29 de maio de 2011

American Idol: Mentiras sinceras não me interessam


Produto da indústria do entretenimento. Apenas isso. Pense comigo e não precisa ser profundamente: qual é o tipo de contribuição que os reality shows relacionados aos espetáculos musicais efetivamente trazem para o público?
Digo isso porque eu não entendi o frenesi criado em função da final da edição do American Idol esta semana. Uma vez que o programa de maior audiência dos Estados Unidos concluiu sua décima temporada sem trazer qualquer espécie de inovação ou renovação aos palcos. Somente no corpo dos jurados; temos o quase-aposentado Steven Tyler (Aerosmith) e J. Lo, duas lendas damúsica mundial e que agregam audiência de nichos diferentes. Só.
Fora isso, a exposição dos talentos continua sendo competente. Veja bem. Nem discuto a qualidade dos competidores – tirando aqui e ali algumas aberrações que completam o lado cômico do programa – e muito menos se são os melhores naquilo que fazem, mas o texto quer discutir o que ficou nestes dez anos de programa. Quais competidores venceram em suas carreiras e possuem uma sólida confiança de seus trabalhos para crítica e público? A proposta é descobrir novos ídolos ou manter a conta de publicidade no verde, já que tirando os campeonatos de beiseball, basquete e futebol americano, a maior arrecadação publicitária ocorre nos intervalos do reality?
O formato do programa gerou filhotes ao redor do mundo e mesmo estes filhotes não apresentam resultados artísticos relevantes. Ou você se lembra de um grande artista/cantor/compositor que tenha surgido no American Idol ou em qualquer outra atração de igual função?
Atenção: a ineficiência não significa que os talentos lá revelados sejam de baixo calibre. A questão é: que diferença faz que existam se parecem fantoches e marionetes na mão da indústria que, mais do que nunca, determina os caminhos artísticos que devem ser trilhados por suas recém-descobertas. No início de uma biografia no show business dificilmente veremos os novos ídolos assumindo as rédeas, tomando decisões, fazendo escolhas.
E aí está o grande problema. Escravos de um repertório pasteurizado na mão de alguns compositores que criam sua arte sob encomenda (literalmente), as novas celebridades da música alcançam o sucesso no primeiro disco, mais por conta da expectativa em torno do produto do que propriamente pela qualidade do mesmo. Que o diga a cantora Kelly Clarkson, vencedora da primeira edição em 2002. Seu disco de estreia estourou no mundo inteiro, sendo vencedor do Grammy em duas categorias, após isso ela já gravou mais três discos, Breakaway (2004) , My December (2007) e All I Ever Wanted (2009). Juntos venderam 10,6 milhões de cópias nos Estados Unidos«1» e 20 milhões no mundo. Se a cantora e ocasional atriz conseguiu se manter e conquistar um público cativo, o que dizer dos outros 9 vencedores?
Se você prefere ver as propostas artísticas através dos números talvez possa derrubar o argumento deste texto, ok, boa parte deles deve vender 50 mil cópias de cada disco, além de fazerem pontas em outras oportunidades artísticas (como peças de teatro, pontas em séries de tv, comerciais e etc).
A pergunta que eu continuo fazendo é: o mundo mudou? Que artista, depois de ser moldado pelo formato midiático mais apropriado (naquele momento) de fato virou o mundo de cabeça para baixo e escreveu seu nome na história mundial? NENHUM!
O Rock and Roll já pagou seu mico.
Em 2006 numa tentativa de formar (mais uma) super banda, ocorreu um reality (com apresentação de Dave Navarro) com objetivo de achar vocalista para uma banda formada por Gilby Clark (Guns n´Roses), Tommy Lee (Motley Crue) e Jason Newsted (Metallica). O vencedor foi o desconhecido Lukas Rossi, que chegou a gravar um disco com a banda. A venda do disco foi tão insignificante que a banda acabou menos de um ano depois… E pasmem os senhores: com a presença de um timaço na formação do conjunto. A banda mesmo virou notícia quando foi processada pelo nome que escolhera (SUPERNOVA) já que já existia uma banda com mesmo nome.
O que todo mundo sabe e ninguém quer mais saber é que a realidade dos realitys é a mais inverídica de todas as propostas do entretenimento. Não há um interesse apenas no envolvimento de centenas de pessoas (e milhões de dólares investidos) e justamente esta esquizofrenia de desejos envolvendo um só objeto vai desfigurando o destino de quem um dia teve um sonho de se tornar um astro da música mundial. O final é quase sempre o mesmo: o vislumbramento do início de carreira, sendo amado(a) por milhões de pessoas, o desafio do segundo disco (quase sempre um fracasso comercial e criativo) e o retorno ao limbo.
Além de destruir uma série de sonhos, os realitys são especialistas em criarem ídolos com mais de 15 minutos de fama mas completamente ocos. Dotados apenas de muitas lágrimas de alegria no início, a ex-celebridade acaba descobrindo que os novos amigos agora são velhos desconhecidos e que a fama e porque não dizer, o talento, não foi suficiente para se manter em evidência. Existem outros caminhos vexatórios (escândalos) para se permanecer nas páginas dos jornais, mas acredito que se alguém pudesse escolher, gostaria mesmo de estar no palco, fazendo shows ao redor do mundo e produzindo arte.
Essa catarse a cada ano no início de uma produção musical milionária como American Idol não é apenas uma expressão de amor à música, mas um certo envolvimento masoquista (do público) de ver através da vitória de um ‘injustiçado’ um pequeno momento de felicidade em meio ao tão concorrido mundo do show business.
Brasileiros não desistem nunca. Também lutam por um lugar ao sol com suas cópias nada autênticas.
Artisticamente, até aqui, qualquer cantor/cantora é facilmente esquecido. E pode se tornar um highlander, caso extrapole os limites que envolvem a música.
Aqui no Brasil quase não há diferença. A Rede Globo de Televisão tentou com o programa “Fama” forjar novos talentos para música brasileira. De fato havia muita gente boa, de técnica apurada e presença de palco, porém, ninguém conseguiu dar prosseguimento ‘ao sonho’ mesmo protagonizando um reality na maior emissora do país. Até porque, juntamente com o público, o conceito de “melhor”, foi mudando muito através dos anos. Ninguém (com boas exceções) quer assistir um espetáculo musical pensando na técnica, nos arranjos e no desempenho de um certo artista. A questão é muito mais visceral do que propriamente racional, técnica. E hoje em nosso país a diversão e o imediatismo assumiram os corações dos brasileirinhos.
E quem não se lembra do Rouge, do Broz? Por onde andam, o que fazem? Qual artista do programa Ídolos invadiu as grandes cidades, com discos que colocaram a audiência de cabelo em pé e estão aí, colhendo louros, caminhando bem? E todo ano os canais disputam os nomes das franquias, copiam descaradamente os formatos e mesmo assim, não são capazes (ou não querem) dar suporte ao talento descoberto e ajudar os primeiros passos da nova celebridade musical.
Essa espécie de hedonismo da música corrompe os bons costumes do ouvinte, porque o acostuma a desmantelar seu gosto a cada edição de um programa e aquilo que era sensacional no verão passado passa a ser chato no posterior. E assim como quem baixa um CD após algumas audições desiste e deleta, assim é o novo ouvinte: a arte descartável é mais fácil de ser consumida.
twitter do autor: @dcostajunior
Matéria original: Aliterasom

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