18 de dezembro de 2010

Parte 01 - Os Puristas do Blues

Nesta primeira parte, nos concentraremos nas raízes que determinaram o surgimento de um dos maiores supergrupos da história do rock: das velhas bandas de blues tradicional e suas ramificações até que Clapton, Bruce e Baker se conhecessem. Veremos que Bruce e Baker já se conheciam (e se odiavam) de longa data, e uma vez, quase chegaram às raias do homicídio; que Clapton, quando jovem, era apenas um entusiasta de blues que não queria ganhar tanto dinheiro assim, abandonando os Yardbirds em sua ascensão comercial em busca de um pouco mais de blues com John Mayall... mas que o desenrolar dos fatos na efervescente capital inglesa dos anos 60 logo o faria mudar drasticamente de idéia.


Parte 01 - Os Puristas do Blues
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A Londres de 1964 era, definitivamente, um lugar especial para se viver. Nunca, desde a Era Vitoriana, os ingleses, e em especial a sua capital, haviam vivido um período tão fértil e promissor como o daqueles anos – e talvez nunca mais viveriam. O que havia se tornado a fortuna do Império Britânico naquela longínqua época de bens de consumo exuberantes advindos da Revolução Industrial e especiarias importadas das colônias (como a Índia), entretanto, não era o que produzia o êxito do Reino Unido agora, na abóbada celeste dos coloridos anos 60. Sim, se torna impossível não falar neles, já que daí veio tudo: os Beatles.
“Nós éramos motivo para vender de tudo para o lucro inglês: de discos a veludo cotelê” comentaria George Harrison anos depois, naquela série documental sobre a banda, “Anthology”. E era verdade. A chamadaInvasão Britânica, que assolou os Estados Unidos e, por conseguinte, todos os outros países do continente americano como uma praga desde que Lennon & MacCartney mais a sua entourage  real puseram os pés no aeroporto de New York pela primeira vez mudou a cara do mundo, pintou de histeria as paradas pop e tingiu de sons diferentes e diversificados toda a produção fonográfica mundial – afinal, atrás de todo um grande sucesso devia estar, de agora em diante, o irrecusável sabor da novidade.
E assim como os besouros de Liverpool eram uma tremenda novidade naqueles anos de caras sisudas e topetinhos pseudo-rebeldes a la Elvis e James Dean, enquanto toda a sociedade organizada ainda se resguardava de todos os ataques de uma sociedade jovem ainda silenciosa, mas reivindicante de mudanças modernistas radicais e ideologias novas a serem introduzidas (e que estavam sendo operadas há anos, nos EUA, pelos beatniks, e seus jovens seguidores, os cantores folk, como Bob Dylan), a sede por coisas novas, variedades, era intensa – daí o grande fomento da indústria musical através de novidades, visto que novos filões estavam abertos ao consumo público. O avanço da tecnologia e dos novos métodos de gravação, também, eram causadores disso – de reles experimentos realizados para filmes de Walt Disney, na década de 50, para quase 50% das cópias de discos produzidas no início dos anos 60 nos EUA, as gravações estéreo, inovação tecnológica introduzida no mercado fonográfico, representavam uma maior fidelidade de som presente na sala de reprodução do ouvinte que deixava maravilhados os cultores das novas técnicas de gravação. A partir daí, passou-se a falar em canaismixagens e equalização com bem mais propriedade, visto que o sistema estéreo, em que a reprodução do som se torna mais ampla no ambiente através da divisão do som em duas vias de reprodução simultâneas (canal esquerdo e direito) dava mais sensação ao ouvinte de proximidade com a música real.
Obviamente, todo este período de euforia na História da Música Popular mundial deu chance a que várias modas e tendências musicais fossem introduzidas. E na Inglaterra, terra dos Beatles, dos seus sucessoresROLLING STONES e de uma nova e sensacional banda chamada The Animals, em 1964, o negócio era oblues.
Claro. Logo ficou evidente aos jovens britânicos que toda aquela explosão de criatividade dos grupos emergentes tinha seu motivo de ser numa só raiz – pois todos, com ou sem influências de country & western, doo-woop, motown ou até mesmo rythim n’ blues, acabavam sempre bebendo daquela água original, de preferência embarrelada pelas margens do Mississipi (Muddy Waters). Desse forma, então, é que nasceu, na capital absoluta das novidades, Londres, o movimento dos jovens puristas de blues.
John Mayall
John Mayall

Na verdade, esta tendência já existia há muito tempo – desde os anos 50, quando jovens britânicos descontentes com a mediocridade do mundo inglês frio e hostil em que viviam, como Cyril Davies, Alexis Korner e John Mayall, resolveram se dedicar full time à música que ouviam nos discos de blues americano importados por marinheiros do Mersey. O próprio Eric Burdon, vocalista dos Animals, um dos grandes entusiastas do movimento purista de blues inglês, é quem lembraria essa sensação, em uma entrevista concedida mais tarde, nos anos 70: “A gente ouvia todos aqueles nomes esquisitos, canções estranhas cantadas por gente como Big Maybellene e Wynonie Harris, e aquilo era fascinante e tão diferente! Senti no ato que um dia eu teria que cantar daquele jeito...”.
Pois é, foi exatamente assim que a febre do blues pegou no público jovem britânico. Haviam as cisões, é claro: ou eram as tietes ensandecidas dosBEATLES na área de Liverpool, Blackpool e Manchester, ou ainda os mods erockers da região de Glasgow, Manchester e também em Londres (os primeiros curtiam motown e sons de grupos negros americanos, mais influenciados pelo soul e doo-woop, e tinham uma filosofia de vida bemdandy, antenados mais com a moda e os prazeres materiais da vida do que tudo, e os segundos gostavam de rockabilly selvagem e motos cheias de adornos, eram típicos Hell’s Angels, e dariam luz, quase uma década depois, ao movimento punk britânico).
O blues, no entanto, já estava bem disseminado nas ilhas de Vossa Majestade em 1964, e foi justamente naquele ano que duas bandas estavam disputando a pau o título de “melhor banda de blues inglês” entre os seus admiradores, jovens ingleses existencialistas, grande parte deles universitários ou profissionais autônomos emergentes da Era das Sensações (como o fótografo dandy do clássico filme Blow Up – Depois Daquele Beijo, de Antonioni, de 1966), chegados num bom cachimbo (bem ao estilo Sherlock Holmes) e roupas e penteados exóticos – eram eles, basicamente, a platéia que lotava os enfumaçados pubs de blues daquela época, em Londres. As tais duas bandas eram o John Mayall & his Bluesbreakers e a Graham Bond Organization – desnecessário dizer que, pelo prestígio que ambas tinham no cenário britânico de blues, um sem-número de futuras estrelas do rock britânico passaram pelas suas cadeiras, pegando aquela experiência que lhes seria tão preciosa: Mick Jagger, Charlie Watts, Brian Jones (Rolling Stones), Peter Green (Fleetwood Mac), Paul Jones (Manfred Mann) etc. etc. blá-blá-blá... e, afinal, os heróis de nossa estória: Eric Clapton, Ginger Baker e Jack Bruce.
Ginger Baker
Ginger Baker

Ginger Baker, nascido Peter Edward Baker em 19/08/1939, na pequena cidade de Lewisham, desde cedo se interessara por ciclismo, participando de várias competições juvenis ainda em tenra idade. Entretanto, logo a música confiscou a sua atenção, e lá estava ele, enfronhado em audições dos velhos discos de jazz de seu pai, vindo a tornar-se grande fã de Dizzy Gillespie. Inicialmente, ele teve aulas de trumpete, mas já aos 15 anos, adotava a bateria como instrumento definitivo, vindo a tocar com várias bandas em um curto espaço de tempo e profissionalizando-se no ofício em uma velocidade impressionante. Como membro da Storyville Jazz Men, Baker chamou a atenção de vários críticos para aquele novato, que havia aprimorado seu estilo ouvindo discos nos quais tocava Baby Dodds, célebre baterista de grupos de New Orleans – foi esta lenda do jazz e do blues americanos que praticamente criou o conceito de um só baterista de jazz na banda tradicional, que antes contava com pelo menos dois ou três percussionistas para a seção rítmica. Dodds arrumava todo o kit de percussão de forma que tivesse total controle para tocar de tudo um pouco. E foi ouvindo Baby Dodds com afinco que Baker tornou-se aquilo que conhecemos: um exímio, inventivo e eclético baterista, capaz de proezas rítmicas impensáveis para aquele tempo de bateristas firmemente aferrados a uma forma fria, quase matemática e impessoal, de tocar o jazz.
Por trás de todo o grande gênio, entretanto, sempre há uma personalidade estranha ou conturbada. Devido a já precoces problemas devido ao seu temperamento explosivo, aliado ainda a um gosto pela heroína desenvolvido desde as suas primeiras noite de jam session com os seus primeiros grupos, Baker arrumava brigas onde quer que estivesse e era invariavelmente “convidado” a se retirar das bandas em que tocava, chegando mesmo a pensar em abandonar a carreira musical poucos dias após a sua expulsão da Storyville Jazz Men, com quem tocara até 1959. Porém, encorajado por amigos do meio musical que reconheciam nele um talento singular, Baker continuou tocando o barco, quer dizer, o bumbo e todo o resto, até 1961, quando numa temporada em Londres com um sem-número de grupos que estava acompanhando (sempre como convidado especial), conseguiu arranjar um lugar fixo no lendário Blues Incorporated, do pioneiro do blues Alexis Korner, substituindo ninguém menos que Charlie Watts – que partira para se aventurar vocês já bem sabem aonde...
O engraçado é que todos estes combos de blues eram sempre muito cheios de suingue – não me refiro aoswing de batida, ritmo quente, mas sim ao troca-troca mesmo de componentes, um eterno vai-e-vem que parecia não terminar nunca. Só de junho a agosto de 1962, o Alexis Korner & the Blues Incorporated trocou de vocalista não menos que três vezes: Paul Jones (do futuro Manfred Mann), Ronnie Jones e até Mick Jagger (que encabulava todo mundo com seus trejeitos efeminados, muito antes que isso fosse virar moda). Pois eis que em novembro de 1962, o Blues Incorporated ganha um novo membro fixo, o saxofonista Graham Bond, e três meses depois o que acontece? Bingo! Graham Bond deixa o Blues Incorporated, mas não sem fazer um estrago. Ele leva consigo, para formar sua própria banda, Ginger Baker e o baixista Jack Bruce, outra fera que vinha acompanhando Alexis Korner.
Um ainda jovem Jack Bruce
Um ainda jovem Jack Bruce

Jack Bruce, nascido John Simon Asher Bruce, em 14/05/1943, em Bishopbriggs, Escócia, a três milhas de Glasgow, possuía estrita formação musical desde cedo, havendo já estudado cello e piano, além de ter participado de corais de igreja por vários anos – o que explica a sua excelente e eficaz postura vocal. “Desde que eu estava na escola, no entanto”- conta ele – “minha grande ambição era ser um baixista, porém eu era ainda muito miúdo para conseguir segurar omonstro”(refere-se ele aos enormes baixos acústicos, visto que na época os modelos elétricos ainda não eram tão populares). “Finalmente, aos 15 anos, já havendo crescido o bastante, consegui realizar o meu desejo”. Assim como Baker, Bruce tocara em vários grupos de jazz e blues, mas ao contrário do parceiro, tinha uma experiência formal e clássica mais avantajada – já havia viajado para tocar na Itália em famosos festivais de jazz e até os 17 ele havia estudado seriamente música clássica na Academia Escocesa Real de Música, em Glasgow, só saindo de lá por demonstrar o seu já inegável e crescente interesse pelo jazz e blues.
The Graham Bond Organization, em 1965: Baker e Bruce são os primeiros da esquerda para a direita
The Graham Bond Organization, em 1965: Baker e Bruce são os primeiros da esquerda para a direita

O período entre 1963 e a metade de 1965 foi um dos mais prolíficos na mítica trajetória da Graham Bond Organization como desbravadores do território do blues inglês. Com Graham Bond, Ginger Baker, Jack Bruce, mais o lendário guitarrista John McLoughlin e o saxofonista Dick Heckstall-Smith, eles lançaram dois álbuns clássicos (The Sound of '65 e There's a Bond Between Us), que consolidaram a sua presença de palco entre o público londrino de blues, e os levaram a diversos shows de rádio e programas de TV que divulgavam bandas do gênero.
Graham Bond sendo entrevistado no ‘Ready, Steady, Go!’ da TV inglesa (1965)
Graham Bond sendo entrevistado no ‘Ready, Steady, Go!’ da TV inglesa (1965)

Entretanto, logo ficou claro que as coisas não andavam tão bem assim dentro do grupo: o eterno gênio exterminador de Baker se fez mostrar. Se nos palcos a coisa funcionava excelentemente bem, é porque nos ensaios a cozinha quase havia se acabado de tanto brigar para chegar a um consenso: Bruce e Baker brigavam constantemente, discutindo sobre tudo, desde o volume com que Bruce amplificava o seu baixo elétrico até a força com que Baker atacava os pratos. Tudo era motivo para um quebra-pau, e no começo a reação dos outros membros da banda foi normal – aquilo era até um bom medidor do nível de perfeccionismo do grupo em busca de um grau evolutivo mais elevado. Entretanto, logo a coisa começou a ficar mais séria.
Em um show do qual hoje em dia ninguém mais se recorda bem onde foi exatamente, mas apenas de que foi realizado em julho de 1965, membros da audiência assistiram, complacentes, a uma ruidosa discussão entre Baker e Bruce que por pouco não descamba para a violência física – já que a verbal já estava ardendo em chamas a partir do momento em que Bruce, fazendo uma firula virtuosística em seu instrumento como ele adorava fazer, saiu um pouquinho dos acordes planejados em uma das canções, ao passo que Baker parou imediatamente, no meio da música, berrando um grosseiro “eu te disse que não era pra ser assim, seu fuckin’ idiota!” A partir daí, o show acabou, e o ingresso daquela noite ficou valendo pela curiosidade de se ver Bond e Heckstall-Smith tentando apaziguar os ânimos de seus colegas de banda, num desconcertante “deixa disso”.
Logo ficou evidente a caveira que Baker, um conspirador no melhor dos estilos, estava fazendo para tirar Jack Bruce do Graham Bond Organization – e foi exatamente o que aconteceu, em agosto de 1965, após mais uma discussão entre Bruce e os outros membros da banda, de que seria melhor que saísse para que, inclusive, permanecesse vivo. “Nada pessoal, Jack”- lhe disse Bond – “mas o Ginger já andou até guardando um canivete na cintura dizendo que, caso você apareça novamente em um dos shows ou ensaios, ele não responde por si.” Só depois de muitos anos esta incrível estória seria revelada pelos biógrafos do Cream, mas é verdade: talvez, por algum descuido, e devido a seu irascível temperamento por vezes alterado pela heroína e bebidas, Ginger Baker pudesse um dia ter esfaqueado Jack Bruce, ainda que atualmente ninguém queira mais tocar neste assunto.
The Yardbirds (com o seu empresário, Giorgio Gomelski)
The Yardbirds (com o seu empresário, Giorgio Gomelski)

Bruce, convencendo-se de que era melhor ser um baixista sem banda, e vivo, do que um baixista na banda, mas morto pelo próprio companheiro de grupo, resolveu finalmente cair fora, e por volta de outubro de 1965, ele preparava a sua nova investida, de forma a impressionar a todos!
O grupo de John Mayall, The Bluesbreakers, estava tendo um extraordinário sucesso desde que um dos mais prestigiados guitarristas de todos os tempos, o jovem Eric “Slowhand” Clapton, havia deixado os Yardbirds, banda que, em sua primeira fase, servia de modelo e inspiração para todo e qualquer bluesista inglês vibrante.
Eric Clapton
Eric Clapton

Eric Clapton, nascido Eric Patrick Clapton, 30/031945, na pequena Ripley, algumas milhas ao norte de Londres, é uma lenda viva do blues e do rock que, como todos sabem, passou por diversas bandas de blues de sua terra até chegar aos Yardbirds como um talento promissor considerável, especialmente após a lendária temporada da banda no célebre Crawdaddy Club, em que eles substituíram os Rolling Stones – o que ninguém esperava, entretanto, é que numa bela noite de 1963 um totem sagrado do blues americano, o gaitista e cantor Sonny Boy Williamson, fosse aparecer por lá para um show surpresa. Precisando de um grupo relâmpago na hora, ele recrutou os Yardbirds. Os pobres rapazes, pegos com as calças na mão, pouco haviam ouvido falar da fama de mandão e excêntrico daquele negão do blues, mas a atitude deles de reverência e humildade diante dele, dando o sangue e o suor em tudo o que sabiam de blues naquela noite e o acompanhando, assombrou tanto o próprio Sonny Boy quanto os privilegiados da platéia que presenciavam aquele momento histórico. Nada mal para o até então esparso currículo do jovem Clapton, que caprichou naquelas apresentações e saiu de lá ovacionado. Os Yardbirds, por sua vez, saíram de lá com um contrato de gravação praticamente assinado, graças a Giorgio Gomelski, gerente do Crawdaddy e empresário da banda.
O LP “Five Live Yardbirds”, do grupo, quando ainda contavam com a lenda viva: Clapton
O LP “Five Live Yardbirds”, do grupo, quando ainda contavam com a lenda viva: Clapton

O problema, como muitos já sabem, é que, em 1965, a direção musical dos Yardbirds estava sendo sensivelmente alterada pelo seu empresário e pelos próprios membros do grupo, que haviam se decidido a firmemente “fazer dinheiro”, no rastro das bandas de sucesso que não ficavam só presas ao esquema limitado de blues, pubs e discos com um restrito público formado apenas por apreciadores do gênero. A partir do hit “For Your Love”, lançado no início daquele ano, os Yardbirds davam adeus aos puristas de blues que os consagraram, mas que passaram a torcer o nariz para eles com aquela virada tão radical em sua carreira: a nova canção, para alguns, era uma viagenzinha poppish no melhor estilo Beatles. Foi esta canção a carta de demissão de Clapton, que era um típico purista de blues, dos Yardbirds.
Convocado a prestar os seus serviços guitarrísticos ao grupo de John Mayall, Clapton lá chegou com toda a pompa underground prestada pelos admiradores britânicos de blues da época. Na manhã posterior à sua primeira noite de apresentação com os Bluesbreakers, Clapton foi, simplesmente, surpreendido com vários muros da cidade de Londres, repletos com a pichação “Clapton is God” (Clapton é Deus), o que solidificou a aura e a imagem mítica do guitarrista para todo o sempre. Até hoje, no entanto, há ainda os que afirmem que a “canonização” de Clapton, na verdade, não passou de um mirabolante golpe de marketing, bem ao estilo dos primórdios das campanhas publicitárias de impacto que fervilhavam em Londres naqueles dias esfuziantes, e quem haveria pichado nos muros teriam sido o próprio Clapton e alguns amigos bluesistas dos Bluesbreakers, numa silenciosa conspiração em resposta ao sucesso dos Yardbirds nos charts britânicos com “For Your Love”.
John Mayall and the Bluesbreakers: com Eric Clapton (o terceiro, da esquerda para a direita).
John Mayall and the Bluesbreakers: com Eric Clapton (o terceiro, da esquerda para a direita).
Pois bem, foi no final de 1965 que Jack Bruce chegou aos Bluesbreakers de John Mayall, que já haviam lançado alguns estupendos registros sonoros em compacto e LP com Clapton (incluindo o histórico “John Mayall and the Bluesbreakers with Eric Clapton”, onde figuram as imortais “Telephone Blues” e “All Your Love”). Bruce encontra, ao lado de Clapton, um ambiente totalmente diferente daquele vivido ao lado de Ginger Baker na Graham Bond Organization: o novo colega de banda o reverencia como um grande músico, e fica especialmente interessado em suas habilidades jazzísticas no baixo. É nessa época que Clapton comenta com Bruce o desejo de, um dia, formar uma banda bastante diferente, com capacidade de fazer um som que conecte tudo que havia de interessante até então, sempre tendo como raiz os blues, evidentemente, mas jazzística e disposta a alçar vôos bem mais altos e diversificados. Estaria o purista de blues Clapton traindo a causa, afinal?
A verdade é que, tanto Bruce quanto Clapton, como qualquer ser humano normal deste mundo, também estavam começando a perceber que tinham o desejo de, além de serem criativa e musicalmente satisfeitos, terem carreiras profissionais bem sucedidas dentro daquilo que faziam, ou seja, o mundo da música. O circuito de blues é limitado – o foi, é, e sempre vai ser. É uma espécie de sacerdócio se manter em um só estilo musical como este, além de ser um tanto quanto limitador, musicalmente falando – daí, o desejo nascente em Bruce e Clapton de formarem algo diferente. Além disso, algo pouco comentado na época era a inveja que ambos tinham do belo modelo Rover conversível que Ginger Baker havia comprado há pouco tempo. Ou seja: é óbvio que, além de dar vazão a todo o seu potencial criativo, Clapton e Bruce burilavam, intimamente, em transformar o seu projeto em uma “máquina de fazer dinheiro”.
Rastros acerca desta nova banda que Clapton e Bruce formariam foram dados, aos fãs ingleses, em um obscuro lançamento fonográfico do início de 1966: Jack Bruce já havia migrado dos Bluesbreakers (onde tomara parte apenas em algumas sessões de gravação e em alguns shows) para o Manfred Mann, uma das bandas pop de maior sucesso na Swingin’ London (aquela de hits como “Do Wah Diddy Diddy” e “Pretty Flamingo”) – talvez até mesmo pelo desejo de ganhar algum dinheiro. E então, com alguns membros do Manfred Mann mais a luminosa participação de Eric Clapton (já abandonando os Bluesbreakers também), foram gravadas algumas faixas de blues tradicional, com uma nova roupagem, no entanto. A química de peso vertiginoso que se formava no entrelaçamento do baixo de Bruce com a guitarra de Clapton era impressionante, e se fazia sentir nas três faixas gravadas para aquela compilação de blues da Elektra Records inglesa, chamada “What’s Shaking”, na qual a tal banda, um projeto de uma noite no estúdio, aparecia sob o nome de Eric Clapton & the Powerhouse.
Sem saber, haviam eles criado o embrião do Cream.

Para que fosse possível a realização de nossa pesquisa, foi consultado o seguinte material:
A História do Rock (Edições Som Três, 1982)
Eric Clapton – Por Ele Mesmo (Ed. Martin Claret, 1992)
John Platt, Disraeli Gears (Schirmer Books, 1998)
Chris Welch, Strange Brew (Castle Communications, 1994)
Brian Hogg & Robert Whitaker, In Gear (UFO Books, 1992)


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