13 de outubro de 2011

Aliterasom: 15 anos sem Renato Russo e a Legião Urbana





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Acho tola qualquer comemoração mórbida do tipo: “Fulano hoje FARIA 50 anos”. Não tem sentido. A comemoração de um aniversário de um morto ao menos pra mim é estranha. No entanto, o Aliterasom não pode deixar passar os 15 anos da morte de Renato Russo, talvez um dos maiores expoentes do rock na América Latina.
Sua biografia não merece maiores detalhamentos, uma vez que sua vida é e foi exposta. Mesmo que a sua relação com a banda tenha contornos mais dramáticos do que os próprios personagens sugerem. A Legião Urbana compensou a simplicidade técnica com a sofisticação de suas letras, com a impostação grandiloquente do seu vocalista e com uma paixão que arde desde os primeiros acordes de “Legião Urbana” (1985), disco que já traria hinos como “Será”, “Geração Coca-Cola”, “Ainda é Cedo” e “Por Enquanto”.
Àquela altura, surpreendia que uma banda de Brasília, foco da política x corrupção deste país, cantasse em português menos “tosco” e surpreendesse pelo jogo de palavras, profundidade de propostas e o som altamente punk, além da voz marcante de Renato, com sua coreografia improvisada e autêntica, ao menos no Brasil.
Veio o “Dois”, um disco romântico, desafiador e repleto de hits. “Daniel na Cova dos Leões”, “Quase sem Querer”, “Tempo Perdido”, “Eduardo e Mônica”, “Índios”, tocariam nas rádios e elevariam a uma potência ainda desconhecida a banda (baixo, bateria e guitarra, com detalhes de teclado de Renato), para um pedestal muito alto no rock brasileiro. Vale lembrar, que os “concorrentes” tinham pedigree e faziam trabalhos muito elogiados, caso de Paralamas do Sucesso, Titãs, Engenheiros do Hawaii e Barão Vermelho. Todos eles com características próprias e com público diferenciado. Talvez a Legião conseguisse arrebatar todos os fãs destas bandas citadas, já que, cativava em proporção industrial aos fãs de Brock, com versos inspiradíssimos e músicas com alto teor emocional.
“Que País É Este”, que em seu faixa título, transformou seu verso em pergunta recorrente nos debates políticos, estudantis e televisivos e traz a Legião Urbana com seu som mais cru e direto. Lógico. As canções em sua maioria pertenciam ao também dry sound Aborto Elétrico, uma herança tosca de Renato e Bonfá e que teria como legado vários canções que se tornaram clássicos para Legião (como a própria “Que País É Este”) e Capital Inicial (como “Fátima”). De todos os CDs da Legião Urbana, este é que o me agrada mais a produção, pois o som é límpido e agressivo – parece gravado ao vivo sem outtake – e trazendo a banda na sua essência. Sem contar que traz uma das maiores sagas cantadas em Língua Portuguesa, “Faroeste Caboclo”, que fez as rádios largarem o esquema das canções 3:50 / 4:00 minutos, para dar espaço para uma música de quase 11 minutos. Se fosse americana, talvez a banda tivesse uma áurea tipo Neil Young.
O intervalo entre um disco e outro marcaria a saída do baixista Renato Rocha e a banda se tornaria um trio, com o instrumento sendo revezado entre Dado e Renato no estúdio, embora Russo pudesse assumí-lo, pois tinha talento ao criar linhas de baixo interessantíssimas como a de Eduardo e Mônica, onde toca todos osinstrumentos.
O disco seguinte é um fenômeno. Não me lembro de uma banda do mainstream que tenha alcançado um êxito radiofônico tão gigante. E saibam: isso na época era importantíssimo. Não por acaso é fato que “As Quatro Estações” tenha vendido até aqui mais de 2 milhões de discos e a Legião, após mais de uma década de seu término, continue sendo uma das maiores vendedoras de disco da EMI, em tempos absurdos de download. Pois se não vejamos: “Há Tempos”, “Pais e Filhos”, “Quando o Sol Bater na Janela do Teu Quarto”, “1965 (Duas Tribos”, “Monte Castelo”, “Maurício”, “Meninos e Meninas”, “Sete Cidades” e “Se Fiquei Esperando Meu Amor Passar” tocaram nas rádios e levaram à banda a condição de mega-star. Infelizmente há poucos registros ao vivo, numa era longe dos fãs-paparazzi, que filmam e registram tudo de seus ídolos, transformando-se em acervos importantes da história de uma arte. A banda incorpora músicos ao palco (Mu – Teclado, Tavinho Fialho e Bruno Araújo – Contrabaixo, Fred Nascimento e Sérgio Serra- Violão e Guitarra)* para tocar os arranjos mais elaborados de “As Quatro Estações” e os shows viram celebrações ao som de versos como “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”.
E vem o ano de 1991… Estudem este ano!
É lançado o disco mais difícil da discografia da Legião. “V” seria o disco inspirado na notícia que Renato recebera sobre sua devastadora doença (apenas divulgada no final de sua vida). Um disco pesado, com guitarras de timbres até então diferentes e com uma carga dramática mais soturna do que os discos anteriores. A banda não relaxara sua ousadia ao lançar “Metal Contra as Nuvens”, uma suíte de pouco mais de 10 minutos, com metáforas e eufemismos ricos, contando a história de um cavaleiro em busca de amor. Como o próprio Renato dissera algumas vezes, o lado b era mais solar. “Teatro dos Vampiros” – música de trabalho do disco – começava com a voz guia de Renato muito triste e desestimulada. O país vinha sob a “Era Collor”, o dinheiro sumindo do mercado e as bandas preocupadas em cumprir prazos e contratos. E Renato vivia seu drama patológico e além do vício em heroína. Coisa pesada mesmo. Sem contar que o disco traria uma das “dor-de-cotovelo” mais cantadas e idolatradas no repertório Brock; “Vento No Litoral” foi executada à exaustão
“O Descobrimento do Brasil” traz uma capa com motivos medievais e uma das melhores letras (embora isso seja um amplo pleonasmo quando falamos de Renato Russo) escritas por qualquer compositor; “Perfeição” é um rap com guitarras e batida tribal que desafia todas as incoerências e idiossincrasias que o Brasil vivia (?) na década de 90, mesmo mantendo a esperança de dias melhores. “Vamos Fazer Um Filme”, “Love In The Afternoon”, “Vinte e Nove”, “Giz”, “Da Fonte” e “Os Barcos” traziam uma Legião mantendo o lirismo das letras mas com um pézinho fora do british rock, tendencia que a banda carregou desde os primeiros discos. A banda parecia muito com a estrutura harmônica do REM em “Out Of Time” (1991) Era possível ouvir dos mais velhos, que a Legião Urbana era mais que rock brasileiro, era música popular brasileira.
Após esse disco um hiato se forma. Renato lança, sem muito estardalhaço, “The Stonewall Celebration Concert” (um disco que merece ser descoberto não só pela interpretação de Renato como pela produção do competente Carlos Trilha) com músicas de compositores como Bob Dylan, Madonna, Lionel Richie e “cabeçudos” como Billy Joel, Leonard Bernstein e Stephen Soundhein. A música trabalho – e que coincidentemente iria revelar outra cantora em outro disco – foi “Cathedral Song” (Tanita Tikaran). Com seu inglês impecável, Renato aparecia mais romântico do que nunca, em um disco, que volto a dizer, merece atenção dos ouvintes de boa música.
… Mas seria “Equilibrio Distante” o responsável por tirar Renato Russo definitivamente do estigma de “cantor de rock”. Com interpretações preciosas para um disco, que segundo o próprio, deveria ser brega ao extremo; Renato trouxe um revival de música italiana ao país. O disco – tal qual Stonewall – não teve turnê, apresentações ou promocional no rádio e TV – e mesmo assim, foi muito bem com canções como “Strani Amori” e “La Solitudine”, sem contar que possui uma belíssima versão de “Como Uma Onda no Mar” que recebe uma luxuosa inserção de “Wave” (Tom Jobim). Se os arranjos parecem pré-programados em algum momento, esqueça os protools e localize o vozeirão de Renato se entregando com paixão à canções como “La Forza Della Vita”. Este disco seria um dos mais executados na rádio principalmente após a morte de Renato. Este é o disco muito responsável por consolidar o sucesso de Laura Pausini e Eros Ramazotti no Brasil.
Justamente por conta do mistério que marcava a ausência da banda – e do próprio Renato – no cenário nacional nos anos de 1995/1996 e até já se especulando à respeito da saúde do cantor, “A Tempestade ou O Livro dos Dias” vinha sob desconfiança e boatos de que a Legião Urbana estava no seus últimos dias. Não por conta da saúde de Renato (até aquele momento inspirando cuidado e zelo) mas por outros boatosque davam conta do desentendimento entre seus integrantes. Embora pareça o contrário, Dado Villa Lobos, Marcelo Bonfá e Renato Russo  nunca foram AMIGOS; paradoxalmente os últimos anos do cantor tenham recebido de muita cumplicidade de ambos. Inclusive, reza a lenda (mas é verdade) que Dado Villa Lobos fora o primeiro a saber que Renato era vítima de Aids.
O disco não é ruim em nenhum momento, embora muita gente tenha o ignorado em função das circunstâncias, “Natalia”, “L´Aventura”, “Música de Trabalho”, “Música Ambiente”, “Soul Parsifal”, “Dezesseis”, “Leila” e a canção título “O Livro dos Dias” (com belíssimo arranjo de bateria e cordas) fazem deste disco uma boa bolacha como todos os outros discos que a Legião havia lançado até aquele momento. Tom Capone (que viria falecer em 2004) e Dado Villa Lobos figuram entre os produtores deste disco, embora o músico Gian Fabra (amigo de longa data da Legião) tenha dito em entrevista a este blog que os maiores pitacos e desafios teriam ficado sob a responsabilidade de Carlos Trilha.
A Legião em toda sua história lançou também alguns CDs ao vivo que, embora bem gravados, nunca foram “idolatrados” como os discos de estúdio. Até porque, era sabido que a banda ao vivo, embora fosse energia e emoção, não fazia shows impecáveis. O Brasil – não só com a banda de Brasília – sofria muito com o amadorismo de todos os recursos técnicos em shows de bandas nacionais e muitos registros soam amadores perto do que se pode registrar hoje em dia com componentes semi-profissionais. A Legião Urbana – banda com história no rock nacional – não tem um catálogo de vídeos de suas apresentação; seja com qualidade de áudio ou com qualidade de vídeo.
De todas os lançamentos “ao vivo”, incluíndo os póstumos, o “Acústico Mtv” talvez seja o que mereça mais atenção porque traz um trio tímido (não por conta do Renato) executando seus clássicos sem muita elegância (com exceção do arranjo de “Índios”) remetendo-os aos primeiros momentos como banda. Renato até desafina em alguns momentos – coisa rara de acontecer – o que torna este lançamento mais peculiar ainda; entre conversas e brincadeiras, vemos Renato mandar uma versão de uma canção dos Menudos “Hoje a Noite não tem Luar” (com tradução de Carlos Colla) e que acabou se tornando o single deste disco. Entre canções de Neil Young e Joni Mitchel, a Legião teria um público reduzido mas que aplaudia com entusiasmo cada canção e escorregada do trio, talvez, o mais “sincero” luau sob a estética acústica da Mtv brasileira.
Há 15 anos Renato Russo nos deixou vítima das complicações da Síndrome da Imune Deficiência Adquirida e a banda por motivos óbvios encerrou suas atividades, mas poucas vezes se viu a união simplicidade + genialidade darem vida a uma banda de rock que influenciou e influencia gerações fazendo com que 15 anos pareçam 15 dias.
*Durante as turnês dos discos da Legião Urbana, os baixistas seriam alterados e foram três: Bruno Araújo, Tavinho Fialho e Gian Fabra. Já as guitarras e violões quase sempre foram de responsabilidade de Fred Nascimento (Tantra), embora Sérgio Serra (Ultraje à Rigor) também tivesse participado da turnê “As Quatro Estações”.

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