1969. Um ano de vários fatos marcantes, como a chegada do homem à lua. No mundo da música, mais especificamente no rock, os Beatles terminariam definitivamente sua existência, com o lançamento de sua última obra-prima, “Abbey Road” (posteriormente ainda sairia “Let It Be”, mas já com a banda dissolvida); o The Who nos entregava sua magistral ópera-rock “Tommy”; os Rolling Stones, que ainda enfrentavam a ressaca após a misteriosa morte de Brian Jones, realizaram o fatídico show gratuito no autódromo de Altamont e lançavam “Let It Bleed”. Tivemos o acontecimento do antológico festival de Woodstock, marcando o auge e também o início da decadência do movimento flower-power da contracultura hippie. No Vietnã, batalhas cada vez mais sangrentas, ao mesmo tempo em que a guerra fria vivia seus dias mais austeros. Em meio a dias tão turbulentos, despontam no cenário musical algumas bandas com uma sonoridade mais agressiva, que são tidas até hoje como os pilares do heavy metal. Dentre elas destaque para Led Zeppelin, Black Sabbath e Deep Purple, autoras de discos que se tornariam as “bíblias” da mais pesada vertente do rock and roll.
O INÍCIO
O marco inicial do metal para muitos se deu em 1968, quando os BEATLES gravaram “Helter Skelter” em seu famoso e controverso Álbum Branco. Os motivos que dão base a esta tese são muitos: as guitarras saturadas e estridentes, o vocal “berrado”, a própria levada da música... Como se não bastasse, a canção composta por sir Paul McCartney (cujo título pode ser traduzido como confusão, algo fora de controle) foi citada pelo famoso Charles Manson como sua fonte de inspiração (?) para cometer o assassinato de Sharon Tate, esposa grávida do cineasta Roman Polanski, diretor de “O Bebê de Rosemary” – dentre outros disparates que o levaram gradativamente a chegar ao crime, ele acreditava que o quarteto de Liverpool eram os quatro cavaleiros do apocalipse (!!!), e que a letra de “Helter Skelter” representava a batalha do juízo final (!!!!!). Na verdade, a música se refere a um tobogã popular nos parques da Inglaterra, onde se escorregava de forma meio descontrolada, e foi uma espécie de resposta ao The Who, cujo guitarrista Pete Townshend havia dito em uma entrevista que sua canção “I Can See For Miles” era a mais barulhenta já gravada. Mas isso já é assunto para uma outra longa história...
Há ainda uma terceira corrente, que recai sobre um power trio que tocava mais alto e era mais barulhento do que qualquer banda da época, o Blue Cheer, cujo nome foi retirado de um poderoso tablete de LSD que circulava pela Califórnia naqueles dias. Originalmente um sexteto, após a debandada de metade da banda, os três membros remanescentes Leigh Stephens (guitarra), Paul Whaley (bateria) e Dickie Peterson (baixo e vocal) decidiram aumentar o volume no máximo, para nas apresentações preencher o vazio deixado pelos ex-companheiros. Seu blues-rock extremamente amplificado fez sucesso com uma versão de “Summertime Blues”, de Eddie Cochran, registrada em seu álbum de estréia de 1968, que levava o curioso nome de “Vinceptus Eruptum”, que continha ainda a ótima “Rock Me Baby” e a longa e chapadona “Doctor Please”. Curiosamente, com o decorrer de sua carreira o Blue Cheer foi polindo seu som e diminuindo o volume cada vez mais, num caminho inverso à tendência que o rock seguiria. Alguns hoje classificam o estilo como “stoner rock” (se formos traduzir, rock “chapado”), outros como metal.
Se formos voltar ainda mais um pouco no tempo, temos outros momentos que são lembrados e citados também, como a primeira música a apresentar distorção nas guitarras, “You Really Got Me”, do The Kinks, de 1964 (aquela mesma posteriormente regravada pelo VAN HALEN em seu disco de estréia). Muitos especialistas chegam até mesmo a elencar o lendário Cream, de Eric Clapton, Jack Bruce e Ginger Baker, como pais do som pesado (hipótese a ser considerada, principalmente com relação às elétricas performances ao vivo do trio), bem como o próprio The Who, que além de tocar alto, quebrava tudo no palco, literalmente. Mas, por fim, todos os caminhos acabam sempre levando ao mesmo denominador comum, apontando para as três bandas que dão título a esta matéria como os grupos seminais do estilo.
LED ZEPPELIN
O LED ZEPPELIN foi uma banda que desde o início já tinha cara de super grupo, afinal era formado pelo ex-guitarrista dos Yardbirds, Jimmy Page, junto ao polivalente e conceituado músico de estúdio John Paul Jones, tendo ainda o exímio John Bonham nas baquetas (com sua incrível capacidade de conciliar peso e swing na medida certa) e a grande revelação Robert Plant nos vocais. Vale lembrar, como curiosidade, que o Zeppelin recebeu seu nome após uma piada dos eternos e saudosos Keith Moon e John Entwistle, do The Who – certo dia, os dois estavam junto a Jimmy Page e Jeff Beck, cogitando a possibilidade de fazerem um som juntos, e em certo momento Moon disse que essa banda decolaria tão bem quanto um balão pesado, onde completou Entwistle: “um zepelim de chumbo”.
Contratados pela Atlantic Records, lançam em 1969 seu début, que levava o nome do próprio grupo e fora produzido pelo próprio guitarrista Jimmy Page (com assistência de Glyn Johns, como engenheiro de som). Já tínhamos nele uma boa amostra do que viria pela frente em sua brilhante carreira: alternavam-se canções com guitarras pesadas e uma forte pegada de bateria, como em “Communication Breakdown”, “Good Times, Bad Times” e “Dazed And Confused”, com belas dobradas de guitarra e baixo, tal qual se ouve na fantástica faixa de encerramento, “How Many More Times”, belos temas acústicos, como “Black Mountain Side”... Havia ainda regravações de temas de blues, como “You Shook Me” e “I Can’t Quit You”, de Willie Dixon. O álbum foi gravado em uma mesa de quatro canais, com os quatro tocando ao mesmo tempo, aproveitando-se do reverb e eco que o estúdio produzia, gerando um som único. Num tom de total reverência, Tom Hamilton, baixista do AEROSMITH, disse certa vez: “na primeira vez que ouvi o primeiro álbum do Zeppelin, tive a sensação de que Deus estava saindo pelas caixas de som”. Embora a crítica especializada da época não tenha dado muita bola, foi grande sucesso de vendas.
Como se não bastasse, no mesmo ano ainda chegava às prateleiras outra pedra preciosa que daria continuidade a tudo: “Led Zeppelin II”, produzido novamente por Jimmy Page (agora com Eddie Kramer como engenheiro, notório colaborador de Jimi Hendrix). Alguns seguidores da banda preferem este álbum ao primeiro, afinal ele trazia de cara “Whole Lotta Love”, e tinha ainda no decorrer do disco “Heartbreaker”, “The Lemon Song”, “Living Lovin’ Maid”, “Moby Dick” (com direito ao fantástico solo de bateria de John Bonham), a belíssima balada “Thank You”, “Ramble On”, e “Bring It On Home”, que fechava com chave de ouro. Fã confesso da banda, STEVE VAI conta que decidiu tomar aulas para aprender a tocar guitarra quando ouviu pela primeira vez “Heartbreaker”. O álbum foi gravado em vários estúdios diferentes, nos intervalos entre um ou outro show da turnê de seu primeiro trabalho. John Paul Jones cita que muitas das idéias e riffs surgiam no palco, principalmente nos longos improvisos de “Dazed And Confused”. Foi também o primeiro álbum a atingir simultaneamente o número um das paradas nos EUA e na Inglaterra.
O Zeppelin fez história. Praticamente toda sua discografia é tratada como obra-prima. Sobre os músicos, o que mais dizer? Com seus grandes e exóticos arranjos e sua extensa exploração de afinações alternativas, Page logo galgou seu lugar junto aos deuses da guitarra – quem nunca ficou embasbacado ao ouvir seus riffs e solos inspirados, ou ao vê-lo empunhando um arco de violino para tirar sons inimagináveis de seu instrumento? John Paul Jones é admirado cada vez mais por sua versatilidade e capacidade musical, Robert Plant é, sem dúvidas, uma das maiores vozes da história do rock, e John Bonham até hoje é referência para qualquer cidadão que ouse segurar uma baqueta – uma pena que nos tenha deixado tão cedo.
BLACK SABBATH
Após alguns anos tocando blues em clubes locais sem muito dinheiro ou repercussão, o quarteto da cidade industrial de Birmingham chamado Earth dá uma guinada em sua carreira em 1969. Mudam seu nome para BLACK SABBATH, inspirados em um filme de terror com Boris Karloff que levava este nome, e passam a apostar numa sonoridade mais arrastada e assustadora. Com sua guitarra SG saturada e cortante, Tony Iommi já demonstrava, desde o início, ser o mestre dos riffs. Ozzy Osbourne podia não ser o melhor vocalista do mundo, mas já era dono de um carisma inigualável. A cozinha formada por Terry “Geezer” Butler e Bill Ward era ainda bastante coesa e inspirada. Foi apenas questão de tempo então até conseguirem se firmar no cenário. Após algumas apresentações com o novo nome e a divulgação de um single (“Evil Woman”), conseguem um contrato com a gravadora Vertigo para lançar seu primeiro trabalho, que fora gravado e mixado em, acreditem, apenas três dias, tendo a produção assinada por Rodger Bain.
Para dar uma atmosfera mais sombria, o ótimo disco de estréia, que levava o próprio nome da banda, foi lançado em uma sexta-feira 13, em fevereiro de 1970. A capa do play já era extremamente assustadora para a época (na época, muitos juravam ser uma foto real de uma bruxa). Ao colocar o vinil para rolar, então, muitos já sentiam todos os calafrios possíveis: a introdução da faixa “Black Sabbath”, que dava início a tudo, com aquele barulho de sino ao fundo de uma chuva torrencial, precedia um riff magistral de guitarra (tocando o que no mundo medieval era chamado de “a escala proibida”, pois se acreditava que aquela sequência de acordes o demônio era invocado). Era de arrepiar até os mais céticos. E quando Ozzy começa a cantar “O que é isso que se depara diante de mim?”... Mas o álbum não se resume apenas a isso, afinal ele tinha ainda outros grandes momentos, como a clássica “N.I.B.” (alguém se arrisca sobre o que significa a sigla?), “The Wizard”, “Wicked World”... A produção crua ajudava ainda mais no clima. A crítica especializada, entretanto, caiu matando. O famoso Lester Bangs (o mesmo que foi retratado no filme “Quase Famosos”) citava em sua resenha: “parece com o Cream, só que muito piorado”. De qualquer forma, conseguiu boa repercussão.
Após alguns shows, o Sabbath voltaria a estúdio ainda naquele mesmo ano. Com várias canções prontas, compostas durante a turnê (como era praxe na época), reúnem-se com o produtor Rodger Bain e, em poucos dias novamente, gravam seu segundo álbum e aquele que, para muitos, é sua melhor obra até hoje. Inicialmente o vinil levaria o nome de “War Pigs”, a clássica faixa que abre o trabalho, num protesto claro contra a guerra do Vietnã – tanto que a capa trazia um soldado estilizado, de capacete, espada e escudo nas mãos. Com medo de alguma represália ou censura, atendem aos pedidos da gravadora e mudam o nome, batizando-o com o título de uma nova canção que, segundo o baterista Bill Ward, foi totalmente composta em pouco mais de vinte minutos no próprio estúdio: “Paranoid”. Compõem o registro, ainda, a psicodélica “Planet Caravan”, a antológica “Iron Man” (e um dos riffs de guitarra mais tocados até hoje na história), a instrumental “Rat Salad”, “Electric Funeral”, “Fairies Wear Boots”... Que discaço, não? Não é à toa que Billy Corgan, do Smashing Pumpkins, declarou: “ouvir os primeiros discos do BLACK SABBATH foram os momentos mais sublimes da minha vida”. Como não poderia deixar de ser, a carreira do Sabbath daí pra frente engrenou de vez, tendo criado ainda outras grandes obras, seja com Ozzy ou sem ele, até os dias atuais – mesmo usando outro nome, para evitar conflitos judiciais.
DEEP PURPLE
Embora só tenha conhecido de fato o sucesso em 1970, oDEEP PURPLE já tinha uma boa história pra contar. Formado em 1966, o quinteto trazia em sua formação nos primeiros trabalhos de estúdio os fundadores Ian Paice na bateria, Jon Lord nos teclados e Ritchie Blackmore nas seis cordas, tendo o time completado pelo vocalista Rod Evans e pelo baixista Nick Simper. O nome do grupo, como se sabe, foi retirado de uma antiga canção romântica que a avó de Blackmore gostava bastante. Contratados pela Harvest, gravadora subsidiária da gigante EMI, lançaram três álbuns de estúdio, “Shades Of Deep Purple”, “The Book Of Talesyn” e “Deep Purple”. Tiveram um único e modesto hit, a regravação de “Hush”, de Joe South, que fazia parte de seu primeiro trabalho – que continha ainda covers de “Help!”, dos Beatles, e “Hey Joe”, popularizada por Jimi Hendrix.
Em 1969 ocorre uma mudança crucial no histórico da banda: a entrada dos ex-membros do Episode Six, o vocalista Ian Gillan e o baixista Roger Glover, substituindo Evans e Simper. Lançam o ousado álbum ao vivo “Concert For Group And Orchestra”, gravado no Royal Albert Hall, já com a nova formação, mas não conseguem muito êxito comercial. Porém nos palcos que sua reputação era cada vez mais elogiada, com comentadas performances elétricas e contagiantes – em especial Blackmore, cada vez mais alucinado e influenciado por JIMI HENDRIX, trocando de vez sua velha Gibson Semi-Acústica pela Fender Stratocaster e desenvolvendo gradativamente sua “atuação” nos extensos improvisos instrumentais, onde girava, pisava e jogava para o alto o instrumento. Como estavam prestes a lançar um novo trabalho, com a nova formação, que tal então tentar levar toda essa energia para o estúdio?
Trabalhando junto a jovens engenheiros de som, como Andy Knight, Phil McDonald e Martin Birch (que se tornaria colaborador fixo da banda naquela década, bem como do Rainbow, Whitesnake e IRON MAIDEN anos depois), o Purple passa a tocar e gravar “ao vivo em estúdio” e aposta suas fichas numa sonoridade mais agressiva e pesada (onde, inclusive, o órgão Hammond de Lord passou a ser ligado simultaneamente em uma caixa Leslie e em um amplificador de guitarras Marshall – ganhando seu som característico e o carinhoso apelido de “A Besta”). Destaque também para as notas altíssimas que podiam ser atingidas por Gillan, além de seu timbre espetacular, e para a ótima cozinha formada por Glover e Paice, fazendo um ótimo pano de fundo para os solos intrincados da dupla Blackmore/Lord. O resultado foi “Deep Purple In Rock”, que veio ao mundo em junho de 1970 e foi uma verdadeira porrada na cara dos mais conformistas.
A abertura ensurdecedora com “Speed King” já era garantia absoluta para incomodar qualquer vizinhança. A épica “Child In Time” até hoje é considerada uma de suas melhores músicas. Isso tudo sem falar em “Bloodsucker”, “Into The Fire”, a empolgante “Flight Of The Rat”, “Living Wreck” e a pesadíssima “Hard Lovin’ Man” (“dedicada” a Birch). Complementando tudo, uma capa inesquecível, com os rostos dos integrantes da banda substituindo os presidentes americanos no monte Rushmore. Ah sim, faltou ainda falar de “Black Night”, que havia sido lançada paralelamente como single e foi um hit absoluto, mas ficou de fora do álbum por causa da limitação de espaço enfrentada em tempos de vinil. “In Rock” merece o status de obra-prima, sem dúvida. BRUCE DICKINSON, por exemplo, já afirmou diversas vezes que este é seu disco favorito de todos os tempos. Jon Lord sempre cita-o como o melhor trabalho do Purple.
Mas o álbum não é uma unanimidade como o melhor disco da banda entre os fãs do quinteto: para a maioria o título fica com “Machine Head”, lançado dois anos depois (entre eles houve ainda o ótimo “Fireball”). O famigerado álbum gravado no saguão de um hotel abandonado em Montreux, na Suíça, com um estúdio móvel dos ROLLING STONES, traz uma relação de sete músicas que falam por si próprias: “Highway Star”, “Pictures Of Home”, “Maybe I’m a Leo”, “Never Before”, “Smoke On The Water”, “Space Truckin’” e “Lazy”. Clássico absoluto e incontestável do rock and roll. Existe alguém no mundo que já teve uma guitarra nas mãos e nunca tentou tocar o riff de “Smoke On The Water”? O curioso é que a canção, uma espécie de diário de bordo resumido das gravações, inicialmente não foi a grande aposta do disco. Tanto que o primeiro single foi “Never Before”, que trazia em seu lado B a bela “When a Blind Man Cries”, executada até hoje nos shows da banda. Produção da própria banda, mais uma vez, sob a tutela de Martin Birch. Foi nesta turnê que o Purple gravou o antológico álbum ao vivo “Made In Japan”, outro álbum obrigatório de sua extensa discografia.
40 ANOS DE METAL
40 anos. Mesmo não sendo mais criança e já tendo cabelos grisalhos, o heavy metal continua aí, incomodando muita gente e sendo fonte de alegrias e inspiração para os seus milhões de fãs e seguidores ao redor do mundo. E mesmo com sua data de aniversário correta ainda gerando divergências e debates, é um fato a ser celebrado, com o volume bem alto, e com as mãos para o alto, fazendo os indefectíveis “chifres” do “mallochio”, tão difundido por Ronnie James DIO (essa já é mais uma outra história...).
P.S.: Pra matar de vez a dúvida, a sigla “N.I.B.” não significa “Nativity In Black”, como a maioria acha que seja, principalmente depois do lançamento de dois tributos ao BLACK SABBATH levando este nome. De acordo com Tony Iommi, o título foi simplesmente uma referência à barbicha que Bill Ward tinha, e que se parecia com a ponta de um pincel fino, daqueles usados pelos artistas plásticos para assinar seus quadros, cujo nome em inglês é “pen-nib”. Como o “tinhoso” popularmente é conhecido por ostentar um cavanhaque parecido, e a canção é escrita do ponto de vista dele, criou-se a misteriosa sigla para atiçar as mentes dos ouvintes.
Fontes de pesquisa para a matéria: Wikipedia, Whiplash, Rolling Stone, LedZeppelin.com, BlackSabbath.com, Deep-Purple.com
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