7 de setembro de 2011

Dream Theater: se a vida der um limão, faça uma caipirinha



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Na certa, este foi o princípio que nos últimos 11 meses guiou John Petrucci, o mais bem-sucedido descascador de abacaxis da atualidade. Ele é oguitarrista, único produtor, principal letrista e programador oficial das linhas de bateria do Dream Theater – que o novato Mike Mangini apenas reproduziu.
É demonstrando força e maturidade que Petrucci assina um novo capítulo na discografia da banda, "A Dramatic Turn of Events", com lançamento marcado para 13 de setembro e ao qual tivemos acesso em qualidade total, por fontes secretas conhecidas de todos.
A receita do novo álbum traz um tempero inédito, misturado ao estilo já exaustivamente trabalhado pelo grupo nos anos 2000. O sabor, mais agradável que o anterior, é a tradução musical do novo equilíbrio de forças na banda.
O volume da bateria é o mais contido de toda a discografia, e a guitarra está menos pomposa. O espaço é aproveitado principalmente por Jordan Rudess e seus sons alquímicos. Dá pra ver que John Myung está lá, algo difícil quando a brincadeira era parecer mais pesado que o Pantera. James Labrie maneirou definitivamente seus tons de Tia Zuleide gritando no quintal. Petrucci foi muito feliz nesta calibragem, abrindo caminho para um verdadeiro desfile em carro aberto dos talentos da banda, sem fazer de cada nota uma marretada só para parecer bad ass.
Mangini? Ele é a drum machine do Petrucci e faz isso com cara limpa e profissionalismo. Emula Mike Portnoy em muitas levadas e viradas – algo natural ao se assumir o posto de uma lenda, tendo de engolir cada batida pensada por um guitarrista. No papel de baterista programável particular, sua precisão é nanométrica. Mas ele trabalha limitado, e só em raríssimos momentos aplica sua técnica sobre-humana, que o diferencia de seu antecessor e de todos os demais bateristas.
Na Hell’s Kitchen, onde antes havia um chef, agora há apenas mais um cozinheiro – e o iniciante tem mão boa pra fritar. A complexidade nérdica do grupo atinge um exibicionismo ainda maior que o do álbum de estréia "When Dream and Day Unite" (1989). O resultado são algumas das convenções mais saborosas e oportunas da história da banda, um Kama Sutra instrumental que rivaliza com os momentos mais intrincados da Era Portnoy. Às vezes parece matemática aplicada, mas seguramente serão grandes momentos ao vivo.
O álbum é um mar de extremos, e vai do prog de liquidificador à baladinha mais aguada. Felizmente, há um vasto estoque de outros momentos, quando a banda consegue mesclar água e óleo. As cenas são deliciosamente intensas, mesmo em meio ao vocal. Uma erupção vulcânica é o cartão de visita de "Lost Not Forgotten" – como se alguém espremesse toda a carreira do Dream Theater em 20 segundos e tocasse sem tirar uma nota sequer. Trechos magníficos de "Outcry" também pulverizam os ouvidos, e poderiam ser a trilha sonora do nascimento de uma galáxia.
A voz de Labrie é o que faz o ouvinte sentir-se em casa em meio à orgia instrumental. As melodias vocais são o aspecto que mais lembra os trabalhos recentes. Contra a maré, a classuda "Breaking All Illusions" nos brinda com um vocal mais direto ao ponto. A grande performance do vocalista fica para o final, com "Beneath the Surface", que celebra a faceta mais doce de sua voz. O mesmo não se aplica a "Far from Heaven", baladinha de intervalo no estilo "Wait for Sleep", e que realmente mereceria o título de "espera pra dormir".
Outro elemento que remete ao Dream Theater anos 2000 são alguns típicos riffs petruccianos: aqueles que você nunca ouviu, mas já conhece. O receio é que uma nova continuação de "Glass Prison" tenha início a qualquer momento, o que não acontece – alívio que melhora tudo na segunda audição.
Ainda assim, o departamento de guitarra está bem suprido de criatividade, e revive um pouco do experimentalismo do álbum solo "Suspended Animation" (2005). A pegada está mais cristalina do que nunca. O cara deve esterilizar as palhetas pra tocar daquele jeito. Nos solos, é louvável o esforço de Petrucci em sair de si e surpreender.
Rudess é o destaque individual, aproveitando as mínimas oportunidades para se esbaldar como uma criança num playground de outra dimensão. É algo que se espera desde o big bang que foi "Liquid Tension Experiment" (1997). Myung raramente coloca a cara pra fora da cozinha, com um solinho pimpão aqui, outro ali. Logo volta a trabalhar nos fundos, detalhista como sempre. Ele parece satisfeito com isso.
Outra marca registrada da banda, as introduções e intervalos também estão mais inventivos, na contramão das obscuras intros recentes. O início de "Bridges in The Sky" consegue ser tão glorioso quanto o de "Octavarium", sem ceder ao mesmo suspense abstrato a la Pink Floyd.
Se tudo o que caracteriza o Dream Theater hoje pra você é bullshit, então com este lançamento não será diferente. Mas, ao contrário dos últimos 10 anos, o álbum é mais do que mera variação do anterior. Há novos ares, limites foram superados - e o que mais se pede de quem sobe ao palco no Teatro dos Sonhos?
Se a saída de Mike Portnoy foi uma merda, fertilizou o solo o suficiente para que brotasse uma floresta inteira. "A Dramatic Turn of Events" tem mais energia que os dois últimos álbuns somados. A versão 2011 da banda adquiriu os direitos de utilizar o nome Dream Theater com a moeda do mérito.

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