Em 14 anos de intermitente produção, Jack White e Meg White (confessa-se: mais o primeiro que a segunda) consolidaram mais de meia dúzia de registros oficiais. Destes, muitos precisam ser destacados e, por conta disso, é que não nos deteremos na qualidade de cada disco e etc. Vamos propor uma reflexão sobre os pontos mais curiosos e cativantes acerca da consolidação do trabalho da banda. Como diria o poeta bêbado Bukowski: "here we go".
Quem sabe, por apego à arte ou a qualquer coisa pura do gênero, o que Jack White propôs, desde os primeiros passos, foi algo próximo do que a arquitetura desconstrutivista propunha ao fim dos anos 80: modular, em síntese, a partir de uma construção não linear, a manipulação das ideias mais "superficiais" e palpáveis ao público. Desde o primeiro passo, Jack buscou no anverso (parte frontal de qualquer objeto com duas faces) demonstrar, de certo modo, como a arte se estrutura de modo "não-linear", crua e sem uma razão óbvia. Talvez, por conta disso, o álbum homônimo de estreia dos White Stripes tenha soado menos competente do que realmente é. Em certa medida, ainda que com velada desconfiança, o mesmo tenha ocorrido com os dois trabalhos seguintes da banda: "De Stijl" e "White Blood Cells". Mas, mesmo que sob perspectiva pessimista, há que se contextualizar ambos os trabalhos (e ainda aqueles que os sucederam) sob um contexto artístico temporal.
No horizonte do século XXI, pouco se fazia sobre o rock n' roll. Fusões, misturas, regressos: muito do que se construiu pouco se agregou ao "novo" que alguns buscavam. Eis, então, que emerge uma "dupla" que, a partir de perspectivas artísticas, acabou por sublimar todas as justificativas de sua sonoridade: a partir das tríades das cores branco, preto e vermelho e das perspectivas narrativa, melodia e ritmo, os Stripes alicerçaram a desconstrução necessária para um (re)começo, assim como foi quando "Smells Like Teen Spirit" abriu, pela ignorância, os portões do novo que há muito se buscava. Das batidas pueris que principiam a primeira canção do primeiro e homônimo disco dos Stripes - "Jimmy the Exploder" - até a derradeira faixa de "Icky Tump" - curiosamente intitulada de "Cause & Effects" -, este descompromisso proposital é percebido. Para quem quiser ir mais a fundo (e aqui seria prazeroso fazê-lo), basta dar o play no excelente "It Might Get Loud" para ver o Sr. White "construindo" uma "slide guitar" (sim, o termo tecnicamente não existe) e afirmando, em alto e bom som, depois de fazer a música reverberar: "Quem foi que disse que você precisa comprar uma guitarra?"
Muito do que os White Stripes fizeram veio em consequência do fascínio que o Flat Duo Jets, banda oriunda da Carolina do Norte composta por apenas uma guitarra e bateria, exerceu sobre Jack White, principalmente no que diz respeito às interpretações da banda sobre as canções folclóricas do blues americano. Plágio de uma boa ideia? Como ensinou Mick Wall na obra "Quando os Gigantes Caminhavam sobre a Terra", vale advertir: "David Bowie plagiou os Stones em 'Rebel Rebel'; os Stones plagiaram Bo Diddley em 'Not Fade Away'; os Beatles plagiaram Fats Domino em 'Lady Madonna'; e todo mundo plagiou os Beatles em alguma coisa". É assim que a arte nasce: de influência. Quem acha o contrário, que queime todos os discos do Zeppelin, pois muito do que há neles é "influência" de alguma coisa.
Enfim, o que os White Stripes propuseram nesses anos foi um novo meio de encarar, ouvir e consumir o rock n' roll. Duvide dos clichês inerentes a "quem é" Jack ou Meg White: irmãos, amantes, lunáticos... Não importa. Muitos artistas eternos lançaram mão dessa ferramenta marqueteira e o alfabeto da história é repleto de exemplos; e nem por isso tais artistas/bandas foram renegados. O que se tem aqui é arte: atonal, microfônica e objetiva, assim como Beethoven foi para o século XVIII e Kubrick para o século XX, guardadas, claro e por certo, as devidas proporções do bom senso.
Mas o que se atendeu foi a súplica por mudança, e isso os Stripes fizeram com louvor: foi o anverso exposto pelo verso na busca de se evidenciar que, pelo não óbvio, a arte fica mais amarga e prazerosa. Abre-se mão do clichê para reconstruir algo que ainda não fora visto, sentido ou ouvido. A história tem desses caprichos, e por vezes somos agraciados com o testemunho de sua realização. No último dia 5, oficialmente foi encerrado um desses exemplos. Chega, então, o momento de buscar mais uma vez o novo. "O White Stripes agora é de vocês", disse Jack White. Façamos dele, então, o trampolim para o melhor que ainda está por vir.
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