21 de dezembro de 2010

Parte 07 - Consagração e estafa

Com os álbuns Vol. IV e Sabbath Bloody Sabbath, os garotos de Birmingham alcançam a maturidade musical e o prestígio como nunca haviam desfrutado antes, mas pelo lado pessoal, as coisas já começavam a piorar, gerando os primeiros sinais de desgaste que apontariam uma prematura decadência do grupo. Uma temporada "animal" nos EUA, turnês estafantes e um senso brutal de exposição do empresário Patrick Meehan faziam com que a banda simplesmente fosse seguindo em frente, "cega pela neve" e muitas vezes sem nem olhar internamente e perceber os problemas pelos quais estava passando. E quando tudo parecia estar bem e apontar para um descanso para todos, eis que surgia um novo grande compromisso - como o lendário California Jam de 1974. O fim da festa se aproximava lentamente, mas ninguém se dava conta disso...


Parte 7 - Consagração e estafa
Preparado com capricho para ter um belo desempenho nas paradas, o quarto álbum do Black Sabbath encontraria alguns medalhões pela frente. Naquele início de década, 1972, o heavy metal já estava fazendo história graças a nomes hoje lendários, sobretudo o heavy metal inspirado no próprio estilo criado pelo Black Sabbath - bandas como Lucifer's Friend (com sua "Ride the Sky") e o Uriah Heep (amigos de Tony e dos outros, e cujo som, desde o primeiro álbum, lembrava muito o Sabbath) estavam adicionando elementos de magia e bruxaria na temática de seus mais recentes LPs. Diante de tudo isto, os nossos heróis, apesar de vez ou outra voltarem a seus temas habituais, muito por influência de Geezer (o que aconteceria no ano seguinte, com o Sabbath Bloody Sabbath), estavam mais maduros e antenados com os dias atuais, desenvolvendo canções que, apesar de usarem fatos e estórias ancestrais, remetiam aos tempos contemporâneos de maneira metafórica. "Cornucopia", por exemplo, uma das músicas também registradas nos primeiros dias de gravação do Vol. 4, era uma parábola antiga sobre a fertilidade, transposta para a atualidade como uma crítica à prosperidade moderna. Além das letras, o som da banda continuava contagiante, como se podia constatar pelas excelentes "Wheels of Confusion", "St. Vitus Dance" e a fantástica "Under the Sun", repletas de passagens sonoras estratosféricas, mudanças e viradas rítmicas alucinantes e envolventes. Era uma criatividade musical surpreendente. A banda estava em sua melhor fase instrumental, com Tony se esmerando em suas influências de jazz e toda a banda o seguindo em jams ensandecidas que resultavam nos novos sons. "A maioria das músicas nasce de um riff de guitarra inicial, depois trabalhado e explorado musicalmente entre nós", contou ele certa vez. Mas havia espaço também para a destreza lírica do guitarrista, e um dos melhores momentos do novo disco, inspirado pela beleza dos horizontes e paisagens de Los Angeles, seria a linda "Laguna Sunrise", um momento instrumental que chamaria a atenção da crítica musical e começaria a mudar os olhares da imprensa para a banda; havia sido composto por Tony após passar uma noite inteira acordado e, ao amanhecer, ficar enbevecido com as belas visões da praia de Laguna que lhe eram proporcionadas do alto de seu quarto na mansão.
Outros momentos marcantes neste quarto trabalho da banda seriam "Tomorrow's Dream" (que seria escolhida para o compacto que alavancaria as vendas do álbum), a estonteante "Supernaut", e a ode da banda à cocaína "Snowblind", além da já comentada "Changes", com suas austeras e soturnas intervenções de piano e mellotron - tocados por Tony e Geezer, respectivamente. Após o lançamento do disco, inclusive, boatos surgiriam de que teria sido o virtuoso tecladista do Yes, o famigerado Rick Wakeman, que estaria tocando teclados com o Black Sabbath em suas últimas gravações de estúdio, como um convidado especial "secreto", por razões contratuais; tudo porque o músico havia sido visto com Tony e Ozzy em algumas noitadas em pubs ingleses recentemente. Wakeman, no entanto, só prestaria o seu grandiloquente auxílio aos rapazes em seus álbuns seguintes, Sabbath Bloody Sabbath e Sabotage, sob a alcunha de Spock Wall.
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Envolta em grande polêmica, desde a sua gestação, estava a canção "Snowblind", um arrebatador blues metálico, bem pesadão, no qual Ozzy, lá pelas tantas, após uma sumária descrição dos efeitos do pozinho branco apelidado por todos de "snow" (neve), gritava de modo zombeteiro nos mics: "Cocaine!". Era uma espécie de confirmação dada a todos que, ao pegarem a capa do novo LP e ali vissem escrito o nome da música, pensassem no que deveria se tratar o tal título "cego pela neve". Mais uma vez, o setor mais conservador dos executivos da Vertigo pôs seus empecilhos à inclusão de um tema polêmico no próximo disco da banda. A real intenção do grupo, na verdade, era colocar o título de Snowblind no quarto LP deles!
De repente, telefonemas furiosos começaram a cobrar de Patrick Meehan uma solução ao tal problema: caso o grupo resolvesse mesmo cometer uma loucura daquelas, que estivessem prontos para enfrentar um tremendo boicote das redes de lojas mais tradicionais dos EUA, onde o sucesso da banda estava indo de vento em popa e estavam pretendendo fixar residência. O "suicídio fonográfico", provavelmente, seria seguido pelo cancelamento de vários shows da próxima turnê e uma quase inevitável dispensa da gravadora, que não suportaria ter, em sua lista de pagamentos, quatro caras notoriamente tidos como satanistas, sexistas e, agora, toxicômanos declarados. Assim já era demais. A imprensa marrom já andava de olho na banda e em seu farto repertório de escândalos havia tempo, apenas fomentando o culto à polêmica que se instaurara, desde os primeiros tenpos, ao redor do Black Sabbath.
É preciso entender, além de tudo, que a situação política e cultural da época era outra, bem diferente dos dias atuais, em que um Marilyn Manson, por exemplo, choca todos um pouquinho e já vende milhares de discos: os EUA viviam um período conturbado de repressão moral e social, com o republicano Richard Nixon no poder e suas "patrulhas" dos bons costumes em seu ponto máximo de vigília pelo país inteiro - as mesmas que já haviam motivado a perseguição a muita gente importante no meio artístico por suas idéias contraculturais, como a liberação da maconha e o protesto contra a Guerra do Vietnam. Basta lembrar que "subversivos" do porte de Jimi Hendrix, Jim Morrison, Janis Joplin e John Lennon já haviam sido vigiados por agentes do FBI e da CIA por suas idéias de paz e amor livre anos antes, e este último, Lennon, pela intensificação de sua atuação na área política americana, nos anos de 1971-1972, andava enfrentando um pesado processo de deportação. Tudo parecia querer ir contra a mensagem do Black Sabbath sobre a coca, mesmo após terem lançado "Sweet Leaf", que era sobre a maconha, no LP anterior.
A cocaína, no entanto, era uma ferida política e social na qual certos setores da sociedade do início dos anos 70 se negavam a tocar. Tida como o sintoma mais claro da infiltração dos tóxicos na América organizada, era a mais nova "droga dos ricos" (título que ainda persistiria até a década seguinte), trazida de países da América do Sul, como a Colômbia (e fazendo a fortuna de gente como Pablo Escobar, dentro de poucos anos), e era tida como a grande fonte da evasão de dólares para os países baixos. Estudos ao longo dos anos demonstrariam que o farto dinheiro dos EUA é que financiara o gigantesco fortalecimento da indústria das drogas em toda a América Latina e, por consequência, no resto do mundo. E não só por causa do enorme mercado consumidor: investigações desvendariam o escabroso envolvimento de agentes da CIA com este negócio sujo, subvencionando o consumo de soldados americanos no front de batalha vietcongue (como forma de "resistirem", dopados, às pressões da guerra), e financiando transações milionárias de veteranos que voltavam desiludidos ou mutilados aos EUA, e que só encontrariam a sobrevivência, a partir de então, no tráfico de drogas, tornando-se os chefões americanos do ramo ao lado de ex-agentes da CIA.
Por essas e outras é que, durante as sessões de gravação do Vol. 4, quando a banda estava tentando gravar "Snowblind", todos no hall da mansão que servia como estúdio improvisado se entreolhavam nervosamente quando sabiam que a parte em que Ozzy berraria "cocaine" estava chegando. Os técnicos de som estavam a postos, prontos para limar o take e voltar a fita caso o vocalista, desrespeitando as ordens dos "superiores", se atrevesse a jogar tudo pelos ares e, em mais um de seus arroubos etílicos, gritasse a tal palavrinha a plenos pulmões.
Entretanto, no dia de finalizarem as gravações de "Under the Sun" e "Snowblind", com Ozzy já lá pelas tantas bêbado até a tampa, todos se impressionaram quando, no instante fatídico, o vocalista simplesmente cantou as estrofes iniciais da letra e emendou com um sussurrado "cocaine". Apesar da insistência do pessoal da Vertigo para nem mencionar o nome da "coisa" na música, foi o take que ficou, quisessem ou não, e que se tornaria um dos clássicos das banda e da história do heavy metal. "Snowblind", aliás, tinha um refrão sinuoso e envolvente, e seu ritmo pauleira e truncado logo conquistou admiradores entre os manda-chuvas da gravadora. Com Ozzy havendo apenas cochichado a palavrinha mágica na gravação, ficava tudo bem também - era um lance mais sugestivo e elegante, e de menos impacto imediato, na opinião de tudos. O único "não" categórico que ficou foi a imposição, pra valer mesmo, de que o nome do disco não poderia ser Snowblind. Se quisessem até colocar a canção abrindo o álbum (como já haviam feito com "War Pigs", em Paranoid), tudo bem. Mas o título do álbum deveria ser outro.
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Assim, o grupo, na birra mesmo, decidiu pelo nada. Ou seja: nenhum nome seria dado ao quarto disco da banda, num lance bem parecido com o tal "álbum sem nome" do Led Zeppelin, que todos conhecem como Led Zeppelin IV. Diante da recusa de darem um nome para o LP, a gravadora apelou para um recurso bem típico dos álbuns lançados nos anos 60 e 70, e o batizou de Vol. IV. Uma pontinha da fina e típica ironia inglesa, inerente aos membros da banda, no entanto, não poderia faltar: caso você tenha oVol. IV em uma edição com o encarte original, dê uma olhadinha na parte em que se encontra a ficha técnica do disco e você verá lá uma frase assim: "We wish to thank the great COKE-Cola Company of Los Angeles". O agradecimento à "grande companhia de COCA-Cola de Los Angeles" era, na verdade, mais uma pista, a todos que bem entendessem, que a "neve" estava mandando no pedaço, e havia sido escrita assim mesmo, "COKE-Cola", ao invés da grafia normal americana ("Coca-Cola"), numa alusiva piada com a Vertigo de que não poderia haver nada mesmo referente à cocaína na capa do LP. A mensagem passou despercebida para muita gente, mas um belo dia, um agente de publicidade da Vertigo notou a coisa e, esbarrando em Bill Ward em um dos estúdios de gravação, o interpelou sobre aquilo. "Ora, meu chapa, convenhamos... Como não poderíamos agradecer os caras que constantemente levavam aquelas caixas todas para não faltar Coca em nossos copos de Rum?", respondeu zombeteiramente o baterista.
A mensagem, entretanto, ainda tinha um outro sentido, este bem mais evidente para quem estava em contato direto com a banda naqueles dias. Realmente, muita gente andava fornecendo aos montes para o Black Sabbath, e não era exatamente Coca-Cola... Como dito no capítulo anterior, 1972 foi o ano em que a banda chutou o pau da barraca e assumiu seu lado "estrelas", com inúmeras exigências com a gravadora, hotéis, camarins etc. Era demais para as cabeças de todos - um grupo que havia começado em minúsculos pubs de repente estava lotando salões e estádios com capacidade para 20 mil pessoas ou mais, como dizia Tony Iommi! Evidentemente, se entregaram a toda a espécie de exageros e devaneios. E se até os outros, que eram mais comedidos em suas atitudes, assim fizeram, o que dizer então de um bagunceiro inveterado como Ozzy Osbourne? Dali em diante, o cantor consagraria definitivamente a imagem pública que fizeram dele por todos os anos seguintes...
São lendárias e burlescas as estórias que se contam sobre aqueles dias do Black Sabbath em Los Angeles. Ozzy, com uma turma de amigos e roadies da pesada, passaria a ser figura presente em toda a espécie de relatos absurdos. Afinal, ele estava em L. A., a cidade dos sonhos, a meca dos exageros e da megalomania. Cenas grotescas, como o cantor enfiando quatro charutões de maconha na boca enquanto cumprimentava celebridades no clube Trombadour, ou escatológicas, como ele defecando com três amigos do topo do edifício do lendário hotel Hyatt, em Hollywood Boulevard, para ver quem conseguia acertar mais transeuntes lá embaixo, tornam-se folclóricas, e povoam boatos horrorizados de Sunset Strip até o alto das colinas californianas. Também, o fenomenal consumo de bebidas do vocalista tornaria-se sua marca registrada, e logo seria tratado como notoriedade: quanto mais ingeria, mais parecia predisposto a beber mais, e sempre mais, desenvolvendo uma capacidade e resistência física para o álcool simplesmente impressionantes.
Pelo menos uma estória contada na famosa comédia Wayne's World 2 (no Brasil, "Quanto Mais Idiota Melhor"), acerca de Ozzy, é verdadeira, ou quase: no filme, um caricato roadie inglês, que teria acompanhado inúmeras bandas lendárias do rock em suas turnês e excursões nos anos 70, conta para os protagonistas que ele foi levado a arrombar uma loja de bebidas certa noite devido ao irrefreável desejo de Ozzy tomar um bom brandy. O PRÓPRIO Ozzy, no entanto, talvez até para relembrar seus dias marginais em Birmingham e sentir aquela velha adrenalina de larápio nas veias, arrombou algumas lojas em L. A. com alguns amigos para pegar alguns drinks...
Outra mania do vocalista que logo se tornou famosa, também, foi sua fixação por armas de fogo. Isso, diante da paixão americana por tais objetos, nem soa tão estranho: Elvis mesmo só fez aumentar a sua lenda após dar uns belos disparos em aparelhos de televisão em Graceland. Para uma mente perturbada que nem a de Ozzy, no entanto, o fato de estar vivendo em um país que tem verdadeira idolatria por armas, e onde a cada esquina podem ser encontradas lojas com as mais diversas variedades, opções e modelos, deixou o cantor birutinha. Do dia para a noite, Ozzy torraria mais de 80% dos royalties adiantados que recebera da gravadora só aumentando, em cerca de 35 itens, o seu arsenal pessoal. No dia em que viu a compra que o cantor havia acabado de fazer em uma das mais especializadas casas de armas de Los Angeles, Geezer comentou, em tom de galhofa: "Você vai para a guerra, Ozzy?". Era pistola automática, fuzil, escopeta, diversos tipos e marcas de revólveres - inclusive um Magnum 44, aquele usado por Clint Eastwood na série Dirty Harry, e que se tornaria a peça de estimação de Ozzy durante muitos anos. Enfim, toda a sorte de armas que você possa imaginar, Ozzy havia adquirido. E onde usar tudo aquilo?
Bem, primeiramente o cantor começou a frequentar algumas boas casas de tiro ao alvo de Los Angeles, treinando normalmente como qualquer pessoa e aprimorando gradativamente a sua pontaria. Entretanto, logo depois, a brincadeira de atirar em alvos de papel marcados começou a ficar sem graça, e Ozzy, devidamente abastecido de rum, tequila, whisky, e toda a sorte de coisas fortes que você possa imaginar, começou a partir para as ruas de L. A. mesmo, onde pudesse encontrar alvos mais interessantes em que atirar. Não é preciso nem mencionar o susto que Patrick Meehan levou quando ficou sabendo que Ozzy estava andando pela cidade à noite como se fosse um serial killer: pistolas e revólveres camuflados em sua jaqueta, suas botas... Ozzy, no entanto, sempre foi um fanfarrão. Mesmo quando o irritavam com alguma espécie de ofensa pessoal, ele, mais do que ébrio ou doidão, procurava fazer uma brincadeira como resposta. Nas ruas de L. A., os seus alvos preferidos não passavam de tampas de latões de lixo, postes, garrafas, e latas de Budweiser (milhares delas, aliás), atiradas ao ar por amigos.
Uma vez, no entanto, o cantor quase se dá mal: tentando acertar a lâmpada de um poste em uma esquina vazia, de madrugada, Ozzy, já turbinado por duas carreirinhas de "neve", sete latinhas de Budweiser, e quase metade de um Buchanan's, dispara uma projétil que vai pegar na janela de um escritório de publicidade que havia ali perto, e onde havia um senhor (um dos proprietários) ainda trabalhando, fazendo serão. Por pouco, o vocalista não se torna um dos pioneiros do gênero "bala perdida", hoje tão popular. O barulho de vidros quebrando e de um carro batendo em retirada no maior estardalhaço, com Ozzy e dois amigos apavorados, acorda todos, enquanto o homem quase atingido liga para a polícia escondido debaixo de uma das mesas de seus escritórios... Talvez uma explicação para esta anormal paixão do "Madman" por armas pode estar ligada à sua mais tenra idade, quando ele ainda era criança - em 1992, em uma entrevista dada a um jornalista americano, Ozzy comentou que muitas vezes ele saía com o pai e os irmãos para caçar em florestas e bosques próximos a Birmingham, inclusive para poder ter o que comer, diante da miséria em que viviam. "Fui acostumado desde cedo a correr atrás daqueles esquilinhos de Sherwood", disse o cantor sorrindo.
Embora o desastrado Ozzy, em suas arruaças, tivesse a sorte de muitas vezes se safar da polícia americana, nas vezes em que era pego durante as suas peripécias nas ruas a coisa não ficava boa, e lá ia Meehan e uma entourage de advogados contratados pela Vertigo para limpar a última merda que o cantor havia atirado em cheio no ventilador. Logo, ficou bem claro que a banda tinha que terminar logo as gravações do álbum, sair dali e pôr os traseiros na estrada, trabalhar - pelo menos, então, não teriam tanto tempo vago para continuarem trilhando o caminho da insanidade. Entre os outros membros, também, a coisa não estava muito boa: entre Bill e Tony, por exemplo, havia se desenvolvido uma desagradável competição em termos de "pegadinhas" que um aplicava no outro, desde a vez em que Tony, poucos dias após a chegada deles em Los Angeles, jogou fluído de isqueiro nas pernas de Bill e tocou fogo nelas. A "gozação" podia ter sido mais séria, e custou ao baterista um dos seus mais preferidos pares de calças jeans. Bill, como revanche, aplicou várias peças inesperadas em Tony durante a estadia deles na mansão, e o clima também não ficou bom entre eles quando, uma bela noite, o guitarrista estava voltando para casa com duas estonteantes beldades californianas com quem pretendia se aquecer. Ao entrarem os três no nababesco quarto de Tony, foram surpreendidos com um volumoso balde de urina que caiu de cima da porta, e que molhou, principalmente, o guitarrista. Tony ficou puto, e algumas semanas sem nem olhar para a cara de Bill foram o resultado da brincadeirinha.
Isso tudo ilustra muito bem como pode se dar o início da decadência de uma banda: Los Angeles era despojamento e fascinação, e todas as suas maravilhas e possibilidades inebriavam os caras do Black Sabbath. Mas, no clima de loucuras e paranóia que criava nas mentes de todos, levando-os a curtirem intensamente cada minuto como se fosse o último, indicava, também, os rumos que estreitariam o grupo com a sua ruptura. Logo, de maneira bem implícita, a banda começou a se polarizar em duas extremidades distintas: de um lado, Tony e Geezer, mais compenetrados e sérios em suas posturas, predispostos a serem os "mandões", e de outro, Ozzy e Bill, mais leves e descontraídos, brincalhões e anárquicos, e claramente irreverentes diante daquela nova realidade que parecia querer se impor. Algo que sempre existiu, aliás: mas que só agora, diante dos efeitos de várias substâncias químicas e oportunidades, se tornava mais claro aos olhos de todos. A democracia, a paz e a estabilidade da banda passariam a ser ameaçadas, dali em diante.
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As gravações do Vol. IV estavam praticamente terminadas, e o Black Sabbath estava já se preparando para cair na estrada, quando, numa bela tarde, aparece na mansão do grupo uma visita surpresa, que Ozzy não estava nem esperando: proibida de aparecer em Los Angeles enquanto a banda estivesse realizando as gravações (para "não quebrar o clima"), a mulher de Ozzy, Thelma, pede ao motorista da limusine para descarregar a bagagem e ajudá-la a levar para dentro da enorme casa. Ao entrarem, a moça já vai achando muito estranho o tal "clima" que devia ser o propício para as gravações: a mais variada fauna de tipos humanos ocupa o lugar, vários deles de aparência gritantemente agressiva: traficantes, promotores de shows picaretas, junkies desocupados - todos "amigos" da banda. Enquanto isso, Tony, que nem percebera a chegada de Thelma, estava num dos cantos da sala de jogos, conversando expansivamente ao telefone, enquanto uma gangue de Hell's Angels jogava sinuca e uma garota seminua andava entre eles abastecendo constantemente seus copos. Thelma olha para a piscina, procurando Ozzy. Ele não está lá, mas um exército de garotas de topless, agarradas aos roadies da banda, está - todos bebendo, cheirando, rindo e conversando descontraidamente. O motorista pergunta a um dos rapazes onde fica o quarto de Ozzy, ao que ele responde, com um sorriso malicioso, "lá em cima, o primeiro virando o corredor à direita". Ao chegarem lá, Thelma empurra sem nenhuma cerimônia, e já bastante irritada, a colossal porta de madeira, e se depara com duas garotas loiras, nuas e totalmente apagadas, em cima da cama do marido. Horas depois, após chegar, Ozzy alegaria que as garotas eram de Geezer, mas estavam ali pois a cama dele tinha quebrado, lamentaria, berraria, choraria, e prometeria que aquilo nunca mais aconteceria, o que passou a ser uma constante na vida do cantor. Ozzy passaria longos anos de sua vida promotendo, fosse para um amigo, um empresário, uma esposa, ou quem quer que ouvisse seus desabafos, que ele nunca mais cometeria um tal erro, nunca mais "pisaria na bola"... - para voltar a fazer tudo de novo no minuto seguinte: mulheres, drogas, bebidas... Mais uma característica marcante do mito que acompanharia o vocalista.
Tão logo conseguiu se reconciliar com a esposa, aproveitando o belo cenário de Los Angeles para armar uma segunda lua-de-mel (e de onde sairia a gravidez de sua primeira criança legítima, Jessica), Ozzy cai na estrada com o Sabbath, e passarão o resto do ano numa turnê avassaladora de ponta a ponta na América, promovendo o lançamento do quarto álbum.
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Figurino espalhafatoso e êxtase: Black Sabbath ao vivo em 1972.
Aquele era o ano do "rock glamouroso", o glitter rock de gente como David Bowie, Alice Cooper e Mott the Hoople estava surgindo e subindo nas paradas - uma modalidade de som ousada e "bichesca", para muita gente que via naqueles novos rebeldes transgressores o signo da androginia e da efeminação no rock. Na verdade, estavam nada mais, nada menos, do que seguindo as propostas de pioneiros na postura desafiadora de palco de gente como Mick Jagger, Lou Reed e Iggy Pop, e acabaram por definir todo um estilo que continuaria reinando no mundo pop por muitos anos afora, de Queen e Sweet até as bandas pouseur dos anos 80, como Motley Crue e Faster Pussycat. O glitter rock, com seus artistas soltadores de franga e performances super decoradas e teatrais em concertos, acabou por sua vez definindo toda uma nova tendência de figurinos no rock, e até bandas que não eram glitter estavam entrando nessa, com suas novas e arrojadas roupas e atitudes extravagantes em palco, cada uma procurando impressionar mais do que a outra. Foi assim, por exemplo, que o Led Zeppelin começou a caprichar nas roupas com detalhes místicos e colocar iluminação a laser nos seus shows; que o Emerson, Lake and Palmer, o mais tresloucado e megalomaníaco de todos os grupos progressivos, começou a se caprichar também no visual e promover verdadeiros festivais de luzes e fogos em seus concertos. O Black Sabbath não iria tão longe, mas visualmente, e depois de banhos de lojas em Los Angeles, estava vestindo figurinos bem diferentes daquelas surradas roupas de início de carreira. A partir de agora, popularizavam-se, nos palcos, as as enoooormes calças boca-de-sino e as blusas reluzentes de Geezer, o visual negro e repleto de crucifixos e penduricalhos de Tony, as batas enormes e cafonérrimas de Bill, e as também batas e camisas com franjas enormes, caraterísticas de Ozzy, que o próprio vocalista estaria representando na capa do Vol. IV.
Obviamente, além do visual mais "moderninho" (para os padrões da época, diga-se de passagem), a banda ainda punha mesmo para quebrar era no som vigoroso - som esse que, apesar de tudo, não escondia a ousadia das letras que, vez ou outra, ainda eram motivo de dor de cabeça para a banda. Embora já não estivessem mais sendo tão perseguidos e assediados por seitas ocultas, de vez em quando algum lunático mais exacerbado pregava um susto na banda, como em um show da turnê ocorrido em Memphis, Tenessee, em que um fanático conseguiu romper a barreira da segurança e subir ao palco no meio da apresentação, armado com uma faca e se atirando em direção a Tony, na tentativa de golpeá-lo. O maníaco foi detido a tempo, mas por muito pouco Tony não teria caído sangrando ali mesmo, no meio de uma execução de "N.I.B." : como sempre, a péssima reputação da banda a acompanhava e motivava incidentes desagradáveis como esse, especialmente em locais mais interioranos e de mentalidade retrógrada, como em Memphis, "terra de Elvis e de caipiras".
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Algumas dessas apresentações do final de 1972 seriam gravadas, pois estava nos planos da banda, caso dessem uma parada para descansar e poderem se concentrar um pouco mais em suas vidas pessoais e familiares, - praticamente nulas com toda aquela loucura da carreira - o provável lançamento de um registro ao vivo em disco, que era algo que muitos fãs reinvindicavam já há algum tempo. O espetacular Made in Japan, do Deep Purple, havia batido recordes em vendas, e mostrava o quão boa e enérgica podia ser uma gravação ao vivo de uma banda de rock, dando uma boa idéia do seu real poder de fogo e da emoção dos shows. Bem, o Deep Purple era uma banda virtuosíssima, de integrantes afinadíssimos com os longos improvisos e firulas sonoras - o que, vamos e convenhamos, não era bem o caso do Black Sabbath, que sempre atingiu mais e provocou impacto com o seu peso simples e maciço, direto, sem enrolações. Riffs precisos e cortantes da guitarra de Tony, lamentos e berros paranóicos de Ozzy, e a cozinha metálica e precisa de Geezer e Bill: o Black Sabbath, em suma, era isso, e era a pura competência no assunto, ainda que os críticos inicialmente chiassem para a proposta. Qualquer um que já tenha ouvido lances mais progressivos do Black Sabbath em gravações piratas dos anos 70, como eles tentando executar "Sabbra Cadabra", "Junior's Eyes" ou "Megalomania" ao vivo, sabe como eles acabavam se atrapalhando um pouco na coisa.
Entretanto, para Tony, parece que não estava bom o suficiente ainda, e isso foi o motivo de um outro ponto de desgaste que passou a incomodar a banda, por dentro. Durante as apresentações ao vivo, diante de toda a mega-ostentação sonora e virtuosismo de músicos da época, como os próprios caras do Deep Purple, do Led Zeppelin, e todos os grupos progressivos, o guitarrista passou a querer incrementar mais o som do Sabbath com mudanças de ritmo, viradas, e passagens sonoras incementadas - e ainda interligando tudo com vários solos e improvisações, nas apresentações ao vivo. É uma característica da banda que pode ser bastante sentida nas músicas e shows do grupo a partir de 1972 - e que passou a irritar Ozzy. Com o passar dos anos, a coisa foi se agravando de tal modo que, em seus últimos concertos na década, cerca de 40 minutos de uma apresentação do Sabbath, de um total de 90 minutos, em média, eram compostos, basicamente, de jams jazzísticas e instrumentais do grupo, com Tony solando, esfomeado de guitarra, no meio de várias músicas do grupo, enquanto Ozzy ficava olhando de soslaio e rancorosamente num canto do palco, e tentava, em vão, agitar a galera com o mesmo pique de antigamente. O próprio vocalista argumentaria, depois que saiu da banda e iniciou sua carreira solo: "Nos últimos shows o Tony ficava lá, fazendo enormes solos de jazz de bocejar, e eu lá, só olhando ele de um canto do palco, quase implorando para ele parar e voltar a tocar um rock. Não importa o que pensem, cara: o Black Sabbath não é jazz; pra mim, o Black Sabbath sempre foi rock, cara, rock!".
Pois é, dá pra sentir como o clima de briga em gravações e ensaios começaria a ficar intenso a partir do final de 72, né?
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Black Sabbath em 1973: de volta à Inglaterra, mas rodando o mundo inteiro .
Devido a isso, as coisas só pioram em 1973, deixando os nervos e neuras de todos os membros da banda expostos: o ano começa e termina com pouquíssimos dias de descanso para todos. Excursionando de janeiro a setembro daquele ano, por diversas cidades da Inglaterra, EUA, Canadá, Austrália, Japão e o escambau, numa verdadeira tour-de-force- mundial, o Black Sabbath começa a sentir na pele o real significado da palavra "estafa", e durante os concertos, os sinais do cansaço e do estresse são mais do que visíveis. Em uma apresentação em Vancouver, Canadá, Ozzy esquece as letras de metade das músicas - exatamente as mais recentes, e uma ruidosa vaia se faz ouvir quando o vocalista, de saco cheio, começa a atirar baldes de água fria preparados pelos roadies nas pessoas mais descontentes nas fileiras da frente. Faria pior em Illinois, EUA, bêbado e totalmente indisposto, mostrando a bunda para um público de 12.000 pagantes. No início do ano, na Suécia, seria a vez de Bill Ward, atrasando a apresentação do grupo em mais de uma hora por ter "apagado" nos fundos de um bar onde tinha ido beber ainda durante o dia, quase não tendo sido encontrado. Por sinal, tanto ele quanto Ozzy, devido às suas rotinas de excessos monstruosos, começavam já a ostentar portentosas barriguinhas de cerveja, que aumentariam ainda mais as suas já parrudas silhuetas. Certa vez, nos bastidores de um show em San Diego, uma das groupies que estava com Geezer começa a tirar sarro do vocalista, cada vez mais gordo e inchado. A reação do vocalista é agarrar a garota enquanto Geezer não estava vendo e lançar uma série de arrotos na cara dela... e mais uma briga estava formada.
Se naqueles dias, um dos grandes responsáveis por esfriar a cuca de todos e ainda manter a banda unida era o empresário, Patrick Meehan, por outro lado, pessoas chegadas a Tony e Ozzy começam a fustigá-los a que pesquisem, mais a fundo, como estão indo as finanças da banda. Tantos shows e tantas turnês, para uma banda que não gastava tanto quanto um Led Zeppelin ou um Pink Floyd, por exemplo, em termos de produção, e ainda tinha um lucro mais modesto do que estas celebridades do rock, demonstravam que algo andava errado nos cofres. Era muito trabalho e correria para uma receita não muito condizente. Entretanto, Meehan era esperto e sabia manter seus rapazes dispersos em relação a isto, sempre arranjando novos shows e novas datas com o intuito de que ficassem sempre muito ocupados para se ligarem nos negócios. Outro ponto polêmico que surgia era a questão do tal disco ao vivo, que o grupo queria lançar ainda em 1973 - entretanto, parte do material gravado nos últimos shows de 1972 havia sido considerado fraco pela própria banda.
E agora, de seis apresentações gravadas entre fevereiro e maio de 1973, Meehan desprezara a maioria do material, e, sempre visando o lucro acima de tudo, alegou aos membros da banda que era melhor aguardarem um pouco mais o término da tour em andamento para já se concentrarem em um disco novo, que poderia ter um melhor desempenho nas paradas do que uma simples coletânea de músicas ao vivo - Black Sabbath era um nome em voga, e todos sempre aguardavam com ansiedade por novidades da banda. Tony e Ozzy, entretanto, já haviam maquinado com alguns técnicos de som a mixagem de algumas gravações daqueles shows, para que ficassem já "no calibre" caso a gravadora se decidisse pelo lançamento do álbum. Foram escolhidas duas apresentações gravadas no mês de março, no clube Hard Rock, de Manchester (a 11 de março daquele ano), e no lendário Rainbow, de Londres (no dia 16 de março). Mais uma vez, o álbum ao vivo teria que esperar, ainda que, na opinião de Ozzy, era mais do que conveniente lançar o disco para que ele e os outros pudessem ter ao menos um tempo maior para descansar antes de gravarem outro LP...
Para o próximo álbum do grupo, todos concordavam em voltar a L. A. e gravá-lo nos mesmos moldes do Vol. IV, inclusive na mesma mansão. Porém, o local já havia sido ocupado por novos inquilinos, e a Vertigo não estava disposta a arcar com os pesados gastos dos estúdios californianos, já que tudo podia ser feito na Inglaterra mesmo. Foi assim que, talvez, procurando um pouco mais de tranquilidade e um clima mais bucólico e pastoral para registrarem as novas composições, em outubro de 1973, Geezer propôs a todos a estadia do grupo, durante alguns dias, em um velho castelo na região norte da Inglaterra - que, por sinal, não ficava muito distante do local onde havia sido tirada a famosa foto da "casa da bruxa", para o primeiro LP da banda. O lance era fugirem um pouco da correria das grandes cidades, à qual estavam condicionados desde o ano anterior (e especialmente após a temporada em Los Angeles), e conseguirem encontrar um maior clima de paz e isolamento para gravarem o novo disco, só entre eles mesmo, voltando às raízes. Todos os membros toparam de cara.
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O visual do grupo no final de 1973 - os brincalhões Bill e Ozzy, e Tony, sem bigode e tomando uma "coca"... a bebida!.
Nenhum dos rapazes, entretanto, imaginava que as sessões de gravação do próximo álbum, a serem registradas no tal castelo, se tornariam as mais famosas da história do grupo - e justamente por fatores que eles forçavam e eles mesmos a esquecer. Mais do que nunca, o sobrenatural continuava a rondar os passos do grupo.
Na primeira noite de estadia no enorme recinto, a banda ensaiou e tocou um pouco do novo material, como sempre faziam. Como sempre, também, Ozzy se fazia acompanhar por enormes garrafas de Chivas Regal ou qualquer bom whisky que o deixasse "no clima". Após o término da sessão, músicos e técnicos foram retirando os instrumentos e a aparelhagem, enquanto Ozzy foi ficando por ali mesmo, estirado em um sofá enorme, ao estilo vitoriano, que estava no mesmo salão. O pessoal da gravadora tinha compromissos no dia seguinte, e como ainda estava relativamente cedo para pegar a estrada (oito horas da noite), resolveram puxar o carro e partir para Londres ainda naquela hora. Ficaram no castelo, portanto, só os membros da banda mesmo. Enquanto Tony, Geezer e Bill arrumavam suas coisas na parte superior do lugar, Ozzy cochilava a sono solto no salão central que, como todo castelo que se preze, não possuía iluminação elétrica: era tudo na base dos candelabros e tochas mesmo. Também seguindo a estética tradicional do lugar, o chão era forrado por enormes tapetes repletos de signos medievais, e tudo contribuía para dar ao ambiente um aspecto ainda mais sinistro do que a escuridão imperante poderia sugerir.
Subitamente, uma grossa faísca de um dos candelabros, sem qualquer explicação aparente, cai no tapete do salão onde Ozzy está dormindo, e a propagação do fogo é rápida e espontânea, atingindo também os ancestrais móveis de madeira nobre. Em dois minutos, o lugar inteiro está ardendo em chamas! Um ainda tonto e sonado Ozzy acorda, mas somente por causa da densa fumaça que toma o recinto inteiro e lhe causa tosse. Levanta-se totalmente baratinado com aquilo, e o primeiro pensamento que tem, ainda inebriado de álcool, é: "Bem, morri sem perceber e agora cheguei aqui mesmo. Esse é o tal lugar...". De repente, em meio às chamas, ouve-se a voz de Tony gritando. Geezer destampa um extintor e começa a jogar a espuma por todo o lugar, desesperado como um louco. Ozzy sai correndo em meio às chamas, chamuscando as suas calças, e em menos de um minuto, ele pode enxergar o perigo do qual escapou por pouco, observando o reino de cinzas em que se transformou o salão...
Aquilo não foi tudo, no entanto. Ainda na mesma noite, apenas meia hora após o estranho incidente do incêndio, que já deixara todos com a pulga atrás da orelha, os quatro estão subindo a infindável escadaria que conduz aos aposentos do segundo andar, se entreolhando cheios de dúvidas e doidos para falar uns com os outros o que todo mundo está pensando mas, que depois do incidente com Ozzy, ninguém tem a coragem de dizer: o castelo tem um clima muito estranho. Ao chegarem ao corredor principal do segundo andar, Geezer está comentando algo com Bill sobre uma nova música, e Ozzy e Tony vêm logo atrás, quando de repente todos param subitamente arrepiados, uns se encostando nos outros no maior susto: um vulto é visto entrando em um dos salões do segundo andar. A cena foi muito rápida, e ninguém consegue notar se é um homem ou uma mulher ou que roupa estava vestindo - eles apenas podem jurar que aquela pessoa estranha estava ali e que, ao contrário do que eles estavam pensando, eles não eram as únicas pessoas que estavam dentro daquele castelo!
Apesar dos calafrios e de toda a desagradável sensação que começa a tomar conta deles, Ozzy toma a frente e conclama aos colegas: "Isso não está certo. Vamos ver quem é!". O grupo segue em passos rápidos rumo ao salão onde o vulto adentrara. A gigantesca porta de entrada estava escancarada, mas ao chegarem lá dentro, notam que a porta de saída do salão, que dava para outro recinto do castelo, está trancada. Detalhe: por dentro. Nenhum barulho, dadas as proporções da porta e de sua pesada chave de ferro, fora ouvido. E não há ninguém no salão. Tony, Bill, Ozzy e Geezer procuram em todos os cantos, não acreditando no que seus olhos estavam os mostrando, e nada: não havia uma partícula de ser humano naquele salão, apesar de terem visto o vulto ali entrar. E a porta de saída estava lacrada com uma enorme chave por dentro, do outro lado não havia nada - era impossível que a tal pessoa tivesse saído por ali, se não poderia voltar e trancar a porta com aquela mesma chave, do lado de dentro. A menos que... mas essa era uma opção na qual nenhum dos membros da banda queria pensar, naquele momento. Entretanto, inevitavelmente, já estavam pensando.
Bill, exasperado, foi o primeiro a dizer: "Isso não é deste mundo!", seguido por Ozzy. Geezer, então, começou a contar a história dos antigos habitantes do castelo, e de tudo aquilo que já havia ouvido falar dos inquilinos anteriores. Coisas estranhas, ruídos assombrosos e fatos inexplicáveis, várias vezes. Tony o interpela: "E só agora você vem nos dizer isso então?", ao que Geezer responde: "Pensei que fosse tudo só lenda". E bem ao seu estilo fanfarrão, Ozzy é o primeiro a manifestar a batida em retirada: "Bom, lenda ou não, o negócio é o seguinte: estou caindo fora daqui. Não quero fazer nas calças quando menos esperar. Quem quiser, que me acompanhe!". Nem é preciso dizer que todos abandonaram o castelo na mesma noite.
Ainda que estivessem horrorizados pela experiência macabra daquela noite, na semana seguinte o Black Sabbath acabou alugando um outro castelo, a duas milhas dali, mas com melhores "antecedentes", e devidamente habitado por uma criadagem animada que dissipasse qualquer sombra fantasmagórica mais suspeita. Em duas semanas, os trabalhos de gravação do novo disco estavam terminados. E fatos realmente estranhos vinham acontecendo durante a concepção do álbum - inclusive um, pouco comentado até hoje: Ozzy dera de presente a Geezer um livro de poesias celtas, que era uma verdadeira peça de colecionador, um item de museu que somava já 400 anos de idade. Geezer contaria que, ao levar o tal livro para casa, ele teve aquela que ele descreve como "a experiência mais aterrorizante de sua vida". Ao chegar e colocar o livro sobre uma estante, Geezer se lembra de ter virado e, no mesmo minuto, ter visto um horripilante gato preto na sua frente. Aparecido do nada. O gato o fitou fixamente, saiu correndo e pulou sobre uma das janelas de sua mansão. Ao se virar, olhando novamente para a estante, Geezer notou que o belo presente que ganhara de Ozzy não estava mais ali. O livro de 400 anos havia misteriosamente desaparecido, de forma inexplicável, para nunca mais ser encontrado.
O clima fantástico de mistérios e castelos que envolvia o Sabbath naqueles dias ajudou a banda a novamente se inspirar em temáticas bastante místicas para as novas canções, e o resultado acabaria sendo aquele que é considerado por muitos, até hoje, o melhor e mais bem desenvolvido trabalho gravado pelo grupo até hoje. A peça principal do álbum, "Sabbath Bloody Sabbath", era uma viagem alucinante que sondava os mistérios da mente humana e da escravidão cerebral, com um refrão lírico cativante. Outras músicas, como "National Acrobat" e "Killing Yourself to Live" traziam o velho peso de sempre, mas com muito mais técnica e espontaneidade. E em faixas como "Sabbra Cadabra" e "Looking for Today", por exemplo, a porradaria maciça da banda se casava perfeitamente com sutis intervenções de cordas e passagens orquestrais, que davam um toque ainda mais mágico e onírico ao som da banda, evocando imagens surreais de castelos e contos assombrados, em uma perfeita síntese sonora das letras enlouquecidas de Geezer. Nesta aventura extremamente bem produzida e que cativou definitivamente os críticos musicais de então, que já vinham esperando desde o Vol. IV a redenção do heavy metal sabático ao bom gosto progressivo e melódico, foram muito bem recebidos lances mais experimentais, como "Who Are You" - agora sim, Rick Wakeman, sob o pseudônimo de Spock Wall para evitar problemas contratuais entre gravadoras, participava com todo o poderio grandiloquente de seus teclados estratosféricos - e também a mais bela faixa instrumental já produzida por Tony e sua banda: "Fluff", uma terna e emotiva suíte de violões e guitarras em diferentes tonações.
Mas talvez o trabalho que mais tenha surpreendido os críticos e agradado em cheio os fãs de rock da época tenha sido a balada pesada "Spiral Architect", com toques eruditos e passagens soturnas e inebriantes, típicas do melhor que o Sabbath tinha para oferecer. Começou muito simples: havia uma introdução dedilhada ao violão por Tony desde o início das gravações do álbum, chamada "Prelude to a Project". Pouco tempo depois, Geezer apareceu com o riff que dominava o corpo da música, e a partir daí sentaram-se juntos e desenvolveram o tema principal, já pensando em colocar algumas cordas e violinos para realçar o som da canção. Logo, a pequena e melancólica introdução foi adicionada ao início, dando uma entrada perfeita para o delírio sonoro que se desenrolaria a partir dali. Acabaria sendo o fecho de ouro para um LP que seria o mais vendido da banda, desde Paranoid. O disco seria lançado com um belíssimo trabalho de arte de Drew Struzen, que anos mais tarde seria o responsável pelos primeiros cartazes de lançamento do clássico filme Star Wars (Guerra nas Estrelas), de George Lucas.
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Prevendo o sucesso de seu lançamento, Patrick Meehan organiza com a ITV inglesa a produção de mais um clipe promocional, a ser veiculado durante o Top of the Pops e outros programas musicais de sucesso da época, na Europa e EUA. Aqui no Brasil, foi um delírio, quando foi exibido em edições do Sábado Som e outros programas de TV de "música jovem", que passavam na Rede Globo e na TV Cultura dos anos 70. Os jovens brasileiros, vivendo um atraso de cerca de dois anos em relação às novidades musicais do mundo (quem diria que um dia haveria MTV e Internet...), e sufocados por um regime militar e uma sociedade quadrada e castradora durante muito tempo, deliravam vendo na telinha as imagens de Ozzy, Tony (estranhíssimo sem o seu bigode usual), Geezer e Bill brincando em bosques ingleses com a câmera e viajando a anos-luz de velocidade pelas estradas de Londres nas imagems nonsense do clipe da música-título do novo disco, "Sabbath Bloody Sabbath". Também podia-se notar como Bill já se encaminhava aos recordes da balança com uma cara de bebum gozadíssima e uma pança enorme, demonstrando no vídeoclipe o tamanho dos canecões de cerveja a que ele andava se dedicando...
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Cenas das brincadeiras da banda no clipe de "Sabbath Bloody Sabbath".
Lançado no finalzinho de 1973, Sabbath Bloody Sabbath foi a consagração definitiva de uma banda que, já havia muito tempo, estava lutando para garantir o seu lugar ao sol... ou nas sombras! Mas que, de qualquer forma, agora estava definitivamente inscrita no panteão sagrado das lendas do rock. Dessa forma, 1974, após a usual turnê de lançamento do novo disco, finalmente foi um ano mais tranquilo para a banda, com os seus membros descansando mais, curtindo suas famílias e os afazeres de suas vidas particulares e viajando menos. Ozzy inclusive encontrou tempo para descansar em sua grande propriedade rural em Leicester e provocar a boataria da imprensa marrom e a ira de sua vizinhança, ao promover um polêmico tiroteio durante uma tarde de beberrança no enorme cercado onde ficavam as galinhas e os chiqueiros com porcos. Aparentemente, após uma discussão com Thelma, o vocalista se refugiou nos fundos de seu sítio com o seu arsenal bélico, e despejou a sua fúria em forma de chumbo nos pobres animais. O barulho fez a vizinha da propriedade ao lado pensar que se tratava de um bando de marginais invadindo o local, e chamou a polícia, que prontamente apareceu já carregando a tiracolo equipes de jornalistas e repórteres de TV. Na época, Ozzy deu uma declaração sarcástica ao sempre escandaloso semanário inglês The Sun: "Você já atirou em gatos? Eu não... Uma vez atirei em um cavalo, pois simplesmente gosto de atirar, mas acho que é algo completamente diferente de atirar em gente. Gosto de atirar, só isso... relaxa. Tenho uma coleção de armas em casa".
Os fãs, sempre sedentos pela presença estonteante do grupo nos palcos, no entanto, sempre exigiam o retorno do Black Sabbath ao seu habitat natural, e lá iam eles novamente. Em 6 de abril de 1974, um grande compromisso esperava a banda: promovido pela rede de tevê americana ABC, o festival California Jam tinha como proposta a tentativa de reeditar alguns dos grandes festivais de música dos anos 60, mas com a tecnologia e os grupos que estavam fazendo sucesso nos 70, e transmitir tudo ao vivo e sem cortes, em um dia inteiro de shows, pela primeira vez, pelo então novo sistema via satélite para mais de 10 milhões de pessoas. Era, simplesmente, O EVENTO naquela altura da década, quase uma espécie de "Woodstock" televisionado, e milhares de ingressos já haviam sido vendidos para o local, o circuito de corridas Ontario Motor Speedway, especialmente preparado para o concerto. Antes disso, apenas o show de Elvis Presley ao vivo do Hawaii, também pelo novo sistema via satélite, havia provocado tanto frisson. Tristemente, mais um fato que marcaria o estresse da banda com o seu empresário se deveu a este evento: Patrick já havia fechado meses antes um acordo com a ABC da participação do grupo no show (que tinha o Deep Purple e o Emerson, Lake and Palmer como headliners), mas o Sabbath queria descansar, aquele deveria ser um ano de pausa para a banda. Como no entanto havia uma multa de cem mil dólares prevista contratualmente, caso a banda terminantemente se recusasse a tocar no California Jam, lá foram eles novamente, e bastante aborrecidos já pela maneira como Patrick ia conduzindo os negócios. Aos poucos, o grupo começou a se sentir realmente escravizado pelo seu empresário.
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Cartaz do California Jam' 74, publicado no Los Angeles Times.
Todos os grandes da época, simplesmente, iriam estar no California Jam: Emerson, Lake and Palmer, Earth, Wind and Fire, Eagles, Deep Purple... A banda de Ritchie Blackmore estaria estreando ali a sua nova formação, com David Coverdale e Glenn Hughes no lugar dos dissidentes Ian Gillan e Roger Glover, coincidindo com o lançamento de seu novo LP Burn.
A conexão Black Sabbath-Deep Purple sempre foi lendária no mundo do rock pesado. Inclusive, membros do Deep Purple, como Gillan e Hughes, já fizeram história também participando nas fileiras de fomações do Sabbath que se seguiriam ao longo dos anos 80. Mas, durante muito tempo, e bastante graças ao notório e irascível temperamento muito peculiar do guitarrista e líder do Purple, Ritchie Blackmore, se imaginou que o escândalo no show do Deep Purple naquela noite do California Jam' 74 se devia a uma animosidade entre ambas as bandas. O que não é verdade. No backstage do concerto, integrantes das duas bandas conversam animadamente sobre carros, garotas e sobre o evento. Só Blackmore mesmo, com suas manias e superstições que deram luz a históricos quebra-paus com Ian Gillan, é que se preservava trancado no seu quarto de hotel, aguardando a hora do show como se tivesse alguma doença contaminosa
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Deep Purple em 1974: David Coverdale, Ritchie Blackmore, Ian Paice, Jon Lord e Glenn Hughes (da esquerda p/ a direita).
O que aconteceu foi que, como disse certa vez Roger Glover, do Purple, em uma entrevista, usualmente os grandes shows e concertos de rock sempre atrasam. Pois com o California Jam aconteceu exatamente o inverso: tudo adiantou. Por um erro de organização da ABC, pressionada por seus afoitos anunciantes, o show começou mais cedo. Bandas estariam se apresentando desde a manhã daquele dia, e o Sabbath, inclusive, subiu ao palco com o maior sol, às 4 da tarde - uma hora antes da prevista para o início de seu show.
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Ozzy no California Jam.
O grupo botou fogo na platéia com um set perfeito: estava tudo lá, "Black Sabbath", "War Pigs", "Supernaut", "Children of the Grave" e algumas do novo disco, como "Killing Yourself to Live" e a própria "Sabbath Bloody Sabbath", tocadas no maior pique, com Ozzy exibindo o seu novo corte de cabelo (madeixas mais curtas) e pulando e agitando como um louco no palco enquanto a banda dava o sangue. Foi, sem dúvida, para todos que assistiram e para quem pode conferir no vídeo pirata do show, uma apresentação irrepreensível. Tanto é que muitos imaginariam que a raiva de Blackmore, com o seu "surto" particular durante a apresentação do Deep Purple, se daria por inveja da performance do Sabbath, e insegurança e insatisfação diante da nova formação do Purple, tocando ao vivo pela primeira vez. Nada disso.
Com o Black Sabbath cumprindo perfeitamente o seu set e terminando uma hora antes do previsto, o cronograma do evento continuava adiantado, e havia uma cláusula no contrato do Deep Purple de que eles só subiriam ao palco assim que o céu estivesse já escuro o suficiente para a megalomaníaca aparelhagem de luz e som da banda poder funcionar com toda a potência. O sempre caprichoso Blackmore, entretanto, ao ser avisado de que já estava chegando a hora do grupo subir ao palco, sendo ainda apenas cinco e meia da tarde, simplesmente se trancou no seu quarto, e não havia membro do Purple, autoridade ou santo que o tirassem de lá! Um executivo do grupo ABC ficou possesso e começou a xingar todos os caras do Deep Purple, chamando-os de irresponsáveis, um oficial da polícia de Los Angeles foi chamado para tentar fazer a banda começar o show à força, e o público, esperando sem fim sob o escaldante sol californiano por uma apresentação que não começava, começou a chiar.
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A célebre explosão dos amplificadores no show do Deep Purple (California Jam' 74)
No final das contas, Ian Paice e Jon Lord, respectivamente baterista e tecladista do Purple, arrombaram a porta do quarto onde Blackmore estava e praticamente o levaram escoltado, na marra, para o palco do California Jam, onde todos já o esperavam impacientemente para começar o show. Toda esta confusão foi a senha para aquilo que vemos no final da apresentação do Deep Purple naquela noite, no vídeo do California Jam' 74: Blackmore praticamente possesso no final do concerto, esmurrando sua guitarra contra duas câmeras em estilhaços da TV ABC, que filmava tudo sem parar! Como se não bastasse, o guitarrista ainda ordenou a um dos roadies da banda que, no final de "Space Truckin'", ateasse fogo aos amplificadores da guitarra com dois litros de combustível que haviam sido guardados no fundo do palco com esse intuito. A loucura foi tão grande que, após a ordem do enlouquecido Blackmore, a explosão que se seguiu arremessou o guitarrista longe, e quase fere gravemente Hughes e Lord, que chegaram a sentir o calor do fogo chegando neles do outro lado do palco! Aquele foi o dia em que, para muito roqueiro, o exibicionismo piromaníaco de Blackmore rivalizou com a apresentação bombástica do Sabbath...
Após um certo tempo de descanso, agosto de 1974 anunciava o início de mais datas de gravação para um novo álbum de estúdio da banda. O tão esperado ao vivo, para desapontamento de Ozzy e de boa parte de fãs... nada mesmo. Estava emperrado devido às sempre ditatoriais negociações de Patrick Meehan com a gravadora. Aos poucos, o clima de cansaço dentro da banda, e entre os seus membros - que realmente preferiam descansar um pouquinho mais - começa a surtir rumores na imprensa de que algo realmente não vai bem. Não são poucos os boatos de que estariam pensando em gravar discos solo, e uma nota de um jornal londrino chega a dar como certa a saída de Ozzy do grupo, já que este não vem sendo mais visto com eles. Na verdade, grande parte do desgaste se devia mesmo a Patrick. Gradualmente, a banda vai se desiludindo com as manobras cada vez mais interesseiras financeiramente do empresário, de ficar sempre faturando, sem se interessar pelo bem-estar do grupo. Tony e ele começam a discutir violentamente certa tarde sobre o real lucro da banda. O ambiente fica pesado. Uma das músicas na qual o Sabbath começaria a trabalhar, "The Writ", retrata bem isso. Pouco a pouco, durante as gravações do que será o disco Sabotage, o rompimento entre a banda e seu empresário começa a se mostrar inevitável.

Para que fosse possível a realização de nossa pesquisa, foi consultado o seguinte material:
Black Sabbath: The Ozzy Osbourne Years
by Robert V. Conte, C. J. Henderson

Paranoid: Black Days With Sabbath and Other Horror Stories 
by Mick Wall - Paperback

Ozzy Unauthorized
by Sue Crawford - Paperback

Ozzy Talking: Ozzy Osbourne in His Own Words
by Ozzy Osbourne, Harry Shaw - Paperback

Black Sabbath: An Oral History
by Mike Stark, Dave Marsh (Editor) - Paperback

Top Rock especial: Black Sabbath – A História
Luiz Seman

A História do Black Sabbath
Revista SHOWBIZZ Especial

A Família Black Sabbath
pôster – Antonio Carlos Miguel, Ed. Som Três

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