Mark E. Smith é o The Fall, o The Fall é Mark E. Smith, e vice-versa. Entendeu?
Smith não pode ser considerado uma pessoa comum. Líder de um grupo totalmente caótico, com seus vocais anasalados, cantando de maneira incompreensível suas letras cheias de cinismo e com movimentos espasmódicos em cima do palco. E Mark nunca gostou muito de estabilidade, já que o número de músicos que passaram pelo The Fall é enorme. Na verdade, pode-se considerar o grupo de apenas um integrante, mais convidados. E o mais impressionante de tudo isso é que ele produz de uma maneira avassaladora, compulsiva.
Mark é uma dessas lendas que você pouco ouviu falar ou mesmo ouviu suas músicas. Mas, para surpresa de muitos, ele já esteve no Brasil, no final da década de 80. Tudo por causa do disco The Frenz Experiment, o segundo lançamento do grupo por aqui e que continha o sucesso “Victoria”, uma regravação do clássico dos Kinks, uma das maiores referências de Mark. E muitos ainda vêem o Fall como um filho bastardo do Velvet Underground pelo extremo caos de suas melodias. Mas o Fall acabou sendo mais do que um simples casamento (e que já seria por demais de bizarro) das duas bandas. E Mark é muito mais do que um filho bastardo de Ray e Lou…
Quando o movimento punk explodiu na Inglaterra, Mark era apenas um jovem que trabalhava nas docas de Manchester e que havia tentado, sem sucesso, entrar em uma das bandas de heavy metal locais. Mark odiava o estilo e preferia os sons mais experimentais do Velvet Underground e do grupo alemão Can. Resolveu então sair à caça de algumas pessoas para formar um grupo e ver o que podia conseguir. Foi assim que conheceu o guitarrista Martin Bramah, o baixista Tony Friel, o tecladista Una Baines e o baterista Dave, que ficou poucos dias e foi substituído por Karl Burns. Nascia assim o The Fall, nome tirado de uma novela do escritor franco-argelino Albert Camus.
Em junho de 1978 se apresentam no Peel Sessions de John Peel, na BBC, já com a formação bastante modificada. Peel acabaria sendo um dos maiores fãs do grupo e considerado quase um membro da banda, tamanha a amizade e o apoio que daria a eles. Em agosto o grupo lança o primeiro EP pelo selo Step Forward, Bingo Master’s Break-Out!. O Fall havia assinado anteriormente com o selo New Hormones criado pelos integrantes e conterrâneos do Buzzcocks, mas o disco acabou sendo engavetado e só conseguiu lançaram o EP após assinarem com a Step Forward, de Miles Copeland, que ficaria famoso como irmão de Stewart Copeland, baterista do The Police.
Preocupado em criar uma banda mais coesa e menos precária em termos musicais, Mark começaria uma verdadeira mutação nos integrantes, fixando Marc Riley (guitarra, baixo e teclado) e Yvonne Pawlett (teclados) no grupo. Assim, lançam um segundo compacto, It’s The New Thing. Em dezembro fazem uma nova aparição no programa de John Peel.
Em 1979 lançam, no mês de janeiro, o primeiro LP, Live At The Witch Trials, ainda pela Step Forward. Já nessa época o grupo promove vários shows pelo país, tocando em pequenos clubes e em qualquer buraco em que fossem aceitos.
Contribuiu, e muito, para o crescente número de fãs, a ajuda de John Peel, que começou a colocar as músicas do grupo em sua programação normal. Mark começava a atrair um culto imenso, com sua maneira maníaca no palco e sua postura agressiva. Sobre Peel, Mark afirmaria, de forma irônica, que John apenas se tinha tornado um obcecado pelo grupo e que tinha a mania de tocar as músicas no ar, sem parar. “É um cara legal, mas um pouco esquisito”, diria Mark em uma entrevista para o próprio Peel, anos depois.
Em junho lançam outro compacto, Rowche Rumble e em outubro sai o segundo disco do grupo, Dragnet, dois meses antes da primeira excursão do The Fall aos Estados Unidos. Ao longo dos anos, Mark estabeleceria uma relação dúbia em relação à América. “Eu gosto do estilo de vida dos Estados Unidos, mas isso não quer dizer que eu vá comer cinco hambúrgueres por dia.”
Além dos novos integrantes, o The Fall também muda de casa, deixando a Step Forward e indo para a Rough Trade. Na década de 90, a Step passaria a se chamar I.R.S. e contrataria o R.E.M. e relançaria os dois primeiros discos do The Fall em CD.
Totale’s Turn (It’s Now Or Never) é o terceiro disco, o primeiro pela nova casa, em 1980. A banda segue tocando por todo país e fazem o primeiro show na Holanda, em junho e em agosto aportam novamente no programa de John “Obcecado” Peel. Em novembro lançam um novo disco Grotesque. O som do grupo evolui para um caos planejado, com Mark alternando-se entre vocais, violinos e edição de fitas, alterando os tons e freqüências de sua voz, deixando-a mais incompreensível, modorrenta e ininteligível. Uma das melhores canções desse disco é irônica “How I wrote ‘Elastic Man’”. As letras de Mark costumam ser quilométricas, cheias de gírias e referências difíceis de serem traduzidas e compreendidas.
O ano de 1981 é novamente dividido entre shows e estúdio. Apresentações pela Alemanha, Islândia, Holanda, Reino Unido e os Estados Unidos acabam sendo uma constante. Lançam em abril, o disco Slates e tocam mais duas vezes no Peel Sessions. O ano seguinte é um ano importante para o grupo já que lançam o aclamado Hex Introduction Hour, lançado pela pequena Kamera Records, já que o grupo havia brigado com a Rough Trade. E também se apresentam, pela primeira vez na Austrália, Nova Zelândia, Grécia e Bélgica.
Em 1983, durante um show em Chicago, Mark conhece Laura Elise Smith, que acabaria virando sua esposa e adotaria o nome Brix Smith. A paixão instantânea fez com que se casassem no dia 19 de julho do mesmo ano e Brix faria parte do grupo entre setembro de 1983 a julho de 1989 e agosto de 1994 a outubro de 1996. Com ela, o grupo entraria em sua fase mais produtiva e mais elogiada e Brix contribuiu muito para dar uma direção mais acessível e pop ao grupo. O primeiro trabalho do casal é o disco Perverted By Language. O disco contém um dos maiores clássicos do grupo, a cáustica e perturbadora canção “Garden”.
Em 1984 assinam com a gravadora Beggars Banquet, que havia sido o selo do Bauhaus e por eles lançaram excelentes discos até 1989.
O primeiro deles é The Wonderful And Frightening World Of…The Fall, onde se percebe uma busca por melodias mais redondas. Nesse ano, Mark faz uma inusitada parceria com o coreógrafo Michael Clark, que acabaria resultando no disco I Am Kurious Oranj, lançado em 1988. Mas antes desse trabalho que mereceu inúmeros elogios, o Fall lançou discos simultaneamente por outros selos. Em 1985 saiu pela Banquet o disco This Nation’s Saving Grace e pela Situation Two, o LP Hip Priest And Kamerads.
Aos poucos, Mark foi permitindo que Brix participasse mais das composições e principalmente das letras. Em 1986, o grupo surpreendeu os fãs por não lançar nada nos primeiros seis meses do ano, mas em julho, o grupo vai – novamente – ao programa de John Peel promover o novo single, “Living Too Late”.
Dois meses depois seria a vez de Mr. Pharmacist e em outubro um novo disco, Bend Sinister.
Bend Sinister é uma obra-prima do grupo, a mistura perfeita entre a cacofonia e o pop, na medida exata e ainda rendeu um dos grandes clássicos do grupo, “Mr. Pharmacist”, uma sátira aos famosos farmacêuticos que sempre possuem a cura que a pessoa necessita, uma espécie de “Dr. Robert” dos anos 80. Essa foi a primeira canção do grupo a entrar entre as 40 mais da paradas de sucesso. Vale dizer que esse foi o primeiro disco do Fall a sair no Brasil, no ano seguinte.
No ano seguinte, o grupo conseguiu outra canção entre as 40 mais com “Hit The North”, em outubro, uma canção que mais parecia um single do New Order.
Em dezembro é lançado um novo título, Palace of Swords Reversed, um disco pirata que se tornou oficial e saiu pela gravadora Cog Sinister.
Em fevereiro de 1988 lançam o que pode ser considerada a grande obra-prima pop da banda, The Frenz Experiment. O disco trazia, além de “Hit The North” (na versão americana e alemã), uma cover de “Victoria”, dos Kinks, que se tornou o maior sucesso da carreira do grupo, disparado.
Esse disco também saiu por aqui, sendo a cópia brasileira semelhante à americana. Após o lançamento de I Am Curious Oranj, o Fall encerra o ano de 1988, que foi excelente tanto comercialmente como em produção.
Em 1989, o grupo esteve tocando no Brasil e Mark mostrando sua postura avessa a entrevistas disse que a banda não iria tocar “Victoria” que era o cartão de visitas da banda por aqui. Apesar de reiterar várias vezes que a cover do Kinks não seria executada, ela foi. E se 1988 foi um ano ótimo para o grupo, 1989 ficou marcado pela saída de Brix, após lançarem o disco Seminal Live e pela saída da Beggars Banquet.
O final do casamento foi o fator determinante para a saída da musa do grupo. O final da relação deixou profundas marcas em Mark, que desceu a lenha na ex-companheira na canção “Sing! Harpy”, no disco Extricate. Esse, aliás, deve ter sido o principal motivo para a má vontade de Mark com o público brasileiro, já que o show, realizado em abril, acontecia quando o casamento já estava praticamente encerrado.
Extricate é o primeiro disco após o final do acordo com a gravadora e a partir daí a banda soltaria discos por vários selos.
Em dezembro, a Beggars resolve ganhar mais algum trocado em cima do grupo e lança duas coletâneas simultâneas 458489 A Sides e 458489 B Sides. Os títulos, apesar de parecerem complicados, são simples de serem entendidos: 45 é a rotação de compactos, geralmente de 12 polegadas. 8489 seriam os anos em que estiveram na gravadora. A Sides seriam os lados A dos compactos, as músicas de trabalhos e B Sides, as canções que ficam no lado B dos mesmos. O de Lado A foi lançado no Brasil, em CD, no final da década de 90.
Na década de 90, o grupo continuou lançado discos e em agosto de 1994 foram surpreendidos com a volta de Brix. Ela conta que sentia muita falta de Mark para compor novas músicas. “Mark é um cara brilhante. Um dia eu liguei para ele e disse que se ele quisesse, eu poderia voltar para tocar e escrever algo em conjunto. Ele me disse ok e não nos falamos mais, e quatro horas depois me telefonou dizendo que não acreditava que eu havia feito isso porque ele havia pensado em me chamar, já que sentia falta de mim, da minha guitarra. E assim voltei.”
Brix conta que nos primeiros shows teve enorme dificuldade com novas e antigas composições e alguns fãs sacavam de seus bolsos notações e davam a ela, para que não se sentisse tão perdida com as novas composições. “Eles foram muito amáveis comigo, como sempre, aliás.” Mas Brix não ficou muito tempo, pois saiu em 1996, mas desta vez, em termos amigáveis.
Mesmo sem Brix, Mark continuou reformando o grupo e lançando dezenas e dezenas de títulos, e alguns com qualidade técnica duvidosa, especialmente alguns títulos ao vivo. Ele chegou a fazer uma ponta no filme 24 Hour Party People filme que conta a história da gravadora Factory e do Joy Division.
Mesmo estando com apenas 47 anos (nasceu em 1957), Mark parece ter sentido muito o peso dos anos, como mostra essa foto tirada em um concerto meses atrás, sem, no entanto, darem mostras de que irão parar de gravar e tocar tão cedo, já que o Fall é uma instituição inglesa tão forte e influente.
Discografia
Bingo-Master’s Break-Out! / Psycho Mafia / Repetition (single, 1978)
It’s The New Thing / Various Times (single, 1978)
Live At The Witch Trail (1979)
Rowche Rumble / In My Area (single, 1979)
Dragnet (1979)
Totale’s Turns (It’s Now Or Never) (1980)
Grotesque (1980)
Slates (1981)
77 – Early Years – 79 (1981)
Live In London 1980 (1982)
Hex Enduction Hour (1982)
A Part Of America Therein, 1981 (1982)
Room To Live (Undilutable Slang Truth!) (1982)
Perverted By Language (1983)
In A Hole (1983)
The Wonderful And Frightening World Of… The Fall (1984)
Hip Priest And Kamerads (1984)
This Nation’s Saving Grace (1985)
Nord-West Gas (1986)
Bend Sinister (1986)
Palace Of Swords Reversed (1987)
The Frenz Experiment (1988)
I Am Kurious Oranj (1988)
Box One (caixa de 4 CDs, 1988)
Seminal Live (1989)
Box Two (caixa de 4 CD, 1989)
Extricate (1990)
458489 A Sides (1990)
458489 B Sides (1990)
Shift-Work (1991)
Code: Selfish (1992)
The Collection (1993)
The Infotainment Scan (1993)
BBC Radio1 Live In Concert (1993)
Middle Class Revolt (1994)
Cerebral Caustic (1995)
The Twenty Seven Points (1995)
The Legendary Chaos Tape (1996)
Sinister Waltz (1996)
Fiend With A Violin (1996)
Oswald Defence Lawyer (1996)
The Light User Syndrome (1996)
In The City… (1997)
Archive Series (1997)
The Other Side Of The Fall (CD triplo, 1997)
The Less You Look, The More You Find (1997)
15 Ways To Leave Your Man, Live (1997)
Levitate (1997)
Oxymoron (1997)
Cheetham Hill (1997)
Smile…It’s The Best Of (1997)
Live To Air In Melbourne 1982 (1998)
Northern Attitude (1998)
The Post Nearly Man (1998)
Live Various Years (CD duplo, 1998)
Nottingham 92 (1998)
Peel Sessions (1999)
The Marshall Suite (1999)
Live 1977 (2000)
A Past Gone Mad (2000)
I Am As Pure As Orange (2000)
Psykick Dance Hall (2000)
Live In Cambridge 1988 (2000)
The Unutterable (2000)
Austurbaejarbio (Live In Reykjavik 1983) (2001)
Backdrop (2001)
A World Bewitched (CD duplo, 2001)
Liverpoll 78 (2001)
Live In Zagreb (2001)
Are You Are Missing Winner (2001)
2G+2 (2002)
Totally Wired - The Rough Trade Anthology (CD duplo, 2002)
Pander! Panda! Panzer! (2002)
High Tension LIne (2002)
Listening In (2002)
Early Singles (2002)
It’s New Thing! The Step Forward Years (2003)
Time Enough At Last (2003)
Words Of Expectation - BBC Sessions (CD duplo, 2003)
Touch Sensitive… Bootleg Box Set (Caixa com 5 CDs, 2003)
The Idiot Joy Show (2003)
Live At The Phoenix Festival (2003)
The War Against Intelligence - The Fontana Years (2003)
The Real New Fall LP Formerly ‘Country On The Click’ (2003)
Rebellious Jukebox (CD duplo + DVD, 2003)
50,000 Fall Fans Can’t Be Wrong - 39 Golden Greats (CD duplo, 2004)
Interim (2004)