19 de janeiro de 2011

Vulture: entrevista com o vocalista e guitarrista Adauto

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Com mais de 15 anos de estrada e muitos shows, a Vulture é uma das principais bandas do death metal paulista. Nessa entrevista com o vocal/guitarra, Adauto, falamos sobre como é permanecer na cena por tanto tempo, o profissionalismo do underground e sobre o novo álbum. Confira!Larissa Varella - Vamos começar falando sobre o aniversário de 15 anos da banda. Comente um pouco sobre a trajetória, sobre conquistas e dificuldades, e como é manter uma banda por tanto tempo ativa.
Adauto: Manter uma banda de Metal no underground nunca foi uma tarefa fácil, acho que em lugar nenhum desse mundo, mas acredito que no Brasil seja ainda mais complicado já que o Metal não passa nem perto da cultura e do gosto popular do brasileiro. Contudo vejo pontos positivos e negativos e esse respeito, o lado negativo é a falta de apoio e investimento financeiro por parte dos patrocinadores e do poder público, já que se trata de um estilo de música restrito onde qualquer investimento se torna de alto risco e pode trazer um baixo retorno ou em muitas vezes prejuízos. O lado positivo é que toda essa dificuldade, com o tempo acaba fazendo uma seleção natural de pessoas que realmente acreditam e amam esse estilo de música, que tiram o dinheiro do seu próprio bolso para gravar suas músicas, para imprimir seus zines, para desenvolver seus websites, organizar seus eventos e tudo isso sem esperar um retorno financeiro, apenas como forma de expressar sua paixão, e acredito que quando chega nesse ponto, não existe nada mais honesto e verdadeiro, é a arte pura, vindo da individualidade de cada músico, escritor ou pessoa envolvida, sem se preocupar com terceiros, se vão aprovar, se vão gostar, se vai vender... É por essa linha de pensamento que a Vulture se mantém há mais de 15 anos na estrada e sem prazo de validade.
Hoje todos temos nossos trabalhos e nossos objetivos de vida em paralelo com a banda, a Vulture nunca foi um fardo para nós, nunca precisou nos dar algum retorno, não nos deve nada, pelo contrário, nós é que devemos a ela muitos dos melhores momentos de nossas vidas, uma tonelada de amigos, o prazer de ver pessoas cantando e divulgando a nossa arte e a nossa ideologia. Para nós a Vulture se tornou algo que vai além da música, é uma banda que vai para o bar, vai para praia, vai ao cinema, vai a um show, vai ao casamento, vai ao enterro, é isso que a Vulture se tornou, aquilo que nos liberta de nossas rotinas intensas de trabalho, cobranças, obrigações e nos torna mais humanos.
Larissa Varella - Pouco tempo atrás foi lançado o novo vídeoclip para a música “Abençoado Seja o Homem Ateu”. Fale um pouco da produção desse vídeo, qual o retorno que o mesmo tem obtido até o momento.
Adauto: Esse vídeo foi mais uma de nossas megas produções caseiras de baixo investimento orçamentário que acabou dando certo (rs). É claro que o fato de eu trabalhar com comunicação ajudou a dar uma cara mais profissional ao material, mas o processo de gravação foi bem caseiro, pegamos uma câmera fotográfica que eu tinha na agência onde trabalho, fomos até o local, abrimos o porta-malas do carro, ligamos o som e fingimos tocar várias vezes a música filmando de pontos diferentes, depois fiz uma pré edição e quando meu saco já estava a ponto de explodir, tomamos a decisão mais sensata, contratamos o Studio Kaiwoas, especializado em produção de vídeo, para terminar a edição e finalizar o nosso clipe, fizeram um ótimo trabalho e o resultado final ficou muito bom em relação ao investimento que fizemos. O clipe está nos dando um ótimo retorno, tivemos vários comentários no YouTube e muitas pessoas o adicionaram em seus orkuts e facebooks.
Larissa Varella - Continuando em cima da música “Abençoado Seja o Homem Ateu”, fale-nos um pouco sobre a letra da música. Hoje em dia há cada vez mais bandas e pessoas “neutras” no Metal (neutro poderia ser também classificado como: cristão com vergonha de si mesmo). O que as religiões de uma maneira geral são e representam, em um contexto individual ou coletivo na opinião de vocês.
Adauto: A ideia dessa letra foi fazer uma sátira com a forma de pensar dos cristãos, que acreditam que deus é responsável por tudo o que acontece em nossas vidas, mas se ele é responsável por tudo, é responsável pelas coisas ruins também, ou seja, responsável pelas guerras, pela miséria, pelas mortes que ocorrem diariamente. O intuito dessa letra é fazer as pessoas refletirem sobre esse ponto de vista e, se possível, enxergarem que nada acontece “graças a deus” e sim graças a fatores naturais e ao próprio homem.
No meu ponto de vista, as pessoas são tão condicionadas a apenas acreditar sem nunca questionar, que nem param para analisar o quão sádico e sacana é esse deus, quantas vezes já escutei: “Ah se aconteceu dessa forma foi porque deus quis assim”, “Não deu certo porque não era para dar”, “Se deus quiser vai dar certo”, não suporto esse tipo de pensamento derrotista, para mim isso é o que tem de pior nas religiões, elas tiram toda a responsabilidade das pessoas sobre suas próprias vidas, essas pessoas nunca se tornarão o que querem e sim o que deus quiser, ou seja, se tornarão conformistas e sempre que algo estiver ruim, indo mal ou dando errado, estarão com suas consciências tranqüilas porque não será culpa delas, foi apenas à vontade de deus.
Sempre buscamos respeitar todas as pessoas, mesmo muitas vezes não tendo nossos pontos de vista respeitados por elas. Defendemos nossa maneira de ver o mundo, mas tentamos não julgar as pessoas pela religião, raça, time de futebol, gosto musical, nacionalidade, opção política, são coisas supérfluas que não definem o caráter de uma pessoa.
Larissa Varella - A banda fez dois lançamentos pela Die Hard Records, “Test of Fire” e “Through the Eyes of Vulture”. Como foi, ou ainda é a repercussão desses dois trabalhos? Continuarão no selo para posteriores lançamentos?
Adauto: O pessoal da Die Hard sempre nos apoiou desde a época das demos, fizeram um trabalho de divulgação muito bom no “Test of Fire” e uma ótima distribuição no “Through the Eyes of Vulture”, vamos como sempre, antes de todo lançamento, entrar em contato com eles e com outras gravadoras para analisar as propostas e escolher a que nos de um suporte maior. Estamos estudando a possibilidade de relançar o Test Of Fire, pois se esgotou faz um bom tempo e muitos bangers ainda pedem nos shows.
Larissa Varella - Falando em novo álbum, já há alguma novidade sobre o mesmo? Músicas, título, enfim, algo que possa nos adiantar?
Adauto: O novo álbum vai se chamar “Destructive Creation”, esse nome faz referência, de uma forma mais descontraída, a nova criação da banda (o álbum) e, de uma forma mais crítica, ao poder de destruição dos homens. Serão 12 músicas que seguem com a mesma identidade, mas com uma pegada um pouco mais thrash e com menos partes cadenciadas. Esperamos lançar até março de 2011.
Larissa Varella - O cenário Death Metal brasileiro está mudando um pouco, e em minha opinião para melhor. Antes havia toneladas de bandas iguais as outras, para não citar também as cópias descaradas de Krisiun. Hoje há bandas, mesmo antigas, com personalidade própria, e vocês seguem uma linha que mescla bem o brutal com o tradicional, com ótimas levadas, e riffs claros, com boas doses de melodia, sem soar meloso, pelo contrário. Como você analisa essa transformação do cenário, quais foram ou ainda são as grandes influências da banda?
Adauto: Acredito que a identidade de uma banda vem com seu amadurecimento, é um processo natural que leva um certo tempo, muitas bandas surgiram na época que o Krisiun estourou e eles se tornaram uma grande referência para essas bandas que, hoje em dia, possuem seu estilo próprio, sua própria identidade. O Brasil possui muitas bandas veteranas de Death Metal, que já passaram por todo esse processo de amadurecimento e que, atualmente, são responsáveis pela variedade e qualidade da cena no país.
Quanto às nossas influências, sempre escutamos do punk rock ao mais brutal gore/grind, passando pelo rock n’roll e aos principais sub-estilos de metal, mas nossas principais influências ainda continuam sendo as bandas tradicionais de Death Metal como Morbid Angel, Hypocrisy, Malevolent Creation, Dismember, Sinister. Eu, ultimamente, ando escutando muito a banda Hate da Polônia.
Larissa Varella - Larissa Varella - Fora os dois álbuns já citados, a banda tem uma discografia relativamente extensa. Há possibilidades de um lançamento oficial do “Hellraised Abominations” e “A Call for the Ancients” ou mesmo regravar músicas dessa fase?
Adauto: Sim, com certeza. Sempre quando estamos bêbados falamos disso, temos músicas que marcaram uma fase, as pessoas pedem até hoje nos shows, gostamos muito desses materiais, sem falar em muitas músicas que ficaram perdidas no tempo, sem serem lançadas, que são muito boas. Temos planos para regravar e lançar um b-sides. Com certeza vai rolar mais para frente.
Larissa Varella - Vocês já dividiram o palco com bandas renomadas como: Belphegor (AUS), Incantation (EUA), Funerus (EUA), Dark Funeral (SUE), God Dethroned (HOL), dentre outras, também a nível nacional. Como foi para vocês participarem de eventos desse porte, e o que falta e precisa, na opinião de vocês, para o cenário de uma forma geral ser mais profissional e sustentável (dentro disso incluo produtores, casas, público, bandas, selos...).
Adauto: Acho que esta questão nos leva ao mesmo contexto da primeira, o metal no Brasil. Infelizmente o público é muito restrito, fica difícil para organizadores investirem em estrutura, aparelhagem, divulgação se o público não comparece. As bandas citadas são bandas consagradas, mas o público é o mesmo público underground que freqüenta os nossos shows e aqui no Brasil elas são undergrounds também, tocamos com o God Dethroned em Campinas para 50 pessoas, nosso show de 15 anos deu a mesma quantidade de pessoas do que quando tocamos com o Belphegor, umas 200 pessoas. É claro que existem as mega bandas que lotam estádios, mas se tratando de música extrema, acredito que a cena só tenha piorado. Antigamente, quando organizávamos festivais, brincávamos que shows undergrounds davam sempre 100 pessoas, não importava a banda, o dia, o local, sempre 100 pessoas, os que dessem mais eram considerados um grande sucesso, esse ano fizemos vários shows e os festivais que deram 100 pessoas foram os de grande sucesso.
Me recordo que sempre havia uma garotada nova nos festivais, aqueles com camiseta do Iron ou do Ozzy que estavam começando a curtir metal, hoje, vejo menos pessoas nos shows e pessoas mais velhas, infelizmente acho que o Metal perdeu uma boa parte da sua nova geração para essa porcaria de música “emo” que surgiu recentemente.
Larissa Varella - Fizeram um show especial dos 15 anos da banda em Itapetininga, contato com ex-integrantes, cast especial etc. Comente um pouco sobre esse evento.
Adauto: Foi uma noite memorável para nós, lotou o bar, um pouco mais de 100 pessoas (rs), mas recebemos amigos de toda a região, amigos que acompanham a banda há muitos anos, sem falar no pessoal de Itapetininga que compareceu em peso. Como fomos a única banda da noite, dividimos o set list em duas partes, a primeira só com as músicas novas que estarão em nosso próximo álbum, a segunda contou com músicas antigas, passando por todas as fases e com a participação especial de ex-integrantes, foi muito bacana, realmente uma noite especial para nós.
Larissa Varella - O Brasil a passos lentos está crescendo e profissionalizando o underground, surgindo novos selos, distros, revistas, webzines, agências, produtores, bares. Junto a isso, a banda agora faz parte do cast da Metal Army Agency. Comente um pouco sobre a parceria e sobre essas transformações (benéficas do underground).
Adauto: O underground está sofrendo uma evolução natural, está tendo que se adequar a um público que, com a disseminação da internet e toda essa evolução digital, se torna cada dia mais exigente.
Antigamente bandas e organizadores se preocupavam apenas com a resenha de algumas revistas e alguns zines, sendo que estes, por serem tão parceiros e apoiadores do underground, raramente faziam alguma crítica negativa às bandas e aos eventos. Hoje, todo banger que compra algum material ou vai a algum evento, faz sua própria resenha, em seu blog ou em suas redes sociais, e por geralmente não terem laços de amizade, detonam mesmo, dizem o que pensam e não aliviam nada, doa a quem doer (rs). Se forem a um evento que a aparelhagem não estiver boa, ou a cerveja quente, no dia seguinte tem 100 reclamações sobre isso na internet, se uma banda lançar um álbum meia-boca, seja a Vulture ou o Iron Maiden, vai ler em vários locais que seu álbum é meia-boca, ou ruim mesmo. Antes era muito difícil você ler algo falando mal das grandes bandas, hoje ninguém escapa, se um vocalista soltar alguma merda em um show no Japão, amanhã o mundo inteiro estará cagando em sua cabeça, isso é muito bacana, coloca todo mundo em um mesmo patamar, é claro que isso tudo afeta muito mais quem trabalha esse lado comercial da música, para quem está envolvido por realização pessoal, o que importa mesmo é o que ele sente em relação a esse trabalho.
Hoje contamos com a Metal Army Agency para divulgar nosso trabalho e agendar nossos shows, não cobramos cachê para tocar, apenas as despesas com transporte, queremos mesmo é rodar esse Brasil, fazendo novas amizades, enchendo a cara e espalhando nossas ideias e nosso barulho.
Larissa Varella - Agradeço ao tempo cedido, e fica aqui o espaço para suas palavras finais...
Adauto: Agradeço pelo espaço e pela oportunidade de apresentar um pouco da visão que temos sobre o meio em que vivemos e sobre aquilo que mais amamos, a Vulture, agradeço a todos os bangers que nos acompanham e nos apóiam nessa jornada. O underground é feito de respeito e amizade, um grande abraço a todos!
Matéria original: Metal Army Agency

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