Revista Pop, Ed. Abril, maio de 1978. Fonte: Blog Velhidade
Recentemente, conversando em um fórum sobre rock na internet, ouvi toda a sorte de elogios ao DREAM THEATER, em especial ao seu baterista, Mike Portnoy, de quem até tenho um bom conceito. As pessoas, na faixa dos 25 anos, também jogavam confetes para MUSE e PORCUPINE TREE, outras novas bandas do “metal progressivo” ou “rock progressivo moderno”, como queiram...
Imediatamente o RUSH veio à minha mente e era a sequência natural da conversa. Afinal, é o pai das bandas que eles exaltavam. Se o rock progressivo voltou aos players da moçada é porque eles existem e persistem. Perguntei então a eles o que conheciam do RUSH e a resposta veio embrulhada em desconhecimento: somente as clássicas “Tom Sawyer” e “The Spirit of Radio”. Fiquei com vontade de dar um sacode nos caras, mas preferi a psicologia e contei a eles uma história...
Para não registrar apenas uma opinião positiva sobre o RUSH, citei a eles que no documentário outros músicos (de todos os estilos) se derretem elogiando e aclamando os canadenses como forte influência: Mick Box (URIAH HEEP), Gene Simmons (KISS), Billy Corgan (SMASHING PUMPKINS), Kirk Hammett (METALLICA), Vinnie Paul (PANTERA), Zakk Wilde (BLACK LABEL SOCIETY), Taylor Hawkins (FOO FIGHTERS) e Trent Reznor (NINE INCH NAILS).
Com isso desarmei os caras, mas ainda faltava o “grand finale” para consolidar o RUSH na mente deles. Aí passei a eles um vídeo de “Subdivisions”, gravada ao vivo em Frankfurt/2005. Foi um tiro certeiro: dez minutos depois as perguntas sobre essa e outras músicas do RUSH começavam a pipocar...
O RUSH é uma banda que venceu por sua qualidade, e isso está estampado em músicas como “Subdivisions”. Enquanto os caras do KISS enchiam a cara e se divertiam em orgias com groupies, quando estiveram juntos na estrada (1977), os rapazes do RUSH passavam o tempo concentrados na tarefa de se superar tecnicamente como músicos. “Após os shows os caras iam para o quarto do hotel assistir TV e conversar. Eu pensei: será que esses caras são bichas?”, relata Gene Simmons, rindo ao longo do documentário.
“Subdivisions” é uma das obras primas do RUSH. Carrega consigo o mérito das grandes canções atemporais: a letra inteligente e o instrumental marcante. Para mim é a música que consegue sintetizar todo o trabalho deles: a complexidade na composição, os arranjos cabeludos, o perfeccionismo e acima de tudo a honestidade. O RUSH é uma banda honesta consigo mesmo e com seu fiel público, bitolada com o próprio desempenho. Isso certamente contribuiu para fazer deles o maior power trio de todos os tempos e lhes valeu a idéia de valerem por dez.
A canção foi lançada como single em 1982 e acabou se tornando a estrela máxima do disco “Signals”, do mesmo ano. Este álbum foi o último produzido por Terry Brown, que vinha com a banda desde “Caress of Steel”, de 1975. Dizem que “Subdivisions” já estava pronta e poderia ter sido lançada ainda no esplendoroso “Moving Pictures”, de 1981, mas isso jamais foi oficialmente confirmado. De qualquer forma “Subdivisions” está no disco certo. Traz consigo um espírito bem inclinado ao restante do trabalho, com uma presença mais intensa e elaborada do teclado de Geddy Lee.
Peart definiu a canção em uma entrevista para a Jam Music, no ano passado: "É uma canção muito incomum em termos líricos e musicais, mas na qual conseguimos trabalhar. Ela é muito séria em sua estrutura musical, talvez uma das mais complicadas que tivemos em termos de arranjos e percussão. É bastante difícil de tocar e, por isso, ainda gosto dela, mesmo quase 30 anos depois. É um bom testamento.”
Neil Peart é realmente um monstro, para mim um dos cinco maiores bateras da história do rock. Soube escolher influências que o tornassem completo: a pegada de Bonham e Keith Moon, a velocidade e a qualidade de Buddy Rich e a capacidade de inovação do jazzista Gene Krupa. Em “Subbdivisions”, assim como em “YYZ”, “La Villa Strangiatto”, “Freewill” e tantas outras, Peart dá uma aula de técnica. A impressão que temos, como leigos amantes do bom rock, é de que existe sempre uma base montada de percussão, mas que em cima dela Peart se diverte, alterando a batida, o tempo, o ritmo, o compasso...
Descrever “Subdivisions” não é nada fácil. É como tentar delinear o gosto de um determinado chocolate ou expressar em palavras a beleza de uma paisagem. O melhor é ouvir e deixar que seu feeling musical faça a conceituação. Contudo, ela me parece rotulável como densa, intensa e excêntrica. Nada em seus 5min30seg é trivial ou dentro dos padrões. Ela parece desritmada, entretanto é extremamente bem conduzida. O teclado do início chega a passar uma idéia falsa de leveza e até de chatice, mas “Subdivisions” é pesada, espessa...
“Subdivisions” também é uma das melhores composições do RUSH. Fala de um dos preconceitos mais comuns no nosso dia a dia: a segregação modista, a exclusão social contra os que não moram em determinados bairros ou não frequentam certos lugares. Aborda a seguinte perspectiva: tenha determinada atitude e atenda um determinado padrão ou seja expulso e evitado.
A composição de Peart é sobre aqueles que não são “maneiros”, os que não se preocupam (ou nem tem como se preocupar) com status, modismos sociais e futilidades desse gênero. A letra também é genial ao tratar, com sutileza, dos meios que a sociedade “disponibiliza” para que os afastados se conformem com sua insignificância.
O tédio, o isolamento e a falta de perspectiva dos moradores da periferia, e as dificuldades dos adolescentes em tratar a exclusão de seus pares também são abordadas na música, cuja letra traduzida é mais ou menos a seguinte:
“Espalhados nos confins da cidade em ordem geométrica; Uma fronteira isolada entre as luzes brilhantes e o distante e obscuro desconhecido; Crescendo, tudo parece tão parcial; Opiniões todas arranjadas, o futuro pré-decidido, isolado e subdividido na zona de produção em massa; Em lugar algum estão os sonhadores ou os excluídos tão solitários. Subdivisões: nas salas do colegial, nos shoppings; Ajuste-se ou fique de fora; Subdivisões: nos porões dos bares, nas traseiras dos carros; Seja bacana ou fique de fora; Qualquer fuga pode amenizar a verdade pouco atraente, mas os subúrbios não possuem charme para aliviar os sonhos inquietos da juventude (espetacular essa frase...); Atraídos como mariposas nos amontoamos na cidade; A eterna e velha atração em busca de ação; Acesos como vaga-lumes apenas para sentir a noite pulsante; Alguns irão vender seus sonhos por pequenos desejos ou perderão a competição para ratos; Serão pegos em armadilhas e começarão a sonhar com algum lugar para relaxar seu vôo inquieto, algum lugar fora da memória de ruas iluminadas em noites quietas.”
Eu tenho uma opinião bastante particular sobre a letra de “Subdivisions”. Para mim ela é uma metáfora sobre a exclusão da mídia ao longo dos anos, um protesto inteligente. Eles seriam os excluídos, os que ficaram de fora.
Geddy, Alex e Peart sempre foram outsiders, passando quilômetros longe de qualquer popularidade. Não havia um lado negro, apelos sexuais, pactos demoníacos ou qualquer maquiagem para ajudá-los como banda iniciante. Estudar e se qualificar na música era a passagem para a virtuose e o único caminho para o sucesso, com todo esse vento soprando contra.
Justifico desta forma a inexplicável má-vontade por parte da crítica, praticamente banindo o RUSH das publicações roqueiras durante pelo menos 20 anos. O RUSH jamais apareceu em qualquer publicação sem que o assunto fosse o som da banda, e nas poucas vezes em que tiveram espaço, foram invariavelmente desvalorizados pela crítica. Alguns “experts” rotulavam seu som como excessivamente técnico e faziam chacota com a voz de Geddy e com o temperamento fóbico de Peart. Era algo realmente deprimente, praticamente um “bullying” dentro do cenário roqueiro.
Talvez se eles estivessem metidos em escândalos sexuais e maluquices no palco e fora dele a história fosse diferente. Felizmente a intolerância com o RUSH vem diminuindo gradativamente e hoje o cenário crítico tende ao merecido reconhecimento.
Por isso tudo o RUSH é notoriamente tido como uma banda “nerd”, ouvida por “nerds”. Gente perfeccionista que toca para ouvidos perfeccionistas, digamos assim, pouco se lixando para caras e bocas e atitudes polêmicas. O que importa para eles é a qualidade do seu som e a satisfação de seus seguidores. Daí a idolatria dos seus fãs e a admiração por outros músicos.
Sobre o assunto, Geddy Lee disse o seguinte à revista Rolling Stone, no ano passado: “Nós sempre vivemos e trabalhamos à margem da imprensa e principalmente da crítica. Nós nunca aparecemos em revistas badaladas, em colunas sociais ou em páginas de fofocas. Só viramos assunto ou ganhamos capas de revista técnicas. Sempre fomos muito independentes, talvez isso incomode um pouco parte da mídia. Mas isso mudou ao longo do tempo, principalmente por causa dos fãs. Estamos aí há quase 40 anos e nossos fãs são maravilhosos, nos deram apoio nos momentos mais difíceis. Eu acredito que hoje parte da imprensa pense: 'bem, se existe gente tão devotada por causa desses três, então eles não devem ser tão ruins assim’ (risos)".
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