Por Leandro Freitas
Tempos atrás, a maioria deve lembrar, houve certo rebuliço provocado por uma matéria publicada na revista Veja, de autoria do senhor Sérgio Martins, sobre a morte de Dimebag Darrel. Na mesma época houve alguns comentários tão infelizes e inoportunos quanto, proferidos pelo ilustríssimo Arnaldo Jabour.
Mais recentemente, as opiniões de outro senhor, Régis Tadeu, acerca da banda Manowar e seus “fãs acéfalos” causaram outro mal estar.
Agora a “bola da vez” se trata de André Forastieri, com sua matéria (in)oportunamente publicada dois dias após a morte de Ronnie James Dio. Uma morte dolorosa e sofrida de um senhor de 67 anos que vinha travando uma batalha contra o câncer, por si só, já exige o mínimo de respeito. Quando se fala então de um ídolo de milhões, um ícone, um pioneiro, necessário se faz mais que mero respeito: deve-se ter consideração e muita cautela.
Não posso deixar de citar o link onde você encontra o polêmico texto de Forastieri e a bela resposta de Rob Gordon.
http://whiplash.net/materias/news_863/108090-dio.html
Como se não bastasse, já nos deparamos com “borrachas” do tipo: Lamb of God classificada como banda gospel, Janick Gers e Nicko McBrain citados como membros do Metallica, uma matéria cobrindo a morte de Dio utilizando as imagens de Ozzy Osbourne e tantas outras gafes cometidas por pura e simples incompetência e descuido.
Qualquer leigo sabe o óbvio, o básico. Não se fala do que não se entende e, se for necessário falar, a pessoa deve informar-se antes. Eu não falo de turbina de avião, nem de jazz. Se tiver que falar um dia, pesquisarei antes. Simples, não?
Passada a fase da indignação, iniciou-se uma etapa de questionamento dentro da minha cabeça. Muitos porquês, no fim, convergiram em pontos correlatos: descaso, desleixo e desrespeito com a música pesada.
Liberdade de imprensa, liberdade de pensamento, liberdade de expressão... às vezes mais me parecem super-poderes do que garantias. Imunidades, áuras intransponíveis, blindagens invisíveis. Chega a ser uma analogia cômica, mas a situação me lembra muito o clássico desenho da Disney no qual o personagem Pateta é o “Senhor Andante”, ser calmo e pacífico, mas que dentro do carro se transformava no “Senhor Volante” que, tomado por uma “inabalável sensação de poder”, irresponsavelmente e sem medir conseqüências, fazia o que bem entendia ignorando qualquer ponderação ética.
A posição de jornalista, colunista, editor, blogueiro ou o qualquer coisa que o valha, em muito se parece com o que o volante representa para o Pateta no desenho. O jornalista negligente também passa por cima de tudo que acha irrelevante no momento que está redigindo seu texto. Até mesmo da ética e do bom senso. Até mesmo da responsabilidade e do profissionalismo. Quanto mais, então, do respeito.
Nós, amantes da música pesada em todos os seus subgêneros, já estamos meio que acostumados à exclusão, ao descaso, ao deboche. Somos ridicularizados. Somos taxados como infantis, acéfalos, deslocados, “zé ruelas”. Estereotipados, somos cabeludos e feios que vivem de preto, vagabundos que adoram o Demônio e um estilo musical cuja morte já foi decretada umas mil vezes desde o início da década de 90. Todos partidários do “sexo, drogas e rock and roll”, não nos encaixamos nos padrões da sociedade e da mídia. Não somos de fácil assimilação nem visualmente, nem liricamente, nem musicalmente. As letras são em inglês, os temas são contestadores, nada bonitinhos e, não raro, desconfortantes. Não somos parecidos com o galã da novela e ignoramos a moda. O ritmo é intrincado, furioso, ora muito rápido, ora muito soturno e às vezes deveras psicodélico. No fim das contas: nossa imagem não vende nem consumimos o que foi enlatado para as massas. Logo, não damos lucro.
Na década de 80 fomos relevantes, nossa imagem vendia. As bandas vendiam muitos discos. Os clipes de Heavy Metal passavam à exaustão na MTV. Até clipe do nosso querido Dio chegou a estrear no Fantástico (imaginam Cid Moreira apresentando um clipe do Dio?). Usaram nossa imagem até um dia decretarem que éramos ridículos, acéfalos, infantis e “zé ruelas”. Fomos banidos do mundo pop, do qual não fazíamos questão nenhuma de permanecer e nos inseriram sem que tivéssemos pedido pra entrar.
Até aí tudo bem. Não queremos dar lucro a ninguém. Sobrevivemos há décadas sem a mídia convencional, então não é agora que vamos precisar.
Assim, esse descaso conosco somado à tal sensação de poder explica o desleixo e a inconseqüência do jornalista ao tratar do tema. Não há pesquisa, não há apuração de fatos, não há imparcialidade, não há temor algum. Chutam o cachorro que eles consideram morto.
Apenas como exemplo da medida das coisas, me espanta - na verdade não me espanta nem um pouco - o fato de que nunca vi nenhum Martins, Jabour, Tadeu ou Forastieri ridicularizar o sertanejo piegas de Leandro e João Paulo ou as taras e outras loucuras de Michael Jackson quando estes faleceram. Seus fãs merecem respeito. Nós, não. Se falece a mãe de Chico ou Roberto, todos se curvam. Se falece Dimebag Darrel ou Ronnie James Dio, estes são expostos ao ridículo, criticados sem dó e o direito à liberdade de expressão é esfregado em nossa cara ao reclamarmos do “Senhor Volante” que assume a direção, fazendo o que bem entende.
É duro, é triste. Farei uma pontuação mais pessoal. Ao saber da morte de Dio, eu, pela primeira vez na vida, chorei por alguém que nunca conheci. Talvez pelo fato de meu avô também ter lutado contra o câncer, eu tenha ficado mais sensível ao fato. Soma-se a isso o que Dio representa pra mim. Um exemplo, como artista e como pessoa. Desde moleque, ouvindo seus discos ou assistindo suas performances, pensava: que voz! Controle total, presença de palco absurda, confiança absoluta. O timbre mais bonito que escutei. Potentes gritos de raiva cheios de técnica, intercalados com melodias calmas e profundas cheias de sentimento. Também, via suas entrevistas e pensava: é um “gentleman” (cavalheiro). Que classe! A fineza, a tranqüilidade, a serenidade. Sem pompa, sem alarde. Quero ser assim quando crescer!
(Sinto-me obrigado a linkar dois momentos:
Uma das melhores performances de Dio, com direito a uma incrível improvisação: http://www.youtube.com/watch?v=vOyFE-1LAI0 ;
E um exemplo e humildade em uma de suas últimas entrevistas: http://www.youtube.com/watch?v=J8oU904xtUM )
Um fã ao ver seu ídolo ser desrespeitado, na busca por holofote ou por mero desleixo, ainda mais, no linguajar popular, sem sequer “esperarem o corpo esfriar”, é consumido por um sentimento inexplicavelmente desconfortante. Assim, já que a liberdade de expressão é uma via de duas mãos, me vejo diante daquela velha frase feita, batida, mas certeira: “quem fala o que quer, ouve o que não quer”. O jornalista escreve o que bem entende, ofende, recebe uma enxurrada de críticas e prefere seguir o caminho mais fácil: taxar o fã como exagerado, bitolado, passional.
Essa “arte” de um grupo de desinformados, desleixados, preguiçosos, inconsequentes, despreparados e, às vezes até, mal-intencionados, falar do que não sabe pra quem finge que entende, infelizmente persiste. O meio jornalístico está eivado deste mal. Causa indignação, vergonha alheia.
Se o super-poder da liberdade de expressão traz responsabilidade, clamo pelo mínimo: profissionalismo, bom senso, tato. Estou farto do oportunismo, busca por holofote, descaso e desleixo. A imprensa tem que parar de achar que o “metaleiro” não merece respeito. Somos vários, somos muitos. Somos estudantes, médicos e auxiliares. Somos músicos, trocadores de ônibus e juízes. Vendedores, office-boys e governadores. Filhos, pais e avós.
A música pesada não precisa da mídia e a recíproca é mais que verdadeira. Mas a ética, o cuidado, a imparcialidade e o respeito nunca deveriam ser deixados de lado. A tentação pela notoriedade não deveria sobrepor-se ao trabalho bem feito, mas, infelizmente, ocorre e com certa frequência. No mais, nunca, nunca se esqueçam da velha máxima: o direito de um termina onde começa o do outro. É premissa básica da convivência pacífica e do respeito mútuo.