Com o lucro do shows na Costa Leste e as economias de sua loja de discos, em maio de 1983, finalmente Johnny Z juntou o necessário para financiar as gravações do primeiro álbum do Metallica pelo próprio selo, Megaforce, e começou a busca por um estúdio.
Um fato que antecedeu a ida da banda para as gravações, foi a volta da insegurança de James Hetfield em a assumir os vocais e guitarra ao mesmo tempo. Após uma reunião onde James afirmou novamente que fosse melhor ficar apenas com a guitarra base, especialmente depois da saída de Mustaine e o fim dos conflitos. Os integrantes tentaram, então, uma ligação de última hora para o vocalista John Bush na Costa Oeste para que ele já entrasse na banda gravando o disco. O então vocalista do Armored Saint se sentiu honrado por ter sido lembrado de novo (se você se lembra dos últimos capítulos, a banda tentou alguma coisa com Bush quando ainda moravam em Los Angeles), mas dessa vez foi o próprio quem rejeitou o convite já que o Amored alcançava um sucesso relativo e ele não trocaria aquilo por uma incerteza ao lado do Metallica: James teve de se conformar em gritar as letras e continuar como guitarrista mesmo, especialmente naquele momento crucial.
Como estavam sem muita grana (apesar da bem-sucedida turnê com o Venom), um amigo de Johnny Z, um certo ex-roadie do
Black Sabbath chamado Joey DeMaio – sim, o próprio baixista e fundador do
Manowar – recomendou um estúdio baratinho conhecido como Music America em Rochester, cidade ao norte do estado de Nova York.
Joey avisara que o estúdio era bem precário, praticamente o porão de uma velha casa colonial, mas um lugar chamava muito a atenção: o salão oval no segundo andar, ótimo – acusticamente falando - para as gravações da bateria do perfeccionista Lars Ulrich.
Ciente da responsabilidade do investimento, Zazula voou primeiro para a cidade a fim de checar a qualidade do lugar e negociar (entenda-se pechinchar) os valores do aluguel com seu proprietário, Paul Curcio. Para que o empresário não tivesse de contratar um produtor e desembolsar mais grana extra além das passagens e hospedagem, Johnny decidiu contratar o próprio Curcio (afinal, ele morava no local e tinha experiência com todos os seus equipamentos) como produtor do primeiro disco do Metallica, mesmo que o cara não tivesse muita familiaridade com Heavy Metal.
Assim que o estúdio foi aprovado, a banda voou para Rochester e os ensaios para a gravação começaram. Vale lembrar que com as saídas de Ron e Mustaine nos meses anteriores e a entrada dos novos músicos, a maior parte das primeiras músicas do
Metallicaganhou versões mais trabalhadas, com harmonias diferentes e pequenas mudanças nos solos.
Obviamente, as músicas escolhidas para figurarem no disco foram basicamente as 10 primeiras compostas nos últimos dois anos, as mesmas que já faziam a alegria dos fãs nas demos e nos shows da Bay Area. Algum material extra também já estava pronto, como alguns riffs de Fight Fire With Fire, Call of Ktulu e a introdução de Ride The Lightning (todas compostas com a ajuda de Dave Mustaine), mas essas composições ainda eram muito cruas e foram deixadas para depois.
Hit The Lights era a escolha óbvia para abrir as gravações já que foi a primeira composição oficial do
Metallica e mostrava toda a energia e velocidade do Thrash Metal naquele começo. The Four Horsemen foi a música com maior alteração desde sua versão preliminar, a famosa The Mechanix. A verdade é que essa era a composição original com maior participação de Dave Mustaine e James se sentia constrangido em cantar versos de um ex-integrante, expulso de uma forma tão polêmica. O vocalista/guitarrista preferiu reescrever tudo, substituindo o tema futurista por uma versão bíblica dos quatro cavaleiros do apocalipse e acrescentou um intervalo lento com inspiração no clássico Sweet Home Alabama do
Lynyrd Skynyrd. A nova The Four Horsemen também é considerada a ponta do rumo que foi tomado pela banda nos álbuns seguintes, com várias viradas em seu andamento e riffs marcantes, não apenas baseados na velocidade.
A intimista música de James, Motorbreath, era a próxima seguida por Jump In The Fire, que fugia um pouco do Thrash e trouxe as influências mais tradicionais, especialmente da NWOBHM, ao som do disco.
O
Metallica mostrou que inovação era o caminho para o sucesso e os caras resolveram incluir o solo de baixo de Cliff Burton, Anesthesia, também no álbum, para que o disco refletisse com a maior precisão possível a experiência de um show. A voz que fala “bass solo, take one!” no começo é de James e a grande curiosidade é que Cliff se trancou na sala de gravação e não permitiu que nenhum outro integrante tivesse acesso à versão final de seu solo (nascido de um improviso e gravado com pedal de overdrive para guitarras) até que ele mesmo aprovasse. Os demais integrantes acompanhavam Cliff apenas pelo vidro do aquário da sala, sem escutar o que o baixista fazia ou conversava com o produtor. A rápida e pesada Whiplash finalizava o lado A do vinil.
O lado B seguia a porrada e trazia as músicas preferidas dos fãs nos shows, começando com Phantom Lord e passando por No Remorse, Seek and Destroy e o hino Metal Militia.
Todo o processo de gravações durou quase três semanas (entre os dias 10 e 27 de Maio) e o produtor Paul Curcio não pôde dar muitos palpites durante a mixagem já que James e Lars eram extremamente ciumentos com suas composições e raramente deixavam Curcio ou Zazula opinarem (fato também explicado pelo baixo orçamento disponível já que grandes mudanças precisariam de tempo e, na linguagem dos estúdios, tempo é MUITO dinheiro), mas a verdade é que o resultado final surpreendeu a todos, especialmente pelo baixo valor investido (cerca de US$ 18.000).
Um fato curioso durante as gravações aconteceu com Lars. O baterista jura até hoje que a velha casa utilizada, em especial o salão oval onde foram gravados todos os takes da bateria, era assombrada e exigia que alguém ficasse com ele o tempo inteiro pois, do nada, os pratos e o bumbo começavam a tocar sozinhos.
Quando os integrantes ouviram pela primeira vez a fita final das gravações, também perceberam que as músicas estavam ainda mais rápidas do que as versões dos shows ou das demos. James, em uma entrevista publicada 3 anos depois, afirmou que este foi um processo natural ocorrido ao longo dos meses já que todas as composições eram ensaiadas à exaustão e, com o aperfeiçoamento do instrumental, elas ficaram cada vez mais rápidas.
Com a fita master pronta, o próximo passo era batizar o álbum. A escolha, na verdade, já estava feita desde que a banda viajou de San Francisco para Nova Jersey. O nome do primeiro disco seria Metal Up Your Ass (literalmente: “o Metal enfiado na sua bunda” – nome simpático, que batiza este artigo também) e até o desenho da capa já estava pronto (idéia e concepção de Mr. Hetfield): uma privada aberta com um punhal saindo de dentro pronto para cortar o traseiro de alguém. A frase já era bem conhecida dos fãs e sempre utilizada por James durante os shows nas músicas No Remorse e Metal Militia para chamar a participação do público e aumentar ainda mais a energia. Você pode conferir alguns desses momentos de interação no vídeo Cliff ´Em All. Até hoje a página oficial do
Metallica vende em sua loja a camiseta com a ilustração do que seria essa capa do primeiro álbum e os dizeres “Metal Up Your Ass” logo abaixo.
Todos adoraram a idéia, menos o distribuidor de discos contratado por Zazula que se recusou a trabalhar com um material tão “ofensivo”. O empresário ainda tentou negociar alguma mudança no desenho mas nada feito: ou a banda mudava o nome do álbum e o desenho da capa ou o contrato de parceria entre a Megaforce e o distribuidor seria encerrado. Ao tomar conhecimento de toda a história, o baixista Cliff Burton ficou muito irritado e disse “ah quer saber? Vamos matar todos eles” e os que ouviram essa frase gostaram da idéia – não do crime, obviamente, mas da sentença “Matar todos eles (Kill ´Em All)” como uma expressão de raiva que simbolizava todo o trabalho do
Metallica até então e o novo som que surgia e, assim, se batizou o primeiro álbum dos californianos.
Com o nome pronto, James e Lars tiveram de repensar um outro conceito para o desenho da capa e preferiram algo mais simples, agressivo (para ainda desafiar os distribuidores), mas bem direto, sem caveiras ou monstros, elementos bem conhecidos das capas de trabalhos de Metal (vide capas do
Iron Maiden, Motörhead e
Venom, por exemplo).
Algumas idéias bem simples foram lançadas e a escolha final acabou com colagens tiradas de gravuras de revistas com um martelo, uma poça de sangue e a sombra de uma mão. O logo utilizado seria o mesmo criado por James e já divulgado a exaustão nos shows da banda: estava pronto o primeiro disco oficial do
Metallica.
O Kill ´Em All chegou oficialmente às lojas no dia 25 de Julho de 1983 e vendeu, de cara (nas primeiras horas do dia do lançamento), 7.000 cópias apenas nos Estados Unidos. Um número nada mau para uma banda que estava apenas começando e trazia um som bem diferente, mesmo para o conceito da música pesada.
Assim como ocorreu com a prensagem do Metal Massacre, a primeira edição do Kill ´Em All também saiu com alguns errinhos de fábrica, como alguns discos que vieram sem o encarte e a letra das músicas e algumas capas que saíram com erros de impressão. Esses itens hoje são raríssimos, vendidos por uma pequena fortuna em sites de leilão.
As críticas dos fãs e da imprensa eram bem variadas: a maioria amou o disco mas alguns estavam tão acostumados ao som cru das demos, que estranharam o trabalho mais elaborado do Kill ´Em All, especialmente nos vocais de James e na nova velocidade das músicas. Divergências à parte, a questão é que, exatamente como com o No Life ´Til Leather, o lançamento caiu como uma bomba na cena musical que nunca imaginava algo tão pesado lançado de forma oficial por alguma gravadora. A ótima repercussão abriu as portas para as bandas de Thrash Metal e a cena de San Francisco finalmente tinha algum retorno financeiro para seus representantes.
Zazula mostrou que tinha visão do negócio e, com o sucesso da primeira prensagem do álbum nos EUA, atraiu distribuidores para praticamente todos os cantos do mundo. Na Holanda e no Canadá, o álbum saiu pela Roadrunner, na Inglaterra pela Music for Nations, no Brasil, chegou pelas mãos da RGE, no Japão pela King e na França pela Bernett.
Para ajudar ainda mais na promoção, Johnny Z colocou no mercado também um single de 12’’ da música Whiplash. O disquinho vinha com 4 músicas: a versão oficial de Whiplash, mais uma remixada (cuja diferença é, honestamente, bem pequena) no lado A e no lado B as músicas Seek and Destroy e Phantom Lord, gravadas como se fossem ao vivo (com barulho falso de público – acredite se quiser), para mostrar a força do Metallica aos que ainda não tinham visto um show dos caras.
O sucesso do Kill ´Em All atravessou o Atlântico e pegou também os ingleses desprevenidos. A mesma cena da NWOBHM que inspirou o
Metallica agora se rendia ao talento dos californianos e as vendagens do Kill ´Em All logo em seu lançamento representaram o maior sucesso desde a explosão do
Iron Maiden (e o primeiro disco auto-intitulado) em 1980.
O
Metallica ganhou em 1983 diversos prêmios na Terra da Rainha, desbancando até mesmo nomes de peso como o Piece of Mind do próprio Maiden. Naquele ano, a banda foi eleita a melhor pela tradicional revista Metal Forces onde também ganharam por melhor álbum e Kirk Hammett ganhou como melhor guitarrista. Ao saber do resultado, o irônico Dave Mustaine soltou o seguinte comentário “Kirk pegou um atalho para o número 1 por causa dos meus solos no No Life ´Til Leather”. Se analisarmos friamente, Mustaine até que tem um pouco de razão já que Kirk preferiu manter alguns dos solos originais, mesmo que negue isso até hoje.
Com o sucesso do
Metallica e a boa divulgação do primeiro álbum, a Megaforce Records começou a receber diversas propostas de novas bandas interessadas na parceria como o próprio
Anthrax, o
Manowar e os ingleses do Raven. Zazula planejava a primeira turnê oficial dos californianos e resolveu escolher o Raven, que lançavam naquele mesmo período o ótimo All For One, para os shows em conjunto.
A escolha se mostrou perfeita pois, apesar dos ingleses serem vistos como uma grande piada em seu próprio país de origem (o som era popularmente conhecido como Athletic Rock por ser rápido mas não tão pesado como uma banda de Metal), o estilo energético da banda caía como uma luva com o som inovador do
Metallica e o disco vendia bem na Terra do Tio Sam.
A Kill ´Em All For One Tour (mesclando o nome dos dois lançamentos das duas bandas) começou em 27 de Julho com um show em Nova Jersey e atravessou o país de costa a costa durante 3 meses. Todas as viagens eram feitas em um ônibus alugado por Zazula, aonde iam as duas bandas, alguns roadies e todo o equipamento. Até hoje o pessoal do Raven considera aquela turnê como o ponto alto da trajetória da banda e todos ainda demonstram muito carinho e respeito pelos integrantes do
Metallica.
A turnê oficial do Kill ´Em All, agora somente com o
Metallica, continuou um enorme sucesso até Janeiro de 1984 e foi em um desses últimos shows, mais precisamente em Boston, que todo o equipamento da banda foi roubado de dentro do ônibus, logo após a apresentação. Entre os itens roubados estava um amplificador Marshall muito querido por James desde sua adolescência. Esse fato foi um grande choque para o vocalista/guitarrista e serviu de inspiração para a música Fade to Black que sairia no segundo álbum.
Com o final da turnê pelos EUA, a banda partiu para seus primeiros shows internacionais na Europa, a chamada “Seven Dates of Hell”, e, de lá, se preparariam para a gravação do segundo álbum. Daí para frente todos conhecem a história do
Metallica, a fama, a fortuna e os sucessos, e chego ao final deste artigo dos primórdios por aqui.
Muito obrigado a todos que acompanharam este texto e espero ter contribuído positivamente para que os fãs e simpatizantes conhecessem um pouco mais desse passado do
Metallica e seus integrantes e a luta para que chegassem ao topo e ajudassem a levar o nome “Metal” até níveis inimagináveis, especialmente se pensarmos em todas as dificuldades enfrentadas.
Se o
Metallica ainda é ou não o dono da posição de maior banda de Metal, não importa, pois o nome que deixaram marcado na história do Rock e a revolução que causaram é algo digno de um estudo aprofundado. Portanto, antes de sair por aí xingando a banda, procure analisar melhor as influências que eles trouxeram até hoje no cenário mundial. Talvez sem o
Metallica e a impulsão de toda a cena da Bay Area (como você deve imaginar, eles foram a grande locomotiva que puxou toda uma geração), a história do Heavy Metal fosse bem diferente.
Referências Bibliográficas:
BNR – Metal Pages. http://www.bnrmetal.com
Encyclopedia
Metallica. http://www.encycmet.com
Metallica Official. http://www.metallica.com
PUTTERFORD, MARK.
Metallica In Their Own Words. UK: Omnibus Press, 2000
RUSSELL, XAVIER. The Definitive
Metallica. UK: Omnibus Press, 1992
McIVER, JOEL. Justice for All: The Truth About
Metallica. USA: Omnibus Press, 2004