palco sem medo de fazer um papelão. Se ele consegue chegar lá, então eu posso também!” Iggy diria que depois daquele show, ele não tinha mais desculpas para não levar The Psychedelic Stooges para o palco e se apresentar para um público de desconhecidos.
Entra Jimmy Silver
Extremamente ativos, todos os três deram uma certa canseira no seu primeiro empresário. Em fevereiro de 1968, Ron Richardson acabou passando o posto de empresário para Jimmy Silver, já que não conseguia casar essas obrigações com o seu trabalho de professor. Através de Jimmy e sua esposa Susan, os Psychedelic Stooges mudaram para uma casa no campo, perto de Ann Arbor. A vida em comunidade acabou sendo um período estranho para o fechado Iggy, que mesmo estando ao lado de seus únicos amigos, ficou mais preocupado em descansar e aproveitar do que trabalhar. A casa seria mais tarde batizada de The Fun House.
Nesse meio período, Iggy acabou criando uma forte amizade com o empresário, com quem ficava horas e horas conversando e andando pelas estradas da região. Jimmy Silver comentou ter ficado impressionado com a inteligência e clareza de raciocínio demonstrado pelo vocalista. Nesses papos, Iggy expôs ao empresário qual era o conceito da banda que sonhava. Mas Silver também descobriria que teria vários problemas com eles, principalmente pelo excessivo abuso de DROGAS. O certinho e careta Iggy da adolescência rapidamente transformava-se em um alucinado, que além da maconha, abusava do LSD e cheirava cola. Iggy era obrigado a largar o hábito de tempos em tempos, por causa das crises de bronquite, e, aí aparecia o lado paternal e maternal de Jimmy e Susan, que preparavam uma alimentação macrobiótica com legumes, para poderem revitalizá-lo.
Os Stooges Entram em Cena
Blood, Sweat & Tears 1968
Blood, Sweat & Tears 1968

No dia 3 de março de 1968, os Psychedelic Stooges fizeram a primeira apresentação com sua formação clássica. Eles abriram um show do Blood, Sweet and Tears, no Grand Ballroom, casa de espetáculo organizado por Russ Gibb em Detroit. E, pela primeira vez, conseguiram deixar o público chocado com o que viam e ouviam. Como roupa de palco, Iggy usou um camisolão branco do seculo 18 que ia até seus calcanhares. Passou tinta branca no rosto e colocou uma peruca de alumínio na cabeça.
Para completar, Iggy raspou suas sobrancelhas. Ron e Scott então, passaram a compará-lo, a outro amigo, Jim Pop, que com sérios problemas nervosos, perdera os cabelos e as sobrancelhas. Os irmãos Asheton então passaram a referir a Iggy como Iggy Pop, nascendo assim o nome artístico definitivo de James Osterberg Junior.
Além de tocarem uma música que nada casava com o som da atração principal, levaram seus eletrodomésticos para o palco. Iggy sapateou com seus sapatos de jogar golfe e tudo foi o que hoje chamamos de performático mas que na época seria resumido apenas como sendo psicodélico. No meio dessa balbúrdia, executaram duas canções: “I’m Sick” e “Ashma Attack”; e roubaram as atenções. A mídia local ficou comentando sobre a banda de abertura, deixando o Blood, Sweet and Tears quase em segundo plano. Receberam 125 dólares pela apresentação.
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O furor fez com que o Grand Ballroom abrisse espaço para as bandas locais, como o MC-5, Amboy Dukes, Frost, Up, e os Psychedelic Stooges. Bandas locais sustentando a programação era coisa impensável quando a casa foi construída, já que o local tinha um espaço para mais de 2.000 pessoas e fora projetado para receber as grandes atrações. O local acabou virando um meca das bandas emergentes e até mesmo os artistas de ponta da Motown tinham dificuldades em tocar por lá. Quando a revista local, Creem Magazine, do jornalista Lester Bangs começou a apoiar sistematicamente o MC-5 e os Psychedelic Stooges, o local virou quase que um lar para as duas bandas, que também criaram fortes laços de amizade entre si. The Psychedelic Stooges abriram para um sem número de bandas que passaram por Ann Arbor em meio a suas respectivas excursões americanas. Bandas como Love, Sly & The Family Stone, The Fugs, Blue Cheer, Cream, The Troggs, Junior Wells, The Mothers of Invention, Butterfield Blues Band, Arthur Brown, The Fleetwood Mac, The Who, Pink Floyd, Albert King, John Mayall, Family, Canned Heat, Johnny Winter, Chuck Berry, entre outros.
The MC-5
Das bandas de Detroit, foi The MC-5 quem passou a realmente chamar atenção do país para si e para a cena musical que acontecia naquele pedaço da América. Isto aconteceu somente após a banda passar a ser empresariado por um homem chamado John Sinclair. Através da influência de Sinclair, The MC-5 se tornara o baluarte da banda politicamente engajada. Antes de Sinclair, era apenas uma ótima banda de boogie e rock ‘n’ roll de Detroit. Sobre o que significa o nome MC-5, trata-se de uma homenagem a sua cidade de origem. MC significa Motor City, apelido da cidade de Detroit por conta de suas fábricas de automóveis. Cinco por se tratar de um quinteto. Porém, com sua música agora se misturando com discursos políticos esquerdistas radicais, começou a ficar perigoso para a banda continuar a morar em Detroit e Sinclair acabou levando todos os membros de seus grupos a morarem juntos em uma casa de campo em Ann Arbor, não muito longe de onde os Stooges estavam morando.
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John Sinclair
Nascido em 1941, na cidade de Flint em Michigan, John Sinclair se formou em literatura em 1964 na Universidade de Michigan, perseguindo então seu mestrado até que em 1965 largou tudo para cuidar de música e poesia. Mesmo antes de se formar já atuava na comunidade de jazz de Detroit, tocando saxofone. Em novembro de 1964 formou junto com quatorze outras pessoas, o Detroit Artists' Workshop, organização que ajudou a promover inúmeros festivais de jazz e leituras públicas de poesia, sempre promovendo os talentos jovens da região.
John Sinclair
John Sinclair

Como músico, ajudou a organizar e compor músicas para o Workshop Music Ensemble, The Workshop Arts Quartet e o Detroit Contemporary 4. Como escritor, além de fundar em 1964 a editora The Artists' Workshop Press, escreveu e publicou os livros “This is Our Music” (1965), “Fire Music; A Record” (1966), “The Poem For Warner Stringfellow” (1966), e “Meditations: A Suite For John Coltrane” (1967).Sinclair rapidamente se mostrou um escritor prolífico, escrevendo artigos para uma série de revistas como “Work” especializada em poesia (1965-1967); e “Change” sobre “avant-jazz” (1965-66). Foi correspondente da “Downbeat” revista de música para adolescentes (1964-65), e “Jazz” cuja matriz ficava em Nova York além de escrever reviews para “Crêem” de Detroit. Foi colunista do jornal “Fifth Estate” de Detroit e fundou “Guerrilla” um jornal sobre revolução cultural. Mais importante, foi um dos cinco membros originais do Underground Press Syndicate (UPS), sólida organização existente até hoje.
John Sinclair foi preso por porte e venda de maconha em setembro de 1964 e depois novamente preso em outubro de 1965, desta vez passando seis meses na cadeia onde ele aproveitou o tempo para escrever inúmeras poesias e crônicas. Ao sair da cadeia, se associou ao pessoal que organizava atividades no Grande Ballroom. Sinclair seria detido uma terceira vez, junto com cinqüênta e cinco pessoas em uma invasão da polícia no campus da universidade, ocorrido no dia 24 de janeiro de 1967.
Os Panteras Brancas
Em fevereiro de 1967, John Sinclair e um pequeno grupo da amigos organizaram o que passou a se chamar The Trans-Love Energies Limited, um misto de comunidade hippie e cooperativa trabalhista com fins de organizar eventos de contra-cultura. Na prática, o grupo produzia eventos que envolviam dança, rock ‘n’ roll, livros, panfletos, posters e o jornal “Sun”, igualmente fundado por Sinclair. Foi esta cooperativa que inicialmente começou a trabalhar com a banda de rock Up.
Na época, jovens, principalmente universitários estavam acompanhando cada vez mais de perto as atividades políticas da nação. Sinclair rapidamente se mostrou um radical ativista, encontrando em meio ao movimento alternativo de música que nascia em Ann Arbor, um ponto excelente para divagar sobre suas teorias de mudança. Trans-Love passava a ver o rock como um caminho pelo qual se poderia catequizar a massa jovem sobre as possibilidades de uma revolução cultural.
Sinclair então passou a ser empresário das bandas Up, Billy C. & the Sunshine, e a que acabou sendo a mais famosa da região, The MC-5. Sinclair procurou exercer sua influência sobre os Psychedelic Stooges também, mas Iggy não o levou a sério e assim acabou não deixando o homem se criar. Iggy, de uma forma mais simpática, definiu Sinclair como um organizador compulsivo. De uma forma menos simpática, definiria Sinclair como sendo um homem que parecia querer ser o rastafari do alternativo no meio-oeste, tentando criar um império e ser o mestre de cerimônias das ideologias políticas e artísticas de Ann Arbor.
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Os Stooges evitam Sinclair, não aceitando suas garras, e embora mantenham a amizade com os integrantes do MC5, houve um certo distanciamento. Com as guerras raciais em Detroit iniciadas em 67, a policia matou em situações escusas cerca de cinqüenta jovens. Alguns destes incidentes acontecendo nas vizinhanças de Sinclair e dos integrantes do MC-5. Depois de eventos que incluíram coquetéis Molotov e uma escala progressiva de ação repressora por parte da policia, o clima ficou particularmente tenso. John Sinclair se mudou e trouxe com ele todas as suas bandas e membros organizadores do Trans-Love para Ann Arbor, alugando uma casa na 1520 Hill Street, perto da Universidade de Michigan e não muito longe do Fun House dos Stooges. Apesar da distância de Detroit, Sinclair continuou seu estreito relacionamento com Russ Gibb, dono do Grande Ballroom, fazendo publicidade de eventos, além de promover e produzir ele mesmo uma serie de eventos na casa.
Espelhando a organização The Black Panther Party (Partido dos Panteras Negras), formados por negros na Califórnia, John Sinclair junto com Pun Plamondon fundam The White Panther Party (Partido dos Panteras Brancas), em novembro de 1968. A comunidade que fora Trans-Love acabou canalizada em semear as ideologias dos Panteras Brancas, que começou como um braço do Youth International Party - fundado em Chicago no inicio do ano por Abbie Hoffman - mas que em tempo acabaria com afiliados em todo o país. A premissa maior deste grupo radicalmente contra o sistema, exigia liberdade econômica e cultural para todos e se achava no direito de usar quaisquer meios para conseguir seus objetivos. E com o poder de atração de suas bandas MC-5 e Up, buscavam disseminar a consciência política nos jovens mais alienados. Foi assim que esta ótima banda de rock e boogie ganhou notoriedade nacional e tornou-se permanentemente associada ao engajamento politico dos Yippies.

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