20 de fevereiro de 2011

Aclla: com o coração na Revolução

Tendo em sua formação Tato Deluca (voz), Denison Fernandes (guitarras), Chrystian Dozza (guitarras), Bruno Ladislau (baixo) e Eloy Casagrande (bateria), o nome Aclla pode ser considerado um novato na cena underground brasileira, mas "Landscape Revolution" se revelou como uma grata surpresa no final de 2010. Além de sua estreia oferecer um excelente Heavy Metal, os paulistanos possuem uma forte preocupação com o desenvolvimento sustentável, tema recorrente em suas letras. Para saber mais detalhes acerca do Aclla, o Whiplash! conversou com Tato na entrevista a seguir:


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Olá Tato, primeiramente gostaria de parabenizar a todos por "Landscape Revolution", é uma estreia de respeito! Mas vamos lá... Inicialmente este era apenas um projeto pessoal de Tato Deluca. Como rolou os primeiros passos para a definição do Aclla como uma banda real?
Tato Deluca: Na realidade, eu sempre fiz parte de bandas, nunca quis ter um projeto solo ou algo parecido. Em 2007, quando me deparei com minha demo pronta, e minha ex-banda (o Dragon King) prestes a acabar, decidi que não era hora de desistir e resolvi abrir meus horizontes. Foi então que procurei o produtor Ricardo Nagata (Eterna, Eyes of Shiva) e ele ouviu a demo e resolveu me ajudar a formar uma nova banda.
Tato: No começo ele chamou o Bruno, o Denison e um outro baterista, que na época não pôde aceitar, pois estava com muitos projetos. Bruno foi o primeiro a abraçar a ideia. Na época, ele tocava no Dream Theater Cover e estava mesmo disposto a começar uma banda de música própria. Começamos a trabalhar as músicas, escolhemos outras que eu estava compondo na época, mexemos em tudo e, no final, o resultado ficou tão bom que o Denison finalmente se empolgou.
Tato: Na mesma época, Bruno resolveu chamar seu amigo Eloy Casagrande para assumir a bateria e iniciamos os ensaios. Gravamos uma pré-produção com a participação de um primo meu na guitarra, mas ele não estava a fim de fazer parte e acabamos chamando o Chrystian para assumir a guitarra. Ele acrescentou muito à banda, com sua experiência como violonista erudito, e seus solos mais ‘blues’, o que pode ser conferido em algumas faixas do CD.
Tato: O nome ACLLA vem da língua inca Quechua e quer dizer “Escolhida”. Era o nome que os incas davam às sacerdotisas que eram sacrificadas ao Deus-Sol. Esse sentido de auto-sacrifício pelo bem da comunidade veio totalmente ao encontro do que buscávamos quando decidimos seguir a proposta de defesa ecológica.
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Antes do Aclla se definir como banda, você já tinha uma demo. Essas canções sofreram muitas alterações conforme os músicos foram sendo recrutados?
Tato: Nossa! Mudaram completamente! O Dragon King era uma banda formada em 1997, minhas influências na época eram totalmente Power Metal alemão, e naquele momento Power Metal não era exatamente metal melódico. Você tinha metal melódico como HelloweenGamma RayStratovarius. Mas as bandas que eram conhecidas como Power Metal eram o Blind GuardianRunning WildManowar, então, seguindo essa definição, o Dragon King era uma banda que misturava ideias musicais de metal tradicional, com refrãos épicos e a parte rítmica mais speed, com bumbo-duplo, etc. Quando mostrei a demo aos caras, esse tipo de som já estava desgastado, já tinha inclusive virado chacota nas mãos do Massacration e afins. Infelizmente não dava mais pra trabalhar naquele direcionamento. Poucas músicas da demo original ficaram, na realidade, duas das 12 do CD.
Tato: Felizmente, na época eu também estava compondo já em outro direcionamento, estava fazendo músicas mais tradicionais para o que eu chamava de ‘segundo CD’ e músicas com fortes influências brasileiras, para o que eu chamava de ‘terceiro CD’. Foram essas, junto com músicas do Bruno, do Denison e do meu primo Daniel de Lucca, que acabaram formando o “Landscape Revolution”.
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Considerando que o produtor Ricardo Nagata foi de extrema importância para que o Aclla se tornasse uma realidade, até onde se estendeu sua influência para o resultado final de "Landscape Revolution"? Algo que realmente apreciei no disco é a forma como soa atualizado, mas sempre conectado às raízes do Heavy Metal Tradicional.
Tato: Ele foi, sem dúvida alguma, a peça fundamental. Sofri lobotomia, lavagem cerebral, vi toda a minha realidade musical sendo desmoronada por poucas palavras dele. Resumindo, muita coisa que eu achava legal, eu acabei convencido de que não era tão legal assim! Na realidade, depois da banda formada, ele sentou comigo e com o Bruno, colocou a demo original e foi pulando as faixas: Essa não, essa não, essa não, essa não, essa talvez – mas tem que mudar, essa não... E por aí foi. Rs.
Caraca...!
Tato: Depois eu apareci com umas gravações caseiras das músicas recentes e ele falou: ‘... Porra! Tá bem mais legal!...’. Aí eu falava: ‘... Mas essas são pro segundo CD!!!...’ - E ele dizia: ‘... O segundo CD NUNCA vai existir se você não fizer um primeiro bom!...’.
Tato: Na verdade, ele acabou fazendo com que usássemos todas as ideias boas, independente de qual era a ordem cronológica que eu queria colocá-las na nossa ‘discografia’. Não podemos, é claro, deixar de lado as influências mais prog do Bruno, que me ajudou a rearranjar todas as músicas. Ele realmente fez um trabalho incrível! Na hora que nos juntávamos no estúdio, todos colocavam suas ideias e isso acabou formando a grande mistura de influências que você ouve no disco. Como os caras ouvem coisas mais modernas do que eu, isso fez com que as ideias originais (e mais tradicionais) acabassem tomando essa roupagem que, felizmente, tem agradado os fãs e a crítica!
Seu repertório é bastante variado, e contém alguns elementos inusitados... Usar instrumentosaborígenes, indígenas e eletrônicos na faixa-título até dá para entender, mas qual a ideia por trás de cantar a frase 'Can’t you see the Landscape Revolution?' invertida?
Tato: O próprio conceito de Revolução me levou a isso. Na realidade, o sopro do Didgeridoo representa a Terra, a Natureza, os tempos em que os seres humanos estavam em comunhão com o mundo em que viviam. Já o Theremin, o primeiro instrumento eletrônico, representa a modernidade, a revolução industrial, e consequentemente as mudanças que levaram o ser humano à atitude soberba e sem o menor respeito pelo meio-ambiente que temos hoje em dia. Quando você coloca dois elementos tão antagônicos na mesma música, e quer passar a ideia de Revolução – ou seja – o que hoje é o lado fraco derrotando o forte, alguma coisa precisa ser feita para mostrar esse movimento.
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Tato: Eu gravei a frase em casa, inverti no gravador de som do meu PC, e decorei como soava invertido. Depois cheguei ao estúdio, gravei, invertemos novamente e surgiu a frase “Can’t you see the Landscape Revolution?”. Na realidade foi um processo muito legal, quando o Nagata inverteu e viu que deu certo, ele não acreditava! O efeito da respiração invertida ficou sensacional! Rs. Pretendemos experimentar outras maluquices nos próximos CDs!
"The Totem", "Under Twilight Skies" ou "Flight Of The 7th Moon" são ótimas composições, mas gostaria que comentasse o processo de criação de "Living For A Dream", que contém elementos não usuais ao Heavy Metal...
Tato: “Living For A Dream” é uma música do Bruno. Ele um dia virou para mim e disse: ‘... Cara, estou compondo uma música em cima de um ritmo Maracatu...’ – Eu achei sensacional! Quando ele mostrou a melodia, eu logo percebi que se tratava de uma música muito bonita e marcante. Foi assim que entramos para gravar a pré-produção. Bruno tinha colocado toda a linha de baixo e cantarolado a melodia de voz.
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Tato: Eu me sentei e escrevi o que me veio à mente. É uma música emocionante e resolvi colocar lá a mensagem de ‘nunca desista de seus sonhos’, os momentos em tons maiores passam essa energia positiva, enquanto os momentos menores dão a ideia de ‘... Nunca acreditaram em você, sempre lhe consideraram um louco, mas um dia eles vão precisar seguir alguém, e esse alguém pode ser você!...’. Quando fomos gravar a pré, não havia linhas de guitarra. Quem criou toda a linha de guitarra foi meu primo, e quando o Bruno ouviu, ficou evidente que ele não esperava aquilo, mas adorou o resultado!
E a balada "Sun N’ Moon" se aproxima da chamada ‘moda de viola’...
Tato: Já a “Sun N’ Moon” é uma daquelas músicas que eu queria deixar para o ‘terceiro CD’ (assim como “Jaguar”). É uma balada baseada em um ritmo indígena chamado ‘Cateretê’. A letra fala sobre a lenda guarani do amor impossível entre o Sol e a Lua, não havia outra saída para essa música a não ser fazê-la totalmente acústica. Em minha opinião, é um dos momentos mais bonitos do disco. O Chrys colocou todo o seu coração nas cordas da viola, do violão de nylon e de aço. Sem dúvida acrescentou muito ao CD, mostrando para onde podemos levar nossa música no futuro.
"Landscape Revolution" mostra grande preocupação com os rumos do planeta Terra. Mas, apesar da importância do chamado 'crescimento sustentável', o mesmo tem como entrave a necessidade de consumo, na qual a maior parte da população está condicionada. Basta analisarmos o fracasso que foi o Protocolo de Kioto... Bem, qual a alternativa?
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Tato: O ser humano não vai parar de consumir! Estamos totalmente presos ao mundo capitalista. Tem um aspecto muito forte na nossa Natureza que é o comodismo. Para que você vai cozinhar algo se pode colocar no microondas e está pronto? Tudo o que é facilitador atrai as pessoas, e infelizmente a integração com a Natureza não é sempre o caminho mais fácil!
Tato: Devemos, entretanto, mudar a forma que enxergamos o mundo a nossa volta. O ser humano se coloca acima da própria Natureza, o que é ridículo! Não respeitamos nem sequer os animais que matamos para comer! Quantas pessoas ao seu redor se lembram que um hambúrguer já foi um boi?
Tato: Eu acho muito engraçado as pessoas que pregam que Deus é onipresente – está em todas as coisas, e de repente jogam uma latinha de cerveja pela janela do carro. O que elas estão fazendo? Jogando uma latinha de cerveja em seu próprio Deus (chame-o como quiser! Cada pessoa tem algo que é sagrado para si!)! Não somos exatamente uma banda com uma postura religiosa, mas acreditamos que nosso planeta é sagrado, assim como tudo o que está acima, abaixo e dentro dele!
Tato: O primeiro passo para mudarmos nosso comportamento, mesmo isso indo contra o nosso ‘comodismo imediato’, é encararmos o fato de que fazemos parte do Todo! Se você vê os outros animais, as plantas, os rios como seus irmãos, você não vai querer jogar lixo neles, poluí-los, violá-los, assassiná-los, escravizá-los.
Tato: O que fazemos ao planeta, na realidade, fazemos a nós mesmos. Somos como o veneno de uma cobra. Se a dosagem for baixa, imunizamos e curamos o mundo, se a dosagem for alta, o matamos! Devemos reduzir a dosagem, diminuir nosso impacto em atitudes do dia a dia. Reciclar, evitar sacolas plásticas, ir de bicicleta ou a pé aos lugares próximos, consumir menos carne de outros animais; não achamos que as pessoas vão parar com seus hábitos do dia para a noite, mas o que temos que fazer agora é REDUZIR A DOSAGEM.
Tato, confesso que nunca havia visto um disco envolto por um 'ecopak', desde as ilustrações aos detalhes do pacote, tudo é de extremo bom gosto. E, curiosamente, já li por aí que você não tem lá muito interesse em discos físicos...
Tato: Quando começamos efetivamente a gravar o álbum, começamos a nos preocupar com o CD físico. Se pudéssemos ter a escolha de fazer um lançamento apenas virtual, o faríamos (mesmo sabendo da perda de qualidade da música comprimida em MP3), mas desde o começo sabíamos que, sem o material físico, uma banda não é considerada ‘de verdade’. Desse modo, o dilema que nos deparamos foi: como fazer um CD reduzindo ao máximo o impacto ecológico causado?
Tato: Pesquisamos inúmeras saídas até que encontramos uma coleção de CDs de uma grande gravadora que trabalhava com a bandeja ecológica, feita com material biodegradável. Fui pessoalmente a uma loja de CDs para comprar uma ‘amostra’ (foi uma boa amostra, uma coletânea do Deep Purple que ficou meses tocando no meu discman). Infelizmente, apesar da bandeja ecológica, o material era de baixa qualidade. Sabe quando algo quer ‘parecer tosco para parecer ecológico’? É uma ideia totalmente errada! O papel reciclado não precisa ser cru para ser ecológico. Hoje em dia existem alvejantes naturais que podem deixá-los da mesma cor que os não-ecológicos.
Tato: De todo modo, pesquisamos inclusive um CD lançado no Japão, cuja mídia era feita de polímero de milho. O problema é que ele não suportava altas temperaturas (estragaria no som do carro), portanto saiu do mercado. Acabamos fechando a embalagem 100% ecológica, mas infelizmente não conseguimos reduzir o impacto do CD.
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Tato: Já na parte gráfica, desde o começo da banda, optamos por trabalhar com o Gustavo Sazes, que é um designer fantástico. Lançamos o desafio para ele: resumir o tema do álbum em uma única ilustração de capa (depois pedi para ele soltar a imaginação nas ilustrações internas). As fotografias da banda foram feitas pelo fotógrafo das capas da revista Vogue. Em tudo que envolve a banda optamos pela excelência, e felizmente isso vem repercutindo muito bem.
Tato: Quanto ao meu gosto por CDs físicos: a qualidade da música é muito superior, mas acredito que com a evolução da banda larga surgirão arquivos de música maiores e melhores do que o MP3, tornando o CD físico um impacto ambiental desnecessário (a experiência de manusear o encarte também pode ser substituída por algo mais lúdico, veja o que os videogames estão fazendo com o mundo!).
Pois é, o advento da Internet facilitou muito a divulgação de trabalhos independentes. Como está sendo a recepção de "Landscape Revolution", afinal?
Tato: Está sensacional! O CD está sendo bem recebido no mundo todo! Em alguns países, como a Hungria, editores de sites de Rock e Heavy Metal estão considerando o álbum seu CD favorito, praticamente um ‘achado vindo do Brasil’... Pela quantidade de ocorrências diárias no Google, podemos dizer que, de certa forma, a internet está nos ajudando muito!
Tato: Depois que o Eloy voltou da NAMM, mais de 600 sites de download disponibilizaram o álbum (os primeiros foram os russos). Estamos quase fechando com uma gravadora Europeia, só falta assinar os papeis.
Tato: No fim das contas, a era da internet tem suas dificuldades, a grande quantidade de bandas que lança material na rede todo dia, por exemplo. Mas, por outro lado, o mundo sempre teve uma grande quantidade de bandas, poucas conseguiam gravar um álbum, mas o número de demos que chegava às mãos das gravadoras era imensa! No fim das contas, a boa música sempre terá seu espaço. Hoje em dia, quem escolhe o que quer ouvir são os fãs, e eles têm inúmeras opções, mas, com certeza, no meio de tantas, eles sabem muito bem escolher suas favoritas, as que ocuparão seus i-pods por anos e anos!
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Considerando todas as dificuldades da cena nacional e a maleabilidade da música apresentada em "Landscape Revolution", o que podemos esperar do Aclla para 2011?
Tato: Nós ainda pretendemos colher os frutos do “Landscape Revolution”. Na realidade, por termos lançado o álbum de forma independente, demora-se um pouco pra ser reconhecido, ainda mais por se tratar de nosso primeiro disco. Como lançamos no final do ano, não tivemos tempo de marcar shows de divulgação, etc. O próprio momento está muito ruim para shows, a facilidade econômica em se trazer bandas de fora está acabando com os shows nacionais. Tive oportunidade de ver shows de bandas brasileiras enormes, colocando 1.000 pessoas em casas para 7.000. Tudo isso por que concorremos diretamente com as bandas gringas. O público acaba de gastar 200 reais num show internacional, não vai ter dinheiro pra ir aos shows nacionais, e isso está simplesmente acabando com a cena. Não podemos culpar os fãs, ou os produtores de shows por isso, temos que culpar o governo que não dá um incentivo decente e não exerce nenhum protecionismo sobre o patrimônio musical brasileiro. Esperamos fazer shows em 2011 para divulgar melhor o álbum, sentar no segundo semestre para escrever músicas novas e pensar em um novo álbum para 2012.
Beleza, Tato! O Whiplash! agradece pela entrevista, desejando boa sorte ao Aclla. Fique à vontade para os comentários finais, ok?
Tato: Primeiramente muito obrigado a você, Ben Ami, e ao João Paulo (nota do editor: diretor do Whip) pelo espaço que têm dado à banda. Esperamos realmente que vocês se divirtam muito ouvindo o CD, assim como todo mundo que tiver a oportunidade de escutá-lo. Quem quiser conhecer a banda, acesse nosso myspace: www.myspace.com/aclla e nos procure nas redes sociais Facebook, Orkut e Twitter. Temos também nosso canal de vídeos no Youtube (e esperamos preparar um ou dois clipes esse ano).
Tato: De todo modo, como disse anteriormente, os russos “riparam” o CD e ele está disponível para download em inúmeros sites. Por favor, quem baixar o álbum, utilize esse recurso apenas para conhecer a banda. Quem gostar e tiver dinheiro disponível, por favor, entre em contato conosco que estamos vendendo o CD e é uma forma de recuperar um pouco do que gastamos! Valeu pelo apoio, galera! Um grande abraço e esperamos vê-los na estrada!

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