Pouco conhecido, mas muito violado, o direito autoral engloba um vasto campo de situações e contextos da vida social, constituindo-se mais como uma modalidade de garantia individual de forte expressão social e coletiva de manifestações e expressões da personalidade humana. Sejam obras literárias, científicas ou audiovisuais, tudo que envolva criações do espírito humano, pode ser enquadrado como um patrimônio intelectual pessoal. E certamente as obras artísticas musicais apresentam-se enfaticamente como as mais típicas expressões do amplíssimo rol dos Direitos Autorais. Exemplos conhecidos não nos faltam: canções como Don’t you cry (Guns n’Roses) ou contendas judiciais envolvendo o direito ao uso e à exploração do sinal artístico indicativo (o nome do artista) como no caso de bandas como Saxon e Pink Floyd, apenas iluminam um universo em que dúvidas prevalecem sobre certezas. Em função disso, dada a enorme complexidade e vastidão do assunto, tentaremos enfocar de uma forma global e sintética, sem nenhuma pretensão acadêmica, o panorama dos direitos autorais, bem como sua abrangência e meios dispostos aos cidadãos tutelados por suas normas.
Antes de tudo, muitos devem perguntar: “– Afinal, do que trata o Direito Autoral? Minha banda tem algo a ser protegido pela legislação específica do tema?”. Pois a verdade é que o acesso a este rol de interesses jurídicos não é difícil, visto que o Direito Autoral trata de todas as propriedades intelectuais e no nosso caso, artísticas (incluindo-se aí, as obras literárias, musicais e demais formas de percepções culturais).Visa a proteger os interesses dos autores e seus sucessores, em relação às obras criadas. E autor nada mais é que o criador intelectual e espiritual da arte, seja expressão concreta ou abstrata, podendo ser pessoa física ou jurídica. Abrange assim, o direito de propriedade intelectual, os direitos do autor propriamente ditos, bem como os direitos conexos.
Alguns aspectos importantes da Lei 9610/98 sobre Direitos Autorais
Antes de abordamos sobre as garantias dadas pela Lei, cumpre mencionar que a tutela legal de uma obra criada só se efetiva quando a mesma apresenta um mínimo de originalidade, de contribuição pessoal na concretização do todo. Essa originalidade pode ser até relativa, envolvendo por exemplo apenas uma modificação melhorada ou a organização variada e distinta dos detalhes da obra. O importante, portanto, é que apresente um grau mínimo de criação originária.
Uma obra artística, envolve como pressupostos, uma idéia abstrata, mentalizada, mitificada (por exemplo, a idéia de uma melodia ou de um riff sem manifestação concreta) que se ampara em um suporte objetivo para se concretizar – é a forma criada (o riff ou a melodia materializada com instrumentos, transmitida ao mundo através de algum meio físico: sons, imagens, gravações, etc). Como é juridicamente inviável adaptar um tema ou uma idéia abstrata aos dispositivos da lei, toda obra tem que se concretizar numa forma material. Para facilitarmos, podemos dizer que uma idéia, expressa por alguém, sem nada concreto, pode ser reproduzida por qualquer um. Quem cria algo, sem torna-lo visível ou com uma forma, não pode querer um monopólio sobre sua idéia. Mas se essa idéia apresenta-se numa forma, passará a ser uma propriedade do autor, e ninguém poderá dela usar sem sua autorização.
Afora inúmeras Convenções Internacionais, em que destacamos a de Berna e de Roma (devidamente contempladas no Direito pátrio), o Brasil possui uma complexa e extensa gama de normas referentes aos direitos autorais estruturadas na Lei 9610/98. Apesar de ter uma amplitude que vai muito além da arte musical, como nosso interesse principal aqui são as obras musicais, faremos uma breve comentário enfocando os seus aspectos mais relevantes para músicos e artistas de alguma forma ligados a este fenômeno cultural.
Ressaltamos que para efeitos legais, os direitos autorais são tratados como bens móveis (que podem ser transportados em si mesmos ou removidos por algum fator externo). Ademais são protegidas pela lei, de forma expressa, todas as obras intelectuais moldadas como criações do espírito humano, transmitidas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte. A proteção legal independe do tipo de amparo físico da obra , bastando que tenham algum conteúdo material que a transmita ou expresse. A obra pode ser anônima (quando não se indica o nome do autor, por sua vontade ou por ser desconhecido) , pseudônima (quando o autor se oculta por um nome suposto), inédita (que não tenha sido objeto de publicação), póstuma (publicada após a morte do criador da obra), originária (fruto de criação pioneira), derivada (que resulta da transformação de obra originária, constituindo-se porém como uma criação intelectual nova) e coletiva (criada e estruturada com a participação de vários autores que se mesclam de forma autônoma ou interdependente na obtenção de uma criação qualquer).
Podemos dizer que é extenso o espectro de obras protegidas – vão desde conferências até obras de desenho, pintura ou gravura. O importante é que no quesito “música”, a lei é taxativa – todas as composições musicais, tenham ou não letra, são protegidas. Podemos destacar também que as adaptações, traduções e transformações de obras originais, desde que constituam uma criação intelectual nova, são tuteladas pela lei.
Há uma clara diferença legal explicitada no texto legislativo, entre autor e intérprete. O primeiro, é a pessoa física criadora de obras intelectuais; o segundo, nada mais é do que aquele que executa, seja cantando declamando ou recitando, obras artísticas. Pode haver no processo de autoria de alguma expressão intelectual artística, a participação, divisível ou indivisível, de dois ou mais autores – opera-se aí a modalidade da co-autoria.
Direitos Morais e Patrimoniais em destaque
Com relação aos direitos específicos, ao autor pertencem os direitos morais e patrimoniais da obra criada, com previsão na Lei. Interessante notar que também os co-autores são protegidos, podendo exercer de comum acordo os seus direitos, desde que não seja estipulado o contrário. A co-autoria é inclusive atribuída àqueles cujo nome, pseudônimo ou sinal indicativo tenha sido utilizado na estruturação de uma obra.
Assim, para o autor de uma obra musical, relacionamos em destaque, como direitos morais seus: - o de reivindicar, a qualquer hora, a autoria que lhe pertence; - de ter seu nome ou qualquer outro sinal indicativo que idealize sendo representado na qualidade de autor, na utilização da obra; - de manter sua obra inédita, alheia a qualquer mecanismo de difusão ou divulgação comercial; - o de assegurar a integridade de sua obra, opondo-se a quaisquer modificações ou atos que de alguma maneira, possam lhe prejudicar; - o de modificar a obra, seja antes ou depois de sua utilização (um direito muito pouco praticado por sinal). Todos estes direitos são inalienáveis (não podem ser transmitidos em sua titularidade ou onerados) e irrenunciáveis (o autor não pode renunciar ou desistir de seu vínculo).
E dentre os direitos patrimoniais, ou seja, concernentes ao patrimônio intelectual do indivíduo, generaliza-se o direito do autor de utilizar, fruir ou dispor da sua obra artística. Além disso, destacamos como garantias jurídicas patrimoniais mais importantes para qualquer músico, a exigência expressa na lei, da dependência de autorização prévia e estrita do autor para a utilização de sua obra em quaisquer modalidades de uso, como reprodução (parcial ou integral), edição, adaptação, quaisquer transformações, inclusão em fonogramas de toda composição ou partes da obra, incluindo arranjos ou passagens musicais incidentais, além de improvisações concretamente expressas. Também depende da autorização de todo artista, a utilização direta e indireta de sua obra artística mediante execução musical, radiofusão sonora ou televisiva, sonorização ambiental(como em academias de ginástica), dentre outras situações. Interessante ressaltar que os direitos patrimoniais do autor têm uma duração de 70 anos a contar de 1º de janeiro do ano seguinte a seu falecimento, sendo transmitido a seus sucessores, dentro da ordem de vocação hereditária.
Não são englobados como direitos patrimoniais, situações como a reprodução diária ou periódica, na imprensa, de uma notícia ou um artigo informativo desde que com a menção do nome do autor e a origem da obra; a utilização das obras musicais em estabelecimentos comerciais, destinada estritamente à finalidade de demonstração à clientela; e a execução musical, quando realizados no recesso familiar, ou para fins exclusivamente didáticos nos estabelecimentos de ensino, desde que não haja, no caso, intenção de lucro.Todos os direitos do autor são protegidos nas suas distintas formas de difusão – publicação, transmissão, retransmissão, distribuição, comunicação ao público e reprodução.
O suporte físico pelo qual se expressa as obras musicais, insere-se na categoria dos fonogramas (que se revelam comumente nos conhecidos compact disc), definidos pela Lei como “ toda fixação de sons de uma execução ou interpretação ou de outros sons, ou ainda de uma representação de sons que não seja uma fixação incluída em uma obra audiovisual”. Ou seja, as obras musicais podem ser fisicamente fixadas, para efeitos de difusão, em aparatos audiovisuais, de radiodifusão e fonogramáticos. Tratando-se de fonograma, cada produtor (a pessoa física ou jurídica a quem cabe a iniciativa e o encargo econômico da fixação inicial da obra no fonograma ou nos sistema audiovisuais) tem que mencionar em cada exemplar da obra o seu título, seu autor, os intérpretes (incluindo pseudônimos), o ano de publicação, além de seu nome ou marca que o identifique.
Uma dúvida comum: como registrar a banda ou uma música?
O registro das obras intelectuais é facultativo; ninguém necessariamente torna-se destinatário dos direitos autorais com a inserção obrigatória de sua obra nos órgãos legalmente enumerados. Ao contrário do que muitos pensam, o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) não é o órgão incumbido do registro de obras musicais ou do nome de bandas. As entidades citadas na legislação, concernente ao campo das obras artístico-musicais, são a Escola Nacional de Música ou o Escritório de Direito Autoral da Fundação Biblioteca Nacional (cujo endereço na rede é http://www.bn.br). No que tange ao nome da banda, o órgão responsável é o INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial – http://www.inpi.gov.br.