27 de julho de 2010

Rush: o conceito de “2112”, a obra-prima do grupo

Lançado em 1976, o álbum “2112”, quarto disco de estúdio do power-trio canadense RUSH, foi responsável por colocar a banda em evidência para o grande público – o trabalho da banda foi o primeiro a fazer parte do Top 100 da Billboard, recebendo discos de ouro e platina. O álbum é considerado o maior sucesso comercial da banda ao lado de “Moving Pictures” (1981).

O disco marca a guinada progressiva iniciada pelo Rush em “Caress of Steel” (1975), depois dos dois primeiros trabalhos da banda – “Rush” (1974) e “Fly By Night” (1975) – ambos mais voltados ao hard rock.

Mesmo após o desempenho comercial de “Caress of Steel” ficar abaixo do esperado, a banda resolveu mais uma vez apostar em uma música longa e dividida em várias partes, mesmo contra a vontade da gravadora – “The Necromancer” e “The Fountain of Lamneth”, duas das músicas de “Caress of Steel”, somavam juntas 32 minutos e meio.

A gravadora só teria aceitado o álbum devido ao fato de o restante das músicas possuírem caráter mais comercial. Curiosamente, foi justamente a longa e complexa “2112” o maior sucesso comercial do disco – o single da música foi lançado tendo a duração de 6 minutos e 45 segundos, contemplando as partes “Overture” e “The Temples of Syrinx”, já que a versão completa possui mais de 20 minutos e está dividida em sete partes

A música

É importante destacar que tecnicamente “2112” não pode ser considerado um álbum conceitual, já que as outras cinco músicas que fazem parte do disco – “A Passage to Bangkok”, “The Twilight Zone”, “Lessons”, “Tears” e “Something for Nothing”, que integram o lado 2 do álbum no vinil – nada tem a ver com a música “2112”.

No entanto, “2112” se tornou o maior sucesso do álbum e um dos maiores da carreira do Rush ao contar uma longa história dividida em várias partes, ocupando todo o primeiro lado na versão em vinil do disco, o que faz com que habitualmente o trabalho seja considerado como conceitual.

A música composta pelo baixista/vocalista Geddy Lee e pelo guitarrista Alex Lifeson, com letras do baterista Neil Peart, narra uma história que se passa no ano 2112, em um mundo controlado pelos sacerdotes dos templos de Syrinx (parte II da música) – a parte I, “Overture” (Abertura) é instrumental e apenas no final dela ouve-se: “And the meek shall inherit the earth” (E os mansos herdarão a terra) – como resultado de uma guerra ocorrida em 2062 e que terminou com os planetas que restaram alinhados sob a Estrela Vermelha da Federação Solar.

A vida das pessoas na época é completamente controlada pelos sacerdotes, que determinam tudo o que pode ou não ser lido, escutado ou feito. Mas tudo começa a mudar quando o protagonista encontra um violão – “Discovery” (Descoberta), parte III. Maravilhado com o som emitido pelo instrumento, ele se entusiasma com a oportunidade de mostrá-lo aos sacerdotes: “I can’t wait to share this new wonder/
The people will all see its light/Let them all make their own music/The Priests praise my name on this night” (Não posso esperar para compartilhar esta nova maravilha/As pessoas todas verão a sua luz/Deixá-las todas fazerem suas próprias músicas/Os Sacerdotes louvarão meu nome nesta noite).

O ledo engano cometido pelo protagonista é expresso na parte IV, “Presentation” (Apresentação). A empolgação dele acaba diante da reação dos sacerdotes do templo, que desmerecem por completo a descoberta, receosos com qualquer coisa que pudesse fugir do controle deles e perturbar a ordem estabelecida: “Yes, we know it's nothing new/It's just a waste of time/We have no need for ancient ways/The world is doing fine” (Sim, nós conhecemos, não é nada de novo/É só perda de tempo/Nós não precisamos de coisas antigas/Nosso mundo está indo bem).

Decepcionado e abalado com a reação dos sacerdotes, o protagonista cai no sono – parte V, “Oracle: The Dream” (Oráculo: o Sonho). Conduzido por um oráculo para planeta distante, ele vislumbra uma civilização dotada de liberdade e criatividade, prontos para destruir os sacerdotes do templo: “I see the works of gifted hands/That grace this strange and wondrous land/I see the hand of man arise/With hungry mind and open eyes” (Vejo os trabalhos de mãos talentosas/Que encantam esta estranha e maravilhosa terra/Eu vejo a mão do homem levantar/Com a mente faminta e olhos abertos).

Ao acordar, ele entre em desespero ao perceber a diferença entre o sonho e a realidade – parte VI, “Soliloquy” (Monólogo) – culminando na morte do protagonista: “I don't think I can carry on/Carry on this cold and empty life/My spirits are low in the depths of despair/My lifeblood spills over” (Não acho que posso suportar/Suportar esta vida fria e vazia/Meus espíritos estão baixas nas profundezas do desespero/Meu sangue derrama).

No encerramento, após o suicídio do protagonista, chega-se ao final enigmático – parte VII, “The Grand Finale (O Grande Final) – com uma voz que anuncia: “Attention all Planets of the Solar Federation/We have assumed control” (Atenção todos os planetas da Federação Solar/Nós assumimos o controle). A dúvida é se a civilização vislumbrada pelo protagonista durante o sonho assumiu o poder derrubando os sacerdotes do templo ou se sacerdotes alcançaram o poder pleno com a morte da única pessoa que poderia ameaçar a ordem estabelecida.

Influências

A “Overture” (parte I), introdução da música com cerca de quatro minutos e meio, apresenta seqüências de notas similares a partes da “Tchaikovsky’s Overture 1812”, criada pelo compositor russo para celebrar a vitória dos russos sobre o exército napoleônico em 1812.

Também na introdução da música, é possível ouvir uma frase: “And the meek shall inherit the earth” (E os mansos herdarão a terra), trecho presente no Novo Testamento, Evangelho de São Mateus, que trata do “sermão da montanha”, uma série de discursos feitos por Jesus Cristo tratando da conduta e moral que, para ele, deve ser adotada pelas pessoas.

Mas a maior influência para a composição de “2112” é o romance futurista “Anthem” (Hino), escrito pela autora russa Ayn Rand em 1938, responsável por inspirar o enredo, a estrutura e o tema de música. Na obra – que também empresta o nome a uma música do Rush presente no álbum “Fly By Night” (1975) e a gravadora fundada em 1977 pelos membros da banda em parceria com o empresário Ray Danniels Rush – a escritora aborda uma sociedade, em um futuro não indicado com exatidão, dominada pelo coletivismo e pelo fim do individualismo.

Ao criticar os princípios básicos do governo socialista soviético, Ayn, nascida na Rússia e morando nos Estados Unidos no período, defende através da obra idéias presentes em seus trabalhos como a importância do individualismo, egoísmo racional, liberalismo econômico e capitalismo.

No livro, o personagem Igualdade é preso e punido por desafiar a ordem estabelecida – apesar de ter sua profissão determinada como gari, ele se destaca nas ciências e na matemática, sendo responsável pelo desenvolvimento da eletricidade. Assim como o protagonista de “2112”, Igualdade sofre com a falta de liberdade criativa em uma sociedade que, assim como a Estrela Vermelha da Federação Solar, leva o coletivismo e o controle sobre as pessoas ao extremo, elimiando qualquer possibilidade de desenvolvimento individual do sujeito, perspectiva que influenciou bastante Peart na composição da letra de “2112”.

O símbolo

O “Starman”, que aparece na contra-capa de “2112”, foi muito bem aceito pelos fãs e se tornou o símbolo da banda – a figura aparece também nas capas dos álbuns ao vivo “All the World’s a Stage” (1976) e Exit... Stage Left (1981), além das capas de Moving Pictures (1981) e da coletânea “Retrospective I” (1997).

A criação foi feita de acordo com a idéia principal expressa em “2112”, a oposição entre o ser humano, livre e dotado de criatividade, representado pelo homem nu, e a mentalidade coletivista que oprime a individualidade dos sujeitos, representada pela estrela.

“O homem é o herói da história. Ele está nu, de acordo com a tradição clássica, e representa a pureza, a criatividade, sem outros elementos que o tornam impuro, como o vestuário, por exemplo. Já a estrela vermelha, da Federação Solar, que foi uma sugestão de Neil, representa o mal”, comenta o designer Hugh Syme – ele é o responsável por todas as capas dos álbuns do Rush desde “Caress of Steel” (1975). “A estrela, na verdade, simboliza qualquer tipo de mentalidade coletivista”, explica Peart, que participou diretamente da concepção da capa, algo defendido na postura dos sacerdotes dos templos de Syrinx.

O legado

As partes I e II da música “2112”, “Overture” e “The Temples of Syrinx”, é presença constante nos shows da banda desde que foi gravada em 1976. O álbum tem recebido uma série de honras e prêmios ao longo dos tempos, sendo listado, por exemplo, na obra “1001 Albums You Must Hear Before You Die”(“1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer”, na versão em português), além de ser escolhido como o disco definitivo do Rush em uma eleição realizada pela revista Classic Rock em 2006.

Mas a maior honra para o álbum veio do Canadá, país natal dos músicos. Também em 2006, a organização não governamental, The Audio-Visual Preservation Trust, dedicada a preservar o patrimônio audiovisual canadense, escolheu o álbum da banda como uma das obras culturais do país a ser preservada. Agora, a versão musical da eterna batalha entre individualismo e coletivismo é um bem cultural do Canadá. Nada mais justo.

Fonte desta matéria: Wikipédia (versão inglesa)

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