Em 1981, logo após o retorno da Europa e da turnê inglesa com o Diamond Head, Lars acompanhou todos os shows de Metal e Rock que podia na Costa Oeste dos EUA e durante uma apresentação do Michael Schenker Group no Country Club de Costa Mesa, ele vestia uma camiseta do Saxon quando um headbanger chegou e perguntou curioso se ele realmente gostava da NWOBHM ou era apenas um modista de plantão. Lars deu uma aula de conhecimento sobre a cena inglesa e os dois conversaram bastante naquela noite sobre tudo o que acontecia. O banger em questão se chama Brian Slagel e é uma peça importante na história do Metallica para os próximos anos.
Slagel, na época, trabalhava em um fanzine chamado The New Heavy Metal Review e começou a planejar o lançamento de sua própria gravadora (que viraria a famosa Metal Blade) com uma compilação de várias bandas locais, um disco chamado Metal Massacre que pudesse abrir as portas para uma cena começando a surgir na Califórnia no começo dos anos 80. Lars viu nesse disco a grande chance de sua vida e encheu o saco de Brian para que ele reservasse uma faixa da coletânea para sua banda que nem existia ainda. Slagel meio na brincadeira mas contente com a empolgação do amigo, concordou, afinal parecia impossível aquele jovem dinamarquês trazer alguma coisa em tão pouco tempo (o lançamento do disco seria em questão de meses), começando do zero.
Sem perder um minuto, Lars se lembrou daquele jovem garoto cheio de espinhas e sonhos que conhecera alguns meses antes, o tal James Hetfield, e entrou em contato em 28 de Outubro de 1981 com uma oferta irrecusável, afinal, eles teriam finalmente um espaço para a divulgação do trabalho, que para falar a verdade sequer tinha começado. James aceitou montar a banda e gravar alguma coisa para o Metal Massacre mas torcia muito para que durante o último ano, Lars – o tenista, tivesse treinado bastante seus dons na bateria.
Sem dinheiro para grandes investimentos, os dois decidiram gravar uma música simples chamada Hit The Lights (baseada em um riff composto por James e claramente influenciada pela letra de Shoot Out The Lights do Diamond Head) em um gravador barato no porão da casa dos Ulrich. Lars ficou na bateria, James fez os vocais, tocou baixo e a guitarra base, enquanto seu amigo, Lloyd Grant – um guitarrista negro com influências mais voltadas ao Blues - fez os solos. A idéia inicial por sugestão de Brian, era apenas James tocar as duas guitarras fazendo um overdub (ou seja colocando o som de uma guitarra por cima da outra e enriquecendo a base durante os solos) mas os primeiros experimentos não deram muito certo e James chamou Lloyd por este ser um guitarrista mais voltado às improvisações.
Brian aprovou a gravação e até se surpreendeu com o potencial dos músicos mas uma grande dúvida pairou no ar quando ele pediu o nome da banda para colocar no disco. Uma coisa tão óbvia e ao mesmo tempo tão esquecida por James e Lars: afinal, qual era o nome da banda?
Antes de chegar ao nome definitivo, os integrantes pensaram em Thunderfuck (cortesia de um amigo de Lars chamado Tony Taylor), Helldriver (baseado na música do Accept), Leather Charm (ressuscitando o nome da antiga banda de Hetfield), Red Veg, Blitz, Steeler e Grinder (os dois últimos, vindos do Judas Priest) mas e o “Metallica”?
O nome “Metallica” como algo relacionado ao Heavy Metal, apareceu pela primeira vez em um livro chamado Encyclopedia Metallica, publicado pela Omni Press em 1981 e escrito pelos jornalistas ingleses Brian Harrigan e Malcolm Dome. O livro era um resumo da primeira década do Metal (1970 até 1980) e trazia uma lista das bandas com seus respectivos discos lançados até o momento.
Mas até o nome chegar à banda de Los Angeles, o caminho foi um pouco mais extenso e através de dois amigos bangers de Lars: Ron Quintana e Ian Kallen. Ambos lançariam um novo fanzine sobre Heavy Metal nas semanas seguintes em Los Angeles e fizeram uma lista de nomes para escolher em uma votação com os colaboradores do projeto. O nome vencedor desta eleição foi “Metallica” (provavelmente tirado do livro), mas Lars adorou a expressão e a força e, sem perder tempo, sugeriu que o nome Metal Mania soaria bem melhor para um fanzine. Quintana e Kallen, sem perceber as segundas intenções na história, concordaram e Lars afanou o nome vencedor para sua banda.
Com o nome e a música gravada, Slegel finalmente soltou o Metal Massacre, primeiramente com apenas 4500 cópias impressas e também contando com as bandas Steeler, Bitch, Malice, Ratt (sim, os próprios reis do Glam), Avatar, Cirith Ungol, Demon Flight e Pandemonium.
A primeira edição do Metal Massacre foi um sucesso e caiu no gosto dos headbangers norte-americanos sedentos por uma cena forte já que até então, os EUA apenas se rendiam ao talento do Heavy Metal europeu, especialmente inglês e alemão. O único problema do disco foi certa falta de cuidado na produção dos encartes pois registraram errado o nome da banda e dos integrantes. Metallica virou Mettallica e Lloyd Grant virou Llyod Grant. Infelizmente, Slagel não teve dinheiro suficiente para corrigir o erro na gráfica e o álbum chegou ao mercado assim mesmo.
Com a boa repercussão do Metal Massacre, o Metallica precisava estabilizar uma formação e fazer o máximo de shows para divulgar o seu material. Lars Ulrich continuou na bateria, James Hetfield, apesar de alguns dilemas particulares em não conseguir cantar e tocar ao mesmo tempo, seguiu como vocalista e guitarrista base; Para o posto de baixista, James chamou seu colega de quarto e velho amigo, Ron McGovney e para a guitarra solo, bom, nem James e nem Lars estavam satisfeitos com o trabalho de Lloyd Grant, mais voltado ao Blues de raiz e ele foi demitido em Janeiro de 1982. A idéia inicial era ter James apenas como vocalista e Lloyd faria dupla com outro guitarrista nos shows (estilo Iron Maiden), mas Grant saiu, James voltou às guitarras e, para complementar, a banda colocou um anúncio novamente noRecycler em busca de outro guitarrista. Vários candidatos se apresentaram mas um em questão chamou a atenção pela sua técnica e vontade, um cara chamado David Scott Mustaine. Aliás, Hetfield e Mustaine já se conheciam dos bares em LA.
Nascido em 13 de Setembro de 1961, Dave era uma figura conhecida da cena californiana pela sua habilidade nas 6 cordas mas também era bem lembrado pelas suas bebedeiras e exageros, isso sem contar do bico como traficante de drogas. No começo de 1982, Mustaine era guitarrista da banda Panicmas saiu assim que soube do novo emprego no Metallica.
O novo quarteto gravou uma demo (raríssima de encontrar hoje em dia) chamada Power Metal com uma nova versão de Hit the Lights e os covers de Let it Loose do Savage e Killing Time doSweet Savage. Essa nova Hit The Lights é a que aparece atualmente nas reimpressões em CD do primeiro Metal Massacre. A versão original, um pouco mais lenta e menos trabalhada, você só encontra nas cópias originais impressas em vinil nos anos 80 mesmo.
O primeiro show oficial aconteceu em 14 de Março de 1982 no pequeno Radio City, em Anaheim para mais ou menos 75 pessoas. O set desta apresentação foi basicamente composto de covers do Diamond Head e outras bandas da NWOBHM mais a própria Hit the Lights. Os primeiros shows do Metallica destacavam o nervosismo dos integrantes da banda e a falta de experiência nos palcos com Mustaine estourando as cordas da guitarra com certa freqüência, Lars errando o ritmo na bateria e James esquecendo algumas de suas próprias letras.
O Metallica compensava o nervosismo e a ansiedade com muitos ensaios e boas composições novas. Mais uma vez, Brian Slagel confiou no potencial e deu uma força à banda: ainda em 1982, o Saxon, já uma banda conhecida, faria sua turnê de divulgação do álbum Denim and Leather nos EUA e tocariam 4 shows em um bar chamado Whiskey A-Go-Go, dois sets por noite. Slagel, já mais conhecido e respeitado na cena Metal da Costa Oeste pelo seu Metal Massacre (que depois virou uma série de discos), conseguiu para oMetallica a abertura dos dois shows no dia 27 de Março.
Na verdade essa história também tem uma segunda versão que nos conta sobre a amizade entre Ron McGovney e alguns integrantes do, então desconhecido, Mötley Crüe, mais precisamente Tommy Lee e Vince Neil. Por incrível que pareça, na época o Mötley ainda era uma banda de Metal e Ron, um dia conversando com os dois, comentou que o Saxon viria para Los Angeles e que eles estavam interessados em abrir esse shows. Lee e Neil comentaram que também gostariam de abrir mas que a banda estava crescendo demais, mas de qualquer forma eles conheciam a garota do Whiskey A-Go-Go responsável pelo agendamento dos shows, e dariam uma forcinha apresentando Ron. Com a popularidade do Crüe em alta, Ron agradeceu a ajuda e conseguiu mostrar a demo Power Metal. No dia seguinte, ligaram para o baixista e elogiaram muito o som do Metallica: eles conseguiram a disputada vaga para a abertura dos shows.
Era a primeira grande oportunidade ao vivo e foi a primeira vez em que a banda tocou algumas músicas que logo se transformariam em verdadeiros clássicos do Heavy Metal como Metal Militia e Jump in the Fire.
Brian Russ, hoje um senhor de 42 anos e criador do siteBNR Metal Pages (http://www.bnrmetal.com), tem algumas memórias desta época da banda: “Em 1982, eu vivia no norte da Califórnia e o Saxon estava em turnê e tocaria em Los Angeles (mais ou menos a 6 horas de carro). Meu amigo estava louco para ir e queria que eu fosse com ele. Eu disse que não (provavelmente porque tinha de trabalhar, não lembro agora), e ele foi com seu irmão assistir ao show. Quando perguntei como tinha sido, ele disse que o Saxon foi legal mas achava que eu iria me interessar pela banda de abertura, que era oMetallica. Ele falou sobre o excelente guitarrista (Dave Mustaine – claro que nós não sabíamos os nomes até então), o “não tão bom” vocalista (James Hetfield - cuja voz ainda não era desenvolvida), e deve ter dito alguma coisa sobre o baixista (Ron McGovney). Se esse não foi o primeiro show do Metallica, foi um dos primeiros, talvez a primeira vez que eles abriram para uma banda grande como o Saxon. Eu ainda me arrependo de não ter ido àquele show.”
O setlist da primeira apresentação contou com Hit the Lights, Jump in the Fire, Helpless, Let it Loose, The Prince e Metal Militia. A segunda apresentação da noite contou com uma música a mais, o cover Sucking My Love. O detalhe destes dois shows, o primeiro com os 400 ingressos esgotados e o segundo com um público de 250 pessoas, é que Ulrich e Cia. não conheceram os integrantes do Saxon, trancados no camarim até a hora de subir ao palco, talvez algum estrelismo por parte dos ingleses?
A banda ainda não estava afiada, como lembra Slagel até hoje, mas em alguns meses uma fita pirata com a gravação destes shows se tornou a verdadeira coqueluche no circuito de troca de fitas cassete.
O começo era promissor e a banda aproveitou para tocar no maior número possível de bares em Los Angeles. Para consolidar o momento, Lars guardou uma grana e fez alguns milhares de cartões de visita já com o famoso logo desenhado por Hetfield (o
Metallica com o “M” e o último “A” pontudos) e os dizeres “Power Metal” (idéia de Ron) embaixo junto com o número de telefone para contatos da banda.
O set dessas primeiras apresentações contava com as mesmas músicas do show do Saxon mais várias covers do Diamond Head e a música Blitzkrieg da banda inglesa de mesmo nome. Sobre esta última, como ninguém conhecia os ingleses e todos adoravam a composição, Lars dizia que era do Metallica mesmo.
O fanatismo de Lars Ulrich pelas bandas da NWOBHM gerou situações curiosas nesses primeiros shows já que muitos covers apresentados no palco ainda não tinham uma versão oficial de estúdio pelos seus grupos originais. A confusão acontecia porque Lars puxava muito material de fitas demo, singles e EPs, às vezes até mesmo caseiros das bandas ou disponíveis apenas no circuito de troca de fitas, sem uma gravação oficial. A música Let it Loose do Savage, por exemplo, só apareceu pela primeira vez em disco em 1983 quando a banda lançou o Loose ´n´ Lethal mas o Metallica já tocava o cover em shows desde meados de 1982. A já citada Blitzkrieg só apareceu oficialmente pela banda de mesmo nome em 1985 mas o Metallicatambém a tocava desde 1982 e pior, os californianos lançaram uma gravação oficial da música primeiro, em 1984 juntamente com o single de Creeping Death, o famoso Garage Days Revisited (não confundir com o álbum completo de covers lançado em 1987 chamado Garage Days Re-revisited).
Esse fato gera algumas contradições com o caso Napster envolvendo a banda quase duas décadas depois. Será que as fitas que Lars trocava com seus amigos na época também não podem ser consideradas
pirataria?
O pior caso, com certeza, aconteceu com Killing Time. Essa era outra cover que o Metallica tocava nos shows desde 1982 mas a versão oficial pelo Sweet Savage, só deu as caras em...1996 (não é brincadeira!).
O sucesso nos bares do underground chamou a atenção da imprensa local. O Los Angeles Times escreveu ainda em 1982 que o Metallica era a melhor coisa surgida no Rock em um longo período.
Apesar desta ponta do iceberg, a banda ainda não agradava a todos com seu som inovador, rápido e cru. Em um show no antigo colégio americano de Lars, o Backbay High School, o Metallica conseguiu esvaziar o salão onde tocavam em pouco mais de meia hora.
Em compensação, uma outra noite a banda foi convidada para abrir o show dos suíços doKrokus, de passagem por Los Angeles. Na última hora, o Krokus desistiu da apresentação sabe-se lá por quê e oMetallica teve de lidar com uma platéia enfurecida pela falta de respeito dos europeus. Mas James, Lars, Dave e Ron não se abateram e fizeram um show mágico em um setlist com várias músicas, então inéditas, e alguns covers. A platéia não acreditava no que via em cima do palco e a recepção foi tão boa que esta noite ficou conhecida como “A Noite do Metallica”, a primeira vez em que a banda realmente superou todas as expectativas e conquistou seus primeiros fãs.
Referências Bibliográficas:
BNR – Metal Pages. http://www.bnrmetal.com
Encyclopedia
Metallica. http://www.encycmet.com
Metallica Official. http://www.metallica.com
PUTTERFORD, MARK.
Metallica In Their Own Words. UK: Omnibus Press, 2000
RUSSELL, XAVIER. The Definitive
Metallica. UK: Omnibus Press, 1992
McIVER, JOEL. Justice for All: The Truth About
Metallica. USA: Omnibus Press, 200
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