Alexey kurkdjian foi o responsável pelos arranjos orquestrais do CD A-Lex do SEPULTURA, se apresenta com grandes nomes do rock como Rafael Bittencourt, Andreas Kisser entre outros, e recentemente liderando a Sphaera Orchestra interpretou a trilha sonora da série "A Cura" da TVGlobo. Nessa entrevista Alexey mostra que além de músico é um ativista quando a causa é quebrar barreiras e preconceitos entre a música erudita e o rock.
Como começou sua carreira na música erudita?
Desde criança em casa se ouvia muito música erudita, no entanto nessa época, meu grande sonho era ser um cientista, o que acredito ter me influenciado no campo da criação músical, composição e pesquisa. Na minha adolescência ouvia, além da música clássica, muito rock e por acaso, comecei a tocar guitarra. Com o passar do tempo, fui me aprofundando, pesquisando novas músicas e novos instrumentos. Comecei então o estudo do violão clássico, o que me abriu muito a mente. Cantei em coros, onde aprendi a usar a voz da maneira adequada e foi quando conheci alguns professores que me ajudaram muito. Estudei piano, canto, teoria, violão, tudo isso sem deixar de ouvir rock. Consegui realizar, mesmo tardiamente, um sonho de infância, que era tocar violino. E meu interesse em ciências e grandes invenções, me levaram à composição e a pesquisa que é um campo muito vasto e fascinante. Toquei em bandas de rock e heavy metal por muitos anos, o que acredito ter me dado novas perspectivas. Música é um jeito de viver, é quase uma “religião” para mim. Portanto, prometi a mim mesmo que se fosse estudar na universidade, com certeza seria música. Entrei na faculdade, onde travei contatos com pessoas maravilhosas, desde colegas de classe até professores, e onde passei 6 anos estudando, pesquisando e descobrindo um novo mundo ainda maior daquele que eu já conhecia. Passei então a tocar em orquestras, dar aulas de violino, tocar em eventos, tudo para me manter financeiramente e seguir meu sonho adiante. Então surgiram oportunidades de reger orquestras e escrever minhas próprias composições, estreando-as sob minha regência em concertos que foram grandes acontecimentos na minha vida.
Como surgiu o projeto Sphaera Orchestra?
Sempre que trabalhei em orquestras, apesar de amar o que fazia, algo me incomodava. Senti que não era pra estar sentado tocando apenas, e sim dirigindo um grupo. Eu já tinha minhas próprias idéias de interpretação das obras e senti a necessidade de por em prática. Mas claro, com muita humildade, quanto mais se pesquisa, mais você vê que precisa saber mais. Cada regente tem seu ponto vista, e lá no fundo eu sentia que deveria dirigir e não apenas executar ao instrumento uma obra. Pensei então que seria onde eu pudesse realmente oferecer algo e mostrar ao público a beleza da música como forma de comunicação humana, e não apenas resíduo sonoro. Criei então minha própria orquestra, que originalmente se chamou Sphaera Ensemble (Conjunto Sphaera), um grupo independente, formado por jovens músicos, alguns formados na mesma época que eu, com o intuito de fazer música profissionalmente e como algo que se gosta de fazer, e não somente se deve fazer. Meu interesse estava na música produzida hoje, por compositores vivos, viver músicalmente o nosso tempo e nossa realidade, e isso inclui, é claro, o Rock, dentre os gêneros no qual nos focamos.
E por que Sphaera? Qual é o conceito do nome?
Sphaera em latim significa esfera. Escolhi em latim por se assemelhar tanto com o português quanto com o inglês, facilitando a compreensão, além de ter um charme a mais.
A esfera é a forma geométrica perfeita, estudada desde a antiguidade pelos grandes filósofos e astrônomos (as grandes mentes da humanidade). Por ter esse sentido de completude, de infinito e de agrupamento, o conceito gira em torno da idéia de união, ou seja, união de artistas, formas diferentes de fazer arte, gêneros músicais reunidos, ciência como arte, e assim por diante.
Englobar e globalizar o que o ser humano faz de melhor, esse é um dos conceitos da Sphaera.
A partir de que momento você resolveu integrar a música erudita com o rock e a música popular?
Assim que criei a Sphaera Orchestra, me concentrei mais no repertório erudito do século XX e contemporâneo, compositores vivos. Mas sentia profundamente a necessidade de fazer música popular, pois nunca a deixei de lado. Como o rock é o que eu mais entendia de música popular e gostava, resolvi fazer da maneira que ouvia em minha mente. Foi algo natural, de impulso artístico. Além do mais, rock é música contemporânea, trilha sonora de filme também, assim como a música composta para videogames e outras mídias.
Como tem sido a recepção do público roqueiro em relação aos arranjos criados por você de bandas como Iron Maiden?
R: Eu creio no público em geral. Mas, ao subir no palco, vestindo a casaca, e ao invés de guitarra, empunhar a batuta ou mesmo o meu violino, a identificação com o público roqueiro é instantânea.
Rafael Bittencourt também faz parte da Sphaera? Como você se conheceram?
O Rafael faz parte da Sphaera Orchestra. No entanto, ele tem seus compromissos com seu projeto solo e com o ANGRA. A Sphaera Orchestra continua sempre mesmo que algum membro não possa participar de certo evento. Isso é legal, pois estamos sempre fazendo coisas novas. Conheci o Rafa ligando pra ele (rs). Tinhamos um vocalista, que por motivos de força maior, teve que deixar o grupo. Estive pensando em quem chamar para um concerto em especial, que já estava agendado. Foi quando ouvi pela primeira vez o Bittencourt Project e pensei: “Quero o Rafael cantando na Sphaera Orchestra”! rs.
Gostei tanto de descobrir o Rafael como vocalista, pois quando canta não tenta ser ninguém mais além dele mesmo. Isso é algo raro hoje em dia. Tinha de ser ele. Então liguei pra ele, que já conhecia um pouco do meu trabalho, e ele topou. Ficamos muito empolgados em trabalhar em conjunto, tanto que ele me convidou várias vezes para tocar violino em seu projeto solo, o Bittencourt Project.
Você também participou ativamente do CD A-Lex do SEPULTURA, como surgiu o convite?
Eu era o fã número HUM do SEPULTURA na minha adolescência (rs). Tocava versões de algumas músicas deles e defendia com garra diante daqueles radicais sem cultura alguma. Conheci o Andreas Kisser num show que eu estava tocando com minha antiga banda, na abertura do show do Biohazard, em Santos. Ele estava lá pra fazer uma Jam com os amigos norte-americanos. Depois do meu show, fui ao camarote para assistir ao Biohazard e lá estava o Andreas e sua esposa. Cumprimentei, mas não fiquei “tietando” (rs). Então ele me chamou e disse que curtiu muito o meu estilo de cantar e ficou impressionado com o fato deque eu cantava, tocava e ainda era o solista e compositor das músicas. Na época, o Max estava deixando a banda, foi quando me enviaram uma fita com uma música nova para gravar minha voz fazer teste na banda. Desde então, nos tornamos amigos, embora estivéssemos sem contato por alguns anos.
Lembrei que ele havia dito que o sonho dele era tocar com orquestra, já que ele toca violão clássico muito bem. Quando formei a Sphaera Orchestra pensei em realizar esse sonho pra ele, mas ele fez o contrário e realizou o meu (rs). O disco A-LEX devia ter algo que lembrasse Beethoven, pois o personagem Alex ( Laranja Mecânica) é um grande apreciador de sua obra. Foi então quando tivemos a idéia de juntar a Sphaera Orchestra com o SEPULTURA para gravar um arranjo que eu, Andreas e Jean Dolabella fizemos do quarto movimento da 9ª Sinfonia de Beethoven. Trabalhamos juntos desde o início da produção até o final, foi fantástico. Eu reescrevi a orquestração para adequar nesse projeto que chamei de Sepul`Sphaera (rs).
Como foi interpretar a trilha sonora da série "A Cura", da TV Globo?
Uma experiência fantástica. Sempre fui grande fã de trilhas sonoras (aquelas orquestradas) de filmes, desde os antigos até os mais novos. Quando o Edu Queiróz (compositor da trilha) me convidou para essa parceria, fiquei muito feliz. Os músicos adoraram, bem como a produção.
Nesse projeto creio que a Sphaera Orchestra está fazendo um trabalho de re-inclusão da música orgânica, e não apenas a digital, às trilhas de filmes e séries nacionais, ao lado de artistas visionários que prezam pela música feita por músicos e não apenas por computador, como o diretor da série e o compositor da trilha.
E hoje quais os projetos você está envolvido atualmente?
Compus a trilha sonora de um curta-metragem chamado LUZ, de produção independente, produto de jovens e talentosas diretoras e atrizes como Bruna Capozoli e Carol Hubner. Eu assino a composição da trilha orquestrada, e o mais interessante foi ter tocado a música ao vivo juntamente com a projeção do filme em sua estréia.
Quais os próximos passos da Sphaera Orchestra?
Tenho projetos em andamento com a Sphaera Orchestra e também “solo”. Como violinista, tenho um duo com o Andreas Kisser ao violão, estamos ensaiando músicas clássicas e rock para apresentar em leituras inéditas. Venho fazendo arranjos para grandes artistas do rock, assunto o qual falarei numa outra oportunidade. Com a Sphaera Orchestra, estou batalhando para a reformulação da marca, um novo website, uma gravação para o ano de 2011 e uma possível viagem à Nova Zelândia, pais com o qual venho fazendo importantes colaborações com um compositor muito talentoso, e com a cultura da região. Vamos também continuar o trabalho de inclusão da música de concerto com a popular, especialmente o rock e metal, em novos projetos, levando para o público roqueiro e outros, com o intuito de formar conceitos, e não deixar perpetuar o “pré-conceito” que infelizmente ainda existe. E claro, o mais importante: Música para aqueles que pouco ou nenhum acesso têm, como comunidades mais distantes e menos favorecidas culturalmente, para que tenham o direito de conhecer, formar conceitos ou simplesmente ouvir e se emocionar com o um belo concerto músical. O importante é que a pessoa, ao final do concerto, vá para casa com algo bom em sua mente e coração.
Matéria original: Tô no Palco