6 de fevereiro de 2011

Rolling Stones: Uma Temporada no Inferno com a Banda

Robert Greenfield esteve no olho do furacão. Entre 1970 e 1972 editou, diretamente de Londres, a tradicionalíssima revista Rolling Stone, uma das três mais importantes e influentes publicações musicais daquela época, ao lado da Billboard e da New Musical Express. A sua experiência com o contato direto e quase diário com artistas que se tornaram ícones de gerações o levou a escrever sobre suas aventuras, gerando obras obrigatórias para quem se interessa pela história da música pop, como “A Journey through America with the Rolling Stones”, “Bill Graham Presents: My Life Inside Rock and Out” (ao lado de Graham), “Dark Star: An Oral Biography of Jerry Garcia”, “Timothy Leary: A Biography”, entre outros.



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O mais recente livro de Greenfield, “Uma Temporada no Inferno com os Rolling Stones” (“Exile on Main St.: A Season in Hell with The Rolling Stones”) conta em detalhes um dos períodos mais complicados da carreira dos Stones. No início dos anos setenta a banda estava literalmente falida, em um reflexo direto do contrato que haviam assinado com o empresário Allen Klein, famoso tanto por elevar as carreiras de seus artistas a um novo nível, quanto por desviar somas exorbitantes desses mesmos artistas. Da mesma maneira que havia feito com os Beatles, Klein submeteu os Rolling Stones a um rígido controle financeiro, só fazendo chegar aos músicos somas muito pequenas de dinheiro, e ainda assim somente após insistentes pedidos.

Quando perceberam, os Stones eram escravos de Klein. Com a ajuda do príncipe austríaco Ruper Ludwig Ferdinand vu Loewenstein-Wertheim-Freudenberg, amigo pessoal de Mick Jagger, consultor financeiro da banda e diretor-gerente do banco mercantil britânico Leopold Joseph, o grupo traçou uma estratégia para, simultaneamente, se ver livre das garras sedentas de Allen Klein e do apetite absurdo do leão inglês, que abocanhava inacreditáveis 93% dos rendimentos gerados pelo conjunto. Para se ter uma idéia, pelos cálculos de Loewenstein, Klein devia 17 milhões de dólares ao grupo. Se hoje essa quantia já é fabulosa, imagine há quase quarenta anos atrás.
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Os advogados dos Stones, sob a orientação de Loewenstein, sentaram-se com os representantes de Allen Klein e, após uma sessão final de negociações que durou 36 horas ininterruptas, fecharam um acordo onde Klein pagaria 2 milhões de dólares ao grupo e ficaria com as masters e os direitos de editoração de toda a obra gravada pelos Rolling Stones até 1970, incluindo não apenas tudo o que já havia sido lançado pelo grupo mas também gravações inéditas registradas no período. Ou seja, Klein estava rindo à toa, enquanto os Stones precisavam imediatamente resolver suas finanças.
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A solução encontrada pelo grupo foi partir para um auto-exílio na França, onde gravariam um disco e, logo em seguida, sairíam em turnê. Um a um, cada integrante da trupe dos Stones partiu para a costa francesa. A base do grupo foi estabelecida na mansão alugada por Keith Richards em Vila Nellcote, transformada em quartel-general durante a estada francesa do grupo e que, segundo histórias contadas por moradores locais, havia servido de refúgio para nazistas em fuga após a Segunda Grande Guerra.
Para quem vê de fora, tudo parecia estar entrando nos eixos, certo? Afinal, você é um dos maiores rockstars do mundo, toca na maior banda do planeta, seu último álbum foi aclamado pela crítica (o clássico “Sticky Fingers”, de 1971) e você está prestes a gravar o seu próximo disco em uma enorme mansão às margens da costa meditarrânea. O problema é que nem tudo eram flores para os Rolling Stones naquele momento.
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Além do caos financeiro causado pela parceria com Allen Klein, o grupo enfrentava outros problemas. Keith Richards e Anita Pallenberg, sua namorada e futura esposa, com quem teria dois filhos, estavam afundados em heroína, consumindo a droga como quem masca chicletes. Por outro lado, Mick Jagger estava prestes a se casar com Bianca Perez Morena de Macias – futura senhora Bianca Jagger –, e logo depois veria o nascimento de sua primogênita, Jade. Bill Wyman e Charlie Watts, acompanhados de suas respectivas esposas, mantinham uma distância sadia da mansão de Keith, enquanto Mick Taylor, ao mesmo tempo em que gravava passagens fenomenais com sua guitarra nas canções que iriam se tornar “Exile on Main St.”, era assombrado por suas inseguranças e medos, revelando os primeiros sinais que o levariam, mais tarde, a sair do grupo.
O relato de Robert Greenfield está repleto de detalhes que apenas quem viveu, pessoal e intimamente, aquele período em Vila Nellcote poderia contar. Seu texto é ágil e fácil, tornando a leitura do livro uma experiência empolgante. Página após página somos apresentados a personagens que faziam parte do cotidiano dos Rolling Stones naquela época, nomes como Marianne Faithful, o pequeno Marlon – filho de Keith e Anita –, Gram Parsons, o fotógrafo Michael Cooper (autor da capa de “Their Satanic Majesties Request”), Marshall Chess (herdeiro da Chess Records e responsável por tocar a recém criada Rolling Stones Records), o produtor Andy Johns, Tony Sanchez (o folclórico Tony Espanhol, traficante pessoal dos Stones e chapa de Keith), Jean de Breteuil (playboy e aristocrata francês, cujos serviços como traficante incluem, segundo os mais informados, a dose de heroína que causou a overdose que matou Jim Morrison em Paris), o bon vivant Tommy Weber e seus filhos Jake e Charlie (como curiosidade, vale dizer que Jake Weber faz o papel, atualmente, do marido de Patricia Arquette na série “Medium”, transmitida no Brasil pela Sony), além de inúmeros outros que vão surgindo como coadjuvantes ao longo do livro.
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A aventura dos Stones se revela uma jornada sem fim. Sob o sol escandante do litoral francês, enquanto Keith e Anita se entopem de heroína, Mick e Bianca se mudam para Paris para curtir sua lua de mel. O tal disco, a razão pela qual o grupo se mudou para a França, fica infinitamente em segundo plano, deixado de lado enquanto os Glimmer Twins e sua trupe tinham outras prioridades. Aos poucos o ambiente de Villa Nellcote revela-se um inferno, com os Stones embarcando em uma viagem caótica, turbinada pela dependência cada vez maior de Keith Richards. A produtividade de Keith, tradicionalmente a força motriz por trás das composições do grupo, está comprometida pelo seu vício cada vez maior, com o guitarrista assumindo um comportamento similar aquele que tanto criticava em Brian Jones, quando esse último aparecia pra lá de chapado nas sessões de gravação da banda. Para constar, Keith só colocaria um fim em seu romance com a heroína no final da década de 1970, após ser preso no Canadá com 28 gramas da droga e ser condenado pela justiça local.
E assim os dias se arrastam. Idéias esparsas surgem de tempos em tempos, e os demais integrantes tentam evoluí-las, quase sempre sem a presença de Keith e Mick. Enquanto isso, pessoas cada vez mais estranhas se transformam em visitantes habituais de Villa Nellcote, como os traficantes corsos que mais parecem personagens do filme “Homens de Preto”, isso sem falar em toda a fauna freak local.
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Enquanto Keith isola-se cada vez mais, Anita dá asas a sua paranóia e vai tornando a vida de todos na casa uma sucessão de causos inacreditáveis. Obsessiva por natureza, a linda modelo que marcou a vida de três Stones (além de Richards, Anita Pallenberg manteve romances com Brian Jones e Mick Jagger) assume, a princípio, o papel de rainha louca da mansão, mas aos poucos as suas atitudes se transformam em piada entre os frequentadores da casa, fazendo com que Anita vire apenas mais um personagem curioso na rica galeria de tipos esquisitos de Vila Nellcote.
Em algumas passagens, o livro de Greenfield assemelha-se a um romance policial, repleto de intrigas e tramas paralelas. A relação entre os moradores de Nellcote e sua relação com a comunidade que os cerca gera inevitáveis conflitos. Robert Greenfield narra esses encontros de forma bastante detalhada, prendendo a atenção do leitor com histórias que, em alguns momentos, parecem saídas de contos quixotescos.
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Para mim, dois aspectos do texto de Greenfield merecem uma pequena crítica. O primeiro é que ao ler a orelha e os trechos da contracapa do livro, têm-se a sensação de que “Uma Temporada no Inferno com os Rolling Stones” trará muito mais detalhes e curiosidades sobre o comportamento dos Stones naquele período do que realmente traz. Ou seja, a propaganda promete mais do que o livro realmente entrega. Pode ser apenas uma sensação pessoal minha, que sempre fui um devorador da intimidade mórbida de meus ídolos, mas tenha a impressão que se Greenfield fosse um pouco mais fundo e, sobretudo, tivesse a coragem de publicar tudo o que realmente viu, o livro seria melhor do que já é.
A outra questão é o esforço contínuo que Robert Greenfield faz para desacreditar toda e qualquer informação que tenha como fonte Tony Espanhol. Tudo bem que as memórias de um traficante naquele início dos anos setenta não configurem, realmente, uma fonte das mais confiáveis, mas daí eu pergunto: no que elas se diferem das lembranças de quem estava do outro lado do barco, vivendo o cotidiano daqueles dias, geralmente entorpecido com os produtos que Tony fornecia? O ranço de Greenfield me soa mais como uma lance pessoal, uma antipatia em relação ao fornecedor habitual dos Stones, do que qualquer outra coisa.
Mas esses pequenos deslizes não desmerecem, em nenhum momento, a qualidade do livro. “Uma Temporada no Inferno com os Rolling Stones” é uma obra indicadíssima para quem se interessa pela história do rock e de um de seus maiores protagonistas, e uma de suas maiores qualidades é justamente trazer uma visão de dentro para fora, com o relato de quem viveu aquela época na mesma sintonia de seus grandes protagonistas. Sem dúvida, uma ótima obra sobre aquela que, desde sempre, é conhecida como a maior banda de rock do mundo.
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