Automaticamente quando pensamos no nome Metallica, duas associações vêm direto à cabeça: a primeira é a fortuna acumulada pela banda nos seus mais de 20 anos de história e os diversos paradigmas quebrados por alguém que investe em um som pesado (se a banda ainda pratica esse som é uma outra história mas efetivamente, até pelo menos 1994, praticava).
A segunda associação, aproveitando o gancho, é justamente toda a mudança que caracterizou o
Metallica nos últimos anos (ou na última década), seu flerte excessivo com a MTV, sua mudança sonora, a atitude, os problemas e
brigas internas.
Escrever sobre o
Metallica é uma grande paixão mas também uma baita responsabilidade. Em primeiro lugar porque eles são os caras que me levaram ao Heavy Metal há cerca de 15 anos e seguem imbatíveis como a melhor banda de Metal de todos os tempos, na minha opinião. Não gostar da banda pelo que eles fazem atualmente é uma atitude compreensível mas deixar de respeitá-los é uma tolice afinal, o “Kill´Em All”, “Ride The Lightning”, “Master of Puppets”, “...And Justice for All” e o “Black Álbum” (para não contar o “Load” que também considero um grande trabalho) são, no mínimo, álbuns revolucionários e fundamentais em seus contextos.
Para fugir do lugar comum, o objetivo desta matéria é deixar um pouco de lado a polêmica carreira da banda após a consolidação do sucesso, afinal essa parte da história todo mundo sabe e explorar os primórdios do Metallica, suas raízes e a rápida ascensão ao trono da Bay Area de San Francisco até o lançamento do “Kill´Em All” em 1983. Pessoas que começaram com covers da NWOBHM e abriram as portas para o movimento de uma das mais importantes vertentes do Heavy Metal nos anos 80: o Thrash Metal.
A história do
Metallica, ao contrário do que muitos pensam, não começou na costa Oeste dos Estados Unidos e sim do outro lado do oceano atlântico, na capital da Dinamarca, Copenhague, onde nasceu o baterista Lars Ulrich em 26 de Dezembro de 1963, filho do razoavelmente bem sucedido tenista Torben Ulrich.
Torben ganhou alguns títulos de menor expressão no circuito e classificou-se em 1976, aos 48 anos, como o melhor tenista na categoria “sênior”. Apesar da vida de esportista, o patriarca dos Ulrich sempre apreciou a boa música e manteve ligações estreitas com o Jazz e o Rock, tanto que ainda nos anos 50 foi proprietário de uma casa de Jazz em Copenhague onde também tocava com sua própria banda.
O pequeno Lars conviveu diretamente com os dois lados do pai: ainda criança se mostrava muito promissor com as raquetes e ganhou alguns torneios infantis, oscilando entre os números 10 e 15 do ranking infanto-juvenil dinamarquês. Mas a sua vida mudaria totalmente em fevereiro de 1973, quando Torben hospedava alguns amigos hippies em sua casa e eles resolveram assistir a uma apresentação do Deep Purple em Copenhague. Um dos amigos desistiu em cima da hora e o nosso Lars, então com 9 anos de idade, pegou o ingresso que mudaria a sua vida.
Logicamente, uma criança de 9 anos não entende muito bem o que se passa em cima do palco de um show de Rock mas Lars hipnotizou-se pelo modo como o guitarrista Ritchie Blackmore jogava sua guitarra para o alto e fazia seus solos.
Nos dias seguintes à apresentação, Lars começou sua coleção pessoal de discos com o Fireball do Deep Purple e em pouco tempo se tornou um daqueles fanáticos colecionadores de itens do
Black Sabbath,
Thin Lizzy e qualquer banda que soubesse unir os primórdios do Heavy Metal com a veia Blues. Sempre que podia, Lars acompanhava o pai nas viagens do circuito de tênis e, desta forma, também comprava discos raros e aumentava a coleção com exemplares de toda Europa.
Apesar de toda a paixão crescente pelo Rock, a primeira tentativa com
instrumentos musicais só aconteceu em 1976 quando o jovem Ulrich ganhou um kit de bateria de presente dos seus avós. No começo ele gostou de seu novo “brinquedo”, mas com o passar dos meses Lars empenhou-se (por vontade – ou imposição - dos pais) a seguir carreira como jogador de tênis profissional.
Como a Dinamarca não oferecia muitas oportunidades de crescimento ao filho, Torben mandou Lars para treinar nos EUA em 1979, primeiro para uma renomada academia de tênis na Flórida.
Lars se dedicava ao esporte com duros treinamentos diários de 8 horas, mas também não esqueceu da velha paixão em colecionar discos de Rock e aproveitou sua viagem aos EUA para adquirir alguns lançamentos especiais que só saíram na terra do Tio Sam.
Ao regressar à Dinamarca para as férias, ainda em 1979, Lars conheceu um cara chamado Ken Anthony, proprietário de uma loja de discos em Copenhague e uma das grandes cabeças da cena Heavy Metal dinamarquesa. Ken apresentou o álbum Survivors do Samson (antiga banda de Bruce Dickinson) para Lars e despertou seu fanatismo para a New Wave of British Heavy Metal, a famosa revolução que apenas começava no final dos anos 70. A partir de então, o futuro baterista se tornou um ávido colecionador de itens desta fase tão importante do Heavy Metal e até hoje é um de seus grandes entusiastas.
Alguns meses depois, em Março de 1980, Lars voltou novamente aos EUA para disputar um torneio de tênis na Flórida e, durante uma folga, entrou em uma loja de discos atrás do último lançamento de uma banda chamada Triumph. Foi quando ele reparou em um disco muito interessante, com uma espécie de caveira em sua capa e quando olhou o verso, segundo suas próprias palavras: “a ilustração do Eddie poderia ser de qualquer uma das 100 bandas que surgiam a cada instante mas as fotos dos shows ao vivo na parte de trás da capa realmente me impressionaram”. Logicamente, o disco em questão era o primeiro do
Iron Maiden. Ele comprou o álbum mas não pôde ouvi-lo até sua volta a Dinamarca em Abril pois não tinha vitrola no seu alojamento nos EUA.
Assim que voltou à Dinamarca, Ken Anthony trouxe mais uma jóia ao conhecimento de Ulrich, o álbum Wheels of Steel do
Saxon.
Em setembro de 1980, a família Ulrich esperançosa da brilhante carreira no tênis (!) para o filho Lars, resolveu se mudar permanentemente para os EUA e compraram uma bela casa no sul de Los Angeles.
Mesmo longe da explosão da cena Heavy Metal, Lars continuou em contato por carta com seus velhos amigos europeus para saber das últimas novidades e guardava com ele uma espécie de agenda onde anotava o nome de todas as bandas que surgiam e os seus registros, mesmo que fossem apenas fitas demo, piratas de shows ou coletâneas com uma única música. Nessa lista estavam nomes como Angel Witch, Blitzkrieg, Jaguar, Holocaust, Raven, Witchfinder General, Sweet Savage, Savage, Praying Mantis e o Diamond Head, esta última provavelmente a sua banda preferida em toda a história e uma das grandes influências do
Metallica.
Lars era tão viciado na banda que começou a trocar correspondências (lembre-se que não tínhamos Internet para facilitar a vida) com a mãe do vocalista Sean Harris, Linda Harris, também co-empresária da banda, a respeito das últimas novidades. Para completar, quando Lars soube que o Diamond Head faria uma turnê européia no verão de 1981, não teve dúvidas: graças à boa saúde financeira de Torben, pegou um avião para assistir todas as apresentações da banda em solo inglês. Ainda não satisfeito, após assistir ao primeiro show, Lars conseguiu acesso aos backstages com Linda e impressionou a todos com informações que nem os próprios integrantes do Diamond Head sabiam (graças, novamente à dona Linda). O resultado é que o futuro baterista passou uma semana na casa do vocalista Sean Harris e mais uma semana na casa do guitarrista Brian Tatler. Aliás, os dois foram juntos assistir ao famoso festival Heavy Metal Holocaust encabeçado pelo Motörhead.
Essa convivência foi muito importante na vida do futuro criador do
Metallica, afinal Lars, pela primeira vez, tinha noção de como funcionava uma banda, as discussões internas e o trabalho de composição das músicas. Brian ainda se lembra como era o jovem Ulrich: “uma coisa que me impressionava era a forma como ele gastava dinheiro em discos. Eram centenas de Libras, mesmo sendo apenas uma criança, ele ia a lojas de discos e comprava pilhas e pilhas de coisas da NWOBHM (...). O mais engraçado é que ele nunca mencionou montar uma banda e não estou muito certo se ele era capaz de tocar bateria até então.” Após semanas convivendo com seus ídolos, Lars visitou sua cidade natal onde ainda teve tempo para conhecer alguns jovens na cena, o
Mercyful Fate, e voltou para os EUA com a idéia fixa de montar sua própria banda.
A história de James Alan Hetfield é bem diferente do sonho vivido por Lars Ulrich. Nascido em 3 de Agosto de 1963 em Norwalk, Los Angeles, James cresceu em uma família tradicional da classe média norte-americana, a não ser pelo fato de que seus pais se divorciaram muito cedo.
Seu pai era um caminhoneiro e sua mãe, uma tradicional dona de casa que na juventude se destacou como cantora lírica. Ambos eram evangélicos rigorosos, daqueles que nunca faltam a uma missa e isso irritava o jovem James que começava a se questionar sobre a veracidade de seus valores, principalmente através de um fato por acontecer alguns anos depois.
Assim como Lars, James também era um fã de
Deep Purple, e fora muito influenciado neste começo pelo seu irmão 10 anos mais velho, David, baterista em uma banda cover de Hendrix - The Bitter End - no começo dos anos 70. David usava a garagem da casa da mãe para ensaiar com a banda e quando ninguém olhava, lá ia o pequeno James brincar com os teclados.
Pela influência da mãe, esperançosa em ver o filho se transformar em um pianista clássico, James teve dois anos de aulas de piano durante o ginásio até que ela desistisse de seu sonho e comprasse para o filho uma guitarra elétrica de 15 dólares, afinal segundo as próprias palavras do futuro guitarrista e vocalista: “eu queria fazer barulho, não estudar teoria”.
A desilusão na igreja e a aproximação com o Heavy Metal, em especial o
Black Sabbath e suas letras, causaram grandes problemas na adolescência de James, particularmente com o seu pai: um tradicionalista não se conforma em ver o filho desviar do caminho da fé religiosa. Mas o pior aconteceu quando a mãe de James adoeceu de câncer algum tempo depois. Confiando na fé e nas orações como a única salvação, a família renegou todos os tipos de tratamentos médicos e o resultado foi o mais devastador possível: James perdeu sua mãe, por pura negligência familiar, aos 15 anos de idade.
O choque da perda foi enorme, especialmente pelos problemas já enfrentados com seu pai sobre a tal fé religiosa. James se isolou de seus familiares e amigos por bastante tempo e a relação com o pai nunca mais se normalizou. Os bons entendedores encontram referências ao acontecimento em diversas letras do
Metallica nas décadas seguintes, especialmente “The God that Failed” e “Until it Sleeps”, músicas explícitas sobre o assunto. O trágico episódio também gerou um apelido para James na escola por sua atitude isolada: a criança mais raivosa do mundo.
Assim que pôde, James saiu de casa e passou a se dedicar integralmente a música ainda nos anos 70. O primeiro show que ele assistiu foi no famoso Long Beach Arena em 1978 para ver o
Aerosmith e o
AC/DCcom o seu irmão. Na mesma época, James montou uma primeira banda chamada Leather Charm com alguns colegas do colégio, depois mudaram o nome para Obsession e tocavam nos colégios da cidade, sem grandes repercussões.
No Obsession, James escreveu as suas primeiras letras mas a pequena platéia que assistia às apresentações sempre preferia os covers, o que irritava bastante o jovem Hetfield, louco para alçar vôos mais altos. Os demais integrantes (os irmãos Veloz na bateria e no baixo e Jim Arnold na guitarra) preferiam se manter como uma banda de covers, afinal era o que agradava os fãs. Uma curiosidade do Obsession era o seu roadie principal: nada mais e nada menos que Ron McGovney, o futuro primeiro baixista do
Metallica.
Após mudar de bairro e escola, James fundou sua terceira banda com os novos colegas, o Phantom Lord, com Hugh Tanner (escolhido por ser o único moleque da redondeza a ter uma guitarra Flying V), Jim Mulligan na bateria e, mais tarde, Ron no baixo. Muitos dos riffs das primeiras músicas do
Metallicanasceram nesta fase do Phantom Lord. A banda, inclusive, foi a primeira onde James cantou e tocou guitarra ao mesmo tempo.
Com o passar dos meses, o Phantom Lord mudou de nome e voltou a se chamar Leather Charm com James deixando a guitarra de lado para se concentrar apenas nos vocais. Entre as músicas tocadas pela banda, a preferida era o cover de “Remember Tomorrow” do primeiro disco do
Iron Maiden.
O Leather Charm ainda registrou uma demo antes de terminar no começo de 1980, mas essa gravação é daqueles itens quase impossíveis de achar e vale alguns milhares de dólares.
Em 1980, finalmente os caminhos de James e Lars se cruzaram quando o futuro baterista, antes de sua viagem para a turnê do Diamond Head, colocou um anúncio em um jornal chamado Recycler, em busca de headbangers para formar uma banda séria, que valorizasse o Heavy Metal e seguisse carreira no gênero. Sem vacilar, James Hetfield e seu amigo Hugh Tanner responderam ao anúncio e marcaram uma primeira jam na casa de Lars. James estava tão empolgado com a possibilidade de uma carreira que cogitou a hipótese de retomar o trabalho do Leather Charm com Lars na bateria dependendo do andamento do encontro.
Infelizmente, este primeiro contato foi um verdadeiro fiasco já que Lars, como baterista, ainda era um belo tenista. Totalmente desiludido, James aconselhou o falante Ulrich a abandonar as baquetas para o seu próprio bem, virou as costas e foi embora. Os dois só se encontrariam novamente quase um ano depois.
Fotos: Página Oficial do
Metallica – http://www.metallica.com
Referências Bibliográficas:
BNR – Metal Pages. http://www.bnrmetal.com
Encyclopedia
Metallica. http://www.encycmet.com
Metallica Official. http://www.metallica.com
PUTTERFORD, MARK.
Metallica In Their Own Words. UK: Omnibus Press, 2000
RUSSELL, XAVIER. The Definitive
Metallica. UK: Omnibus Press, 1992
McIVER, JOEL. Justice for All: The Truth About
Metallica. USA: Omnibus Press, 2004