12 de janeiro de 2011

California Jam: 35 anos do festival que reuniu Purple e Sabbath


Transporte-se para meados da década de 1970! O que seria preciso para se fazer um grande festival de música naquela época? Que tal duas bandas da tríade sagrada do hard rock? Acha pouco? Então vamos somar a eles um dos maiores nomes da história do rock progressivo. Ficaria perfeito, não!? Pois bem, esse festival existiu, e foi realizado em Ontário, nos EUA, há 37 anos, reunindo grupos do naipe do BLACK SABBATH, DEEP PURPLE e ELP (EMERSON, LAKE & PALMER).
Poster anunciando as atrações do California Jam
Poster anunciando as atrações do California Jam


Em 6 de abril de 1974, duzentas mil pessoas se aglomeraram no circuito oval Ontario Motor Speedway para assistir algumas das grandes bandas daquele momento. O espaço, normalmente utilizado para corridas da Nascar e da Fórmula Indy, foi utilizado para o festival "California Jam". Idealizado por Sandy Feldman and Lenny Stogel, o evento tinha clara inspiração na onda de festivais de verão de fins dos anos 1960, como o Monterey Pop Festival, o Miami Pop Festival e, até mesmo, o Woodstock.

Porém, diferentemente de seus antecessores, o California Jam possuía um forte teor comercial, ausente nos anteriores que tinham como lema a paz e o amor hippies. É verdade que o movimento hippie naquele momento não era mais tão forte e a onda de festivais tinha esfriado, principalmente após os acidentes ocorridos no Altamont Free Concert. No festival em Altamont, organizado pelos ROLLING STONES, ocorreram diversas confusões, devido à ingerência na segurança do evento de um grupo de motociclistas conhecidos como Hell's Angels. Houve diversos confrontos entre os seguranças e o público, ocasionando uma morte e algumas vítimas feridas.
Com isso, os festivais entraram em descrédito e poucos se aventuraram a organizar eventos de grandes proporções, temendo incidentes semelhantes. Porém, em 1974, os produtores supracitados viram em um evento musical, uma grande possibilidade de alavancar a indústria musical da época. O California Jam foi grandioso e, apesar de ter sido mais curto que seus antecessores, contou com um grande aparato tecnológico, não só para a melhor qualidade de áudio possível, mas também para a transmissão ao vivo para todo o país.
Pela primeira vez, um festival de rock contava com o apoio institucional de uma grande rede de televisão norte-americana, a ABC, e com grandes patrocinadores, como a Goodyear. O evento foi transmitido por diversas emissoras de rádio e, algumas partes, pela televisão. A estrutura do festival foi tão grandiosa que contava, entre outras extravagâncias, com um helicóptero que levava as bandas de Los Angeles ao circuito, além de um dirigível que fazia tomadas áreas, e 54 mil watts de potência de áudio.
O festival seria o segundo grande espetáculo musical a ser transmitido via satélite, ao vivo, para todo os Estados Unidos, somando aos milhares de presentes milhões de telespectadores. Experiência semelhante só havia acontecido em 1973, com a apresentação de ELVIS PRESLEY, mais tarde lançada como o álbum "Aloha From Hawaii".
Visão da Torre de Áudio
Visão da Torre de Áudio

Visão aérea das 200 mil pessoas presentes
Visão aérea das 200 mil pessoas presentes


Um grande palco foi montado na pista de corridas. Nele foi feito um cenário com um gigantesco arco-íris que viraria um símbolo do festival. As imagens das bandas tocando à frente do arco-íris virariam clássicas, graças à grande disseminação de fotos e vídeos do festival. Não é raro encontrar essas imagens em encartes de discos ou vídeos dos grupos que participaram do California Jam.

Seriam doze horas quase ininterruptas do melhor do rock, com o máximo da tecnologia disponível na época. Todo o elenco de bandas tinha boa aceitação do público norte-americano, apesar de algumas delas ainda não serem um sucesso absoluto de público.
Os responsáveis por abrir os trabalhos foram os detroitianos do RARE EARTH, grupo conhecido por misturar o rock característico da cidade do motor com levada swingada influenciada pelo soul e o funk. O grupo havia lançado, no ano anterior, o seu mais bem-sucedido álbum, "Ma", lançado pela Motown (gravadora especializada em música negra, mas que dera espaço para os branquelos de Detroit). O público presente foi ao delírio com o maior clássico da banda, "I Just Want to Celebrate", que ocupou o topo das paradas em 1971.
Em seguida, veio mais um ícone da Motown, o EARTH, WIND AND FIRE. O grupo, liderado por Maurice White, vinha de um estrondoso sucesso após o lançamento de "Head to the Sky", em 1973. A apresentação do grupo no California Jam foi responsável por aumentar ainda mais o alcance da banda, que possuía a simpatia tanto de negros quanto de brancos, por misturar funk, soul e jazz, com alguns componentes de rock.
A primeira banda mais ligada ao rock a se apresentar foram os EAGLES. Apesar de ainda estar distante do estrelato alcançado com "Hotel California", em 1976, o grupo tinha grande aceitação junto ao público local, pois eram de Los Angeles. A levada folk da banda agradava em cheio aos californianos, que acolheram muito bem artistas do gênero, como THE BAND. A transmissão do festival para todo os Estados Unidos ajudou a banda a angariar fãs para além da costa oeste.
Capa de um bootleg da apresentação do Seals and Crofts no California Jam
Capa de um bootleg da apresentação do Seals and Crofts no California Jam

Ozzy e Iommi com o Sabbath no California Jam
Ozzy e Iommi com o Sabbath no California Jam


O sucesso da balada "Summer Breeze", lançada no álbum de mesmo nome, de 1970, levou a dupla Jim Seals e Dash Crofts (que formavam o SEALS AND CROFTS) a serem conhecidos em todo o país. Por isso, eles fizeram parte do California Jam. O estilo soft rock da dupla destoou um pouco do restante do elenco do festival, porém os texanos foram bem recebidos pelo público.

O southern rock (estilo de rock feito por bandas do sul dos EUA, que mistura raízes do country e blues, com a distorção do rock) foi representado no festival pelo BLACK OAK ARKANSAS. O estilo performático e a voz rasgada de Jim "Dandy" Mangrum foi responsável por levantar o platéia que participou ativamente da apresentação. Em "Mutants of the Monster", a introdução do baixo arrastado foi incessantemente acompanhada pelas palmas dos presentes.
O show do BLACK OAK ARKANSAS serviu para esquentar o clima para a apresentação mais pesada do dia, a do BLACK SABBATH. Para muitos a banda encontrava-se no auge, mas a apresentação divide a opinião dos fãs. Tony Iommi e seus companheiros já haviam lançado cinco grandes álbuns, sucessos absolutos de crítica e público e estavam excursionado para a divulgação do excelente "Sabbath Bloody Sabbath", de 1973.
A turnê iniciou-se no mês de lançamento do álbum, dezembro, e o combinado era que ela se estenderia até final de fevereiro. Depois disso, a banda entraria em recesso até meados de maio, tentado amenizar o estresse de cinco turnês consecutivas, que eram sempre emendadas, sem intervalos, nas sessões de gravações de discos. O Sabbath começava a apresentar seus primeiros sinais de estafa e problemas de relacionamento. As férias seriam fundamentais para assentar os ânimos.
O acordo entre os membros do grupo acabaria rompido pelo produtor/empresário Patrick Meehan, conhecido pela ganância e atitudes impositivas. Sem consultar a banda, Meehan assinou um contrato com a produção do festival, que previa uma multa de cem mil dólares, caso o Sabbath não se apresentasse. Assim, Ozzy, Iommi, Butler e Ward foram obrigados a interromper suas férias para se apresentar no California Jam.
Mesmo assim, a banda se apresentou com honestidade e energia, apesar de alguns críticos da época destacarem somente a confusão de alguns arranjos. Esse aspecto é ressaltado no título do bootleg que registrou o show, encontrando no mercado negro com o nome de "Cannabis Confusion". A referência à "erva mardita" parece ser apenas alegórica, já que não há nenhum registro que ligue a apresentação da banda no festival ao consumo de maconha.
A verdade é que o Sabbath fez um barulho ensurdecedor em Ontário e assustou aqueles que não estavam acostumados com a banda no palco. O set apresentou algumas canções já-clássicas como "War Pigs" e "Paranoid", mas foi focado em faixas dos dois álbuns mais recentes da banda, "Vol. 4" e "Sabbath Bloody Sabbath". Em "Supernaut", Tony Iommi fez uma longa e barulhenta introdução, acompanhada pela nervosa bateria de Bill Ward, que encerrou a canção com um nervoso solo.
A voz de OZZY OSBOURNE na apresentação parecia um tanto quanto esganiçada, um pouco mais do que o habitual. Mas o vocalista demonstrou toda a sua presença de palco deixando a platéia bastante entusiasmada. O show do Sabbath foi um dos mais aplaudidos e entrou para os anais da banda. Além disso, a dobradinha com o Black Oak Arkansas seria repetida na retomada da turnê, na Europa, com a banda abrindo os concertos.
Apesar de toda a organização do festival, ocorreu um fato inusitado. A programação dos shows, que normalmente atrasa em eventos desse porte, ficou adiantada em quase uma hora. Isso fez com o Sabbath entrasse no palco às quatro da tarde e finalizasse a sua apresentação ainda com o sol brilhando intensamente (durante a primavera na costa oeste dos EUA, costuma anoitecer entre 6 e 7 horas da tarde). Com isso, a banda subseqüente, o DEEP PURPLE, teria que subir ao palco ainda sob a luz do dia.
Esse motivo foi o suficiente para tirar o excêntrico guitarrista Ritchie Blackmore do sério. Segundo alguns relatos, o músico, conhecido pelos seus hábitos noturnos e as roupas pretas, se trancou em seu quarto e se recusou a se apresentar enquanto o sol não se pusesse. Eram então, por volta de cinco e meia da tarde e todos teriam que esperar no mínimo uma hora para que o ambiente ficasse propício para que o "morcego" saísse da caverna.
Os organizadores do evento e os diretores de TV ficaram possessos e exigiram uma postura profissional da banda. Os mais lúcidos da banda, Ian Paice e Jon Lord, tiveram que intervir e levaram o guitarrista praticamente à força para o palco. As confusões de Blackmore estavam apenas começando.
DEEP PURPLE, em 1974, estava em um radical momento de transformação. Após a saída de Ian Gillan e Roger Glover, com quem a banda havia gravado quatro conceituados álbuns de estúdio, havia uma enorme expectativa para a apresentação da nova formação. Eles foram substituídos pelo baixista/vocalista do TRAPEZE, Glenn Hughes, e pelo vocalista David Coverdale, um inexperiente garoto com apenas 23 anos.
Eles haviam lançado o disco "Burn" menos de dois meses antes do California Jam, mas já vinham se apresentando com a nova formação desde finais de 1973. O show em Ontario fazia parte de uma turnê norte-americana iniciada antes mesmo do festival. O DEEP PURPLE chegou aos Estados Unidos com o status de banda mais lucrativa do mundo e seria a grande presença do evento.
O quinteto britânico apresentou cinco das oito faixas do álbum recém-lançado, executando apenas três canções da antiga formação. Isso fez com que o público se demonstrasse um pouco contido, já que mais da metade das músicas ainda eram pouco conhecidas. O show foi a primeira apresentação de David Coverdale para um grande público e, no vídeo, pode-se notar a sua timidez. Ele pouco se movia pelo palco, se limitando a cantar parado e com uma das mãos apoiadas no pedestal do microfone. A atuação nem de longe lembra o Coverdale performático dos anos 80, quando, no WHITESNAKE, usava o pedestal para demonstrar o seu sex appeal.
Ao contrário do vocalista principal, Glenn Hughes demonstrava grande desinibição, exibindo uma nova característica do DEEP PURPLE, a forte presença de backing vocals. Em alguns momentos, o baixista assumia, até mesmo, o papel de voz principal, protagonizando duetos memoráveis com Coverdale. A inquietação de Hughes saltava aos olhos, já que o seu antecessor se limitava a tocar comportadamente, sem se aventurar cantando. Em certos pontos da apresentação, essa postura beirava ao exagero.
Jon Lord e Ian Paice demonstravam a habilidade de sempre, mas as atenções se voltaram quase que exclusivamente para o guitarrista da banda. Mostrando-se contrariado, Blackmore se desentendeu diversas vezes com a produção do evento, reclamando incessantemente da presença de uma câmera que estava ao seu lado. A antipatia característica contrastava com seu talento, evidenciado em longo solos, improvisações e duelos com o órgão Hammond de Lord.
No fim do show, quando os músicos executavam improvisações entremeadas por "Space Truckin'", Blackmore, após um belo solo, começa a fazer uma de suas famosas performances, arremessando sua guitarra para o alto, pisando sob as cordas e fazendo um barulho ensurdecedor. A primeira Fender Stratocaster (na cor creme como a maioria que o homem de preto empunhava) se perdeu quando o guitarrista resolveu sustentá-la apenas pelo cabo, deixando-a cair no fosso que separava a platéia do palco. Logo ele apanhou um novo instrumento, idêntico ao anterior e continuou o espetáculo de destruição. Após esfregar as cordas no corpo, Blackmore inesperadamente começou a bater com a guitarra na câmera que o acompanhou durante o show. A strato ficou completamente destruída e o prejuízo com a câmera foi orçado em oito mil dólares. Alguns dos destroços foram atirados em alguns jornalistas que estavam junto ao palco. O corpo do instrumento foi lançado para o público
Depois disso, com ajuda do staff da banda, Blackmore ateou fogo em um conjunto de amplificadores causando uma grande explosão. O fogo se alastrou pelo palco e por muito pouco não atingiu o músico, que saltou rapidamente. Uma segunda explosão aumentou o fogo, que logo foi contido por extintores. A sandice do guitarrista causou um belo espetáculo visual, mas por pouco não acarretou um acidente de proporções graves.
A performance explosiva de Blackmore
A performance explosiva de Blackmore


Foi o ato final de uma apresentação que entrou para a história mais pelas confusões de Ritchie Blackmore do que pela qualidade do espetáculo. O show ficou marcado na história do DEEP PURPLE, sendo lançado em vídeo e posteriormente em DVD. O áudio foi lançado em um bootleg, nos anos 90 relançado pela Purple Records, e mais tarde remasterizado e lançado com o set completo da apresentação.

A noite foi fechada pelos papas do rock progressivo EMERSON, LAKE AND PALMER (ELP). No final do ano anterior, o trio havia lançado o seu álbum de estúdio mais bem-sucedido comercialmente, o "Brain Salad Surgery" e a apresentação no California Jam marca o auge da banda.
O novo álbum foi privilegiado, mas a banda executou canções de discos anteriores como "Lucky Man", do seu primeiro trabalho, de 1970. O destaque foi para o desempenho de Keith Emerson, que em seu órgão Hammond e no piano, demonstrou todo seu talento em improvisações hipnotizantes. A performance do tecladista rendeu-lhes elogios de grandes nomes da música, como Count Basie – lendário pianista de jazz – que ao ver a apresentação pela TV, ligou para Emerson para felicitá-lo pelo talento.
Recentemente, a banda lançou um box de DVDs, chamado "Beyond the Beginning" que compilam algumas apresentações clássicas. Entre elas, está o show na íntegra do ELP no California Jam.
Uma versão de "Great Gate of Kiev", parte da suíte clássica "Quadros de uma Exposição", do compositor russo Modesto Mussorgsky, fechou um dia histórico para o Rock and Roll. Doze horas seguidas da nata das bandas dos anos 1970, num evento que combinou a magia do clima paz e amor, com o máximo de tecnologia e qualidade sonora. Um evento que aliou arte de primeira linha com uma organização grandiosa, entrando para história como um dos maiores acontecimentos já televisionado.
O California Jam teria uma nova edição, em 1978, mas sem o mesmo brilho e energia. Mesmo assim, o novo evento contaria com bandas de peso como AEROSMITH, FOREIGNER, entre outros. Mas isso é assunto para um próximo artigo.
O MOFODEU celebra os 35 anos do California Jam com um programa especialíssimo, só gravações originais do festival. O melhor do que aconteceu naquele mágico 6 de abril de 1974. Para ouvir, basta acessar o site abaixo, e buscar pelo programa de número 58.

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