12 de fevereiro de 2011

Parte 01 - A História do Trem


Afora a lucidez de uma pequena parcela de hippies, nome que deriva da gíria beatnick "hip" para determinar alguém consciente ou "por dentro das coisas", a grande nação hippie, na prática, era bastante alienada, apesar do seu discurso sobre "uma consciência universal". Como confirmaria John Lennon no final daquela década, com iluminada precisão, "O sonho acabou." Quanto ao quinhão dos Rolling Stones, qual a sua parte e como é que tudo iniciou?
A História do Trem
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A dupla Jagger e Richards começou em uma manhã de Outubro no ano de 1960, quando Keith Richards reparou um garoto na estação de trem em Dartford com discos debaixo do braço. Em uma época em que a industria fonográfica sobrevivia basicamente por causa dos compactos, pois LP's eram raros de se achar e caros para se comprar, fica então fácil entender porque Keith foi atraído pelos discos como que metal por um imã. Ele imediatamente reconheceu que o rapaz que segurava os álbuns The Best of Muddy Waters e One Dozen Berries de Chuck Berry, entre outros, era ninguém menos que Michael, seu velho amigo dos tempos de jardim de infância. Não fossem os discos, ele provavelmente teria dito no máximo um "olá" de longe. Mas por causa dos LP's, Keith não titubeou, "Bom vê-lo, Mick. Onde você arrumou os discos"? Se tornariam praticamente inseparáveis a partir daí.
Praticamente todas as crianças da sua idade no Reino Unido sofreram um choque com o filme Rock Around The Clock. Michael Phillip Jagger, filho de um instrutor de ginástica e uma imigrante Australiana, foi afetado por aquela música. Pouco depois, aos 13 anos de idade, quando skiffle se tornou uma mania entre os adolescentes, Mick começou a andar com Dick Taylor, um colega de classe que tocava violão e, como ele, gostava de rhythm n' blues. Tocavam skiffle, rock n' roll e o que estivesse nas paradas de sucesso daquela semana. Mick, que então ainda era apenas Michael ou Mike, era bom aluno, querido pelo seus professores, e não tinha um pingo de rebeldia dentro dele. Pelo contrario, era extremamente passivo às exigências dos mais velhos, como Taylor bem recorda. Ele era igual a qualquer outro menino, fora o fato de ser irrequieto e ter uma incrível capacidade de observar e imitar praticamente qualquer pessoa. Essa habilidade foi mais tarde direcionada aos cantores nos discos que ele ouvia. Assim, com duas ou três audições, Michael era capaz de cantar uma canção com toda letra correta e as entonações idênticas ao artista que ele acabara de ouvir. Outro dom que demonstrava ter, e que causava admiração nos colegas, era sua capacidade de convencer as meninas a irem com ele para o matinho, para as usuais descobertas de adolescentes.
Dick Taylor, por outro lado, não tinha um maior compromisso com os estudos e por causa disso acabou tendo que mudar de escola, indo para a Sidcup Art School, um antro de alunos problemáticos. A instituição tinha como maior preocupação manter os adolescentes fora das ruas. No ano seguinte, ele conheceria o novato da turma, de nome Keith Richards, chamado por todos de Ricky.
Keith Richards é cinco meses mais novo que Mick. Em Fevereiro de 1951, aos seis anos de idade, os dois se conheceram no jardim de infância, sendo amigos, além de vizinhos. Mick, comentando sobre essa época, recorda que Keith já falava claramente que queria ser um cowboy como Roy Rogers e tocar um violão. Depois a família Jagger se mudou para outra parte de Dartford e o contato se perdeu. Seu pai era um engenheiro, e queria que seu filho seguisse a sua carreira. Mas Keith nunca quis nada com escola. Em 1957 foi escoteiro, mas não aceitou a disciplina e logo saiu. Sempre foi lembrado como um garoto perigoso, daqueles que as mães mandam evitar. Foi expulso de duas escolas antes de parar na Sidcup Art School.
Nunca se interessou por nada até assistir Rock Around The Clock. De novo, é a música que impulsiona seu interesse, e logo percebe que poderia tocar aquele tipo de música se tentasse. Aos quinze anos ganhou seu primeiro violão. Seu avô nos anos trinta era membro de uma Big Band, portanto Keith foi direto a ele implorar aulas. Uma vez entendendo os fundamentos mais rudimentares do instrumento sentou e malhou o violão até aprender a dominá-lo. Em pouco tempo estava tocando Chuck Berry, nota por nota. Era fã incondicional também de Elvis Presley e Little Richard. Na escola nova, andava sempre vestido de camisa púrpura de mangas compridas e jeans, sapatos pontiagudos e uma jaqueta jeans. Tudo sempre desarrumado. Gostava de furtar coisas das lojas e arrumar brigas. Outro detalhe é que vez por outra tomava comprimidos de Midol, um relaxante, só de onda. Foi na escola, especificamente no banheiro, que conheceu Dick Taylor, que ia às aulas levando seu violão para tocar no pátio. Dick e Keith se tornaram grandes amigos e começaram a tocar juntos. Depois, com mais outro colega, Michael Ross, decidiram formar uma banda de country & western.
Após a abordagem no trem, Keith foi convidado por Mick a visitá-lo em casa para ouvir toda sua coleção de discos. Depois deste encontro, Keith procurou Dick para falar dos discos que ouvira na casa deste velho amigo e descobre que todos se conhecem a anos. Resolveram então tocar juntos, ora na casa do Mick, ora de Dick. Em tempo juntou-se ao trio Bob Beckwith e Allen Etherington. Keith começou a fazer a cabeça das pessoas para seus heróis, Chuck Berry e Bo Diddley, como também da possibilidade de ganhar dinheiro no futuro, tocando essas músicas. Ninguém levou a hipótese do colega muito a sério.
Os Blues Boys
Mick acabou batizando o grupo de Little Boy Blue and The Blue Boys. Não havia muitas pessoas que ouvissem blues na Inglaterra nesta época, e foi uma surpresa e tanto quando, no final de Março de 1962, Keith Richards e Dick Taylor abriram o jornal Melody Makers e acharam o anúncio de uma banda de blues que tocava todo sábado à noite em um clube em Ealing. Allen pediu o carro emprestado ao seu pai e levou a tropa para assistir Alexis Korner & the Blues Incorporated, talvez a primeira banda de blues inglês de qualidade a se destacar. Anos mais tarde, em retrospecto, Alexis Korner, seria chamado de "o grande pai do blues branco inglês", definição e glória que ele nega. Ficaram extasiados com o show e poucos dias depois estavam gravando uma fita demo para mandar para Alexis. Foram gravadas as canções "Around And Around", "La Bamba", "Reelin' And Rockin' " e "Bright Lights, Big City". Um detalhe é que a versão de Mick de "La Bamba" estava repleta de palavras em pseudo-espanhol, palavras que soavam espanhol sem serem palavras de verdade. Fizeram um embrulho e mandaram a fita pelo correio.
Naquela mesma semana, no dia 07 de Abril, antes da fita chegar ao seu destino, voltaram ao clube como passariam a fazer todos os sábados. Mas aos poucos, eles se mostravam mais críticos em relação ao blues que estava sendo tocado ali. O Blues Incorporated apresentava blues pelo seu lado mais jazzístico e a cada vez que o saxofone solava, todos na mesa ficavam deprimidos. "Parece coisa de Big Band" resmunga Keith. Mas foi quando Cyril Davis anuncia Paul Jones para cantar "Dust My Broom", uma música de Elmore James, que o mundo passou a girar diferente. Não que Paul Jones tivesse cantado assim tão espetacularmente. Mick prestou muita atenção pois este número era um dos seus favoritos, e achou a versão de Paul um pouco mais comercial do que a sua com os Blues Boys. Mas o acompanhamento de slide guitar foi como ninguém nunca ouvira antes. Lá estava um loiro, da idade deles, tocando igualzinho a Elmore James. Keith, que nunca vira alguém tocando slide antes, ficou tão atordoado com a execução que logo que a música acabou, subiu no palco e trouxe o loirinho para beber com eles à sua mesa. Assim conhecem Brian Jones.

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