20 de setembro de 2011

Use Your Illusion: 20 anos atrás, o Guns no topo do mundo


Por Nacho Belgrande
17 de Setembro de 1991.
Se você tem por volta de 30 anos ou mais, deve ter lembranças vívidas do que foi aquele dia «ou aquela noite». E tal como eu, não deve ter referência nenhuma de comoção tão grande em cima de uma banda nem antes, nem depois.
Há exatos 20 anos, o Guns N’ Roses simplesmente tomou de assalto a indústria fonográfica da civilização ocidental por uma noite, e só não o fez também com a oriental porque o sol já havia nascido por lá.
Numa manobra inédita, ousada e megalômana, o grupo lançava dois discos duplos – o vinil ainda era referência – simultaneamente, enquanto já excursionava para promovê-los fazia quase seis meses.
Eu não temo pagar minha língua depois ao afirmar que jamais haverá uma convergência de preparo, potencial, oportunidade, sincronia e momentum para uma banda como houve naquele ano, em torno do tão aguardado ‘novo disco do Guns N’ Roses’. Mas aquela supernova começara a explodir muito antes.
Lembro que em 1989, a Folha de São Paulo, em uma edição dominical, anunciava que o ‘mercado heavy’ queria o recorde de Michael Jackson, fazendo uma referência à prensagem inicial de ‘Bad’, do falecido cantor, que havia sido lançado nas lojas dos EUA com 3,7 milhões de cópias. O ‘mercado heavy’ do qual a Folha falava era o então futuro lançamento de ‘Dr. Feelgood’ do Mötley Crüe, que teria 3 milhões de unidades despachadas no dia 23 de setembro daquele ano. O mesmo artigo dizia que o recorde deveria ser arrebatado pelo novo disco do Guns N’ Roses, previsto para 1990 e que deveria sair do prelo com 4 milhões de cópias prontas.
Pra quem já era fã do grupo ou conhecia a banda de Axl, Slash, Duff, Izzy e Steven, 1990 foi o mais longo dos anos. Tudo que ficamos sabendo – através das pouquíssimas fontes de informação que tínhamos no país na época – foi do lançamento do cover de ‘Knockin’ On Heaven’s Door’ na trilha sonora de ‘Dias de Trovão’ «iniciando uma série de inteligentes parcerias da banda com o cinema – ignorem ‘Dirty Harry na Lista Negra’, com Jim Carrey cantando ‘Welcome to the Jungle’» e da demissão de Steven Adler, assim como de sua substituição pelo ‘baterista do The Cult’, que é como a maioria de referia ao ilustre desconhecido do qual ninguém tinha foto «aonde, em 1990, você procuraria por uma foto de Matt Sorum?».
A MTV chegou ao Brasil no final daquele ano e até ali, só restava aos fãs da banda comprar a «revista» Bizz todo mês e ler quatro linhas que fossem que em sumo, diziam que ‘Axl afirmou que as gravações do novo disco estão quase terminadas’ e/ou comprar a Rock Brigade, que só falava em Guns N’ Roses em caso de escândalo e quase sempre em tom jocoso. A melhor notícia de 1990? O Jornal Nacional anunciar em horário nobre que o Guns N’ Roses faria dois shows na segunda edição do Rock In Rio em janeiro de 1991.
Em 1991, shows estrangeiros no Brasil ainda eram um grande acontecimento. Qualquer gringo de férias pelo país que tocasse pandeiro na praia ganhava duas páginas no Globo. Um festival com as proporções do Rock In Rio ganhava uma importância que todo o circuito de festivais existente em território nacional hoje não alcança. O festival ocorria nas férias escolares, e depois da primeira fase e antes da segunda etapa dos principais vestibulares de universidades públicas, para que mais pessoas tivessem a oportunidade de ir. Sendo assim, e com menos de 10 canais por assinatura disponíveis no mercado «e mesmo assim somente nas quatro maiores cidades do país», a Rede Globo de Televisão adquiriu os direitos de transmissão do RIR para TV aberta no território nacional.
Sem entrar em detalhes sobre a passagem da banda offstage pelo país, a exibição dos dois shows de Axl et al, em especial a do dia 20 de janeiro, expôs a banda a todo o território nacional numa noite de domingo, pouco depois do horário do Fantástico. Foi naquela transmissão que o Guns N’ Roses fundiu em aço sua popularidade no Brasil. Quem não conhecia, ficou conhecendo; quem já conhecia, estava esperando, e quem já gostava, passou a gostar mais; quem não assistiu na época, ou nasceu 10 anos depois do espetáculo, descobriu a banda por esse show no YouTube, e provavelmente sabe o set list de cabeça. Falando de novo em convergência de fatores, o público assistiu a uma banda no auge da carreira se apresentando num país de terceiro mundo, o que era muito incomum. E isso foi muito apreciado. A platéia brasileira também era menos acostumada a shows, e, portanto «mesmo sob um calor que dava novo sentido ao termo ‘Equatorial’ – eu estava lá», muito mais agitada e calorosa – o que comoveu a banda.
Na época, o Guns N’ Roses recebeu 500 mil dólares pelas duas apresentações no Maracanã – metade do que a versão 2001 do grupo receberia por um único show no Rock In Rio 3. Mas eles poderiam ter tocado de graça e o retorno ainda seria compensador. O grupo voltou para Los Angeles com uma nação de dimensões continentais louca para pôr as mãos em qualquer coisa com o logotipo da banda estampado.
O ‘novo disco do Guns N’ Roses’, dizia-se nos telefones sem fio, sairia ainda naquele semestre. Afinal, se o grupo já tinha apresentado tantas faixas novas nos dois shows cariocas – sete no total, o que se supunha então ser mais da metade do álbum – o processo deveria estar próximo do fim. Até estava, e quando a turnê ‘Get In The Ring Motherfucker’ começou em maio de 1991, a demanda por material novo da banda já era tão grande que os shows – já com repertório tirado do vindouro trabalho – gravados ilegalmente e de maneira amadora eram pirateados e comercializados ao redor do mundo em fita cassete e vinil.
No mesmo mês de maio, a – mais uma vez ela – Bizz trouxe em suas páginas «que a essa altura, já figurando uma meia dúzia de jornalistas da ‘escola’ Rolling Stone/NME -brasileiros de nascença com complexo de Londrino e que abominavam qualquer coisa que figurasse no mainstream – escrutinizava a banda em qualquer oportunidade» uma declaração de alguém no campo da banda dizendo que o disco não sairia por enquanto para que fosse mixado novamente, de modo que o som ficasse ‘mais sujo’, e que o lançamento ficaria ‘mais pro final do ano’.
A sensação de fel na boca que o ‘mais pro final do ano’ causou em quem esperava pelo álbum foi dissipada em parte por mais uma incursão do Guns N’ Roses pela sétima arte: ‘You Could Be Mine’, que já era conhecida do público por sua execução no Rock In Rio, era lançada como single e fora incluída na trilha sonora do filme mais aguardado daquele ano: ‘O Exterminador do Futuro 2’. Lançada nas rádios no dia 18 de Junho «o filme chegaria ao Brasil em Agosto», a faixa e o filme, em mais uma martelada certeira do destino em dois pregos ao mesmo tempo, promoveram um ao outro. A capa do single tinha Arnold Schwarzenegger caracterizado como o modelo cibernético T-800, e o vídeo promocional da canção contava com o ator em uma participação inusitada, com todo um contexto do enredo do filme inserido numa apresentação do grupo. Lembremos que na época, Schwarzenegger era o ator mais conhecido do planeta, e qualquer banda pagaria qualquer coisa para tê-lo em seu set.
Voltemos ao Brasil. Cerca de três semanas antes do lançamento de ‘Use Your Illusion’, o Globo Repórter dedicou uma edição inteira a ‘Terminator 2’, ressaltando as revolucionárias técnicas de efeitos especiais do filme, o estrelato do imigrante austríaco que tinha se tornado o ator mais bem pago do cinema de ação, e claro, vários trechos de ‘You Could Be Mine’ ao longo do programa, expondo o Guns N’ Roses mais uma vez ao país todo em horário nobre.
Cerca de uma semana antes do lançamento do disco, ‘Don’t Cry’, uma faixa que a banda não tinha tocado no Rock In Rio e que só era conhecida por quem tivesse ‘descolado’ uma fita cassete bootleg de algum show ocorrido naqueles longos seis meses antecedendo a seu lançamento oficial, chegava às rádios nacionais, e de cara, chegava ao topo das paradas do Brasil. Dado surreal: por ‘paradas’, entenda-se ‘o que tocava na «pasmem!» Jovem Pan e/ou Transamérica’. Isso mesmo, em 1991, a Jovem Pan tocava Guns N’ Roses. A revista Veja «na época em que a revista tinha a relevância de quarto poder» entregue às bancas no domingo anterior a 17 de Setembro deu duas páginas de destaque a ‘Use Your Illusion’, revelando que seriam de fato dois discos, e que a experiência fonográfica ultrapassava 3 horas de audição. E não, a resenha da revista não era lá muito favorável aos compêndios.
O dado mais importante da matéria da Veja: uma data definitiva, 17 de setembro, terça-feira, menos de 48 horas depois deu ter lido a revista.
Claro, as horas seguintes passaram muito devagar para mim, por mais de um motivo: 1 – eu mal podia me aguentar de ansiedade, e 2 – se eu tivesse que comprar dois discos ao invés de um, minha regulada mesada de estudante aos 17 anos vivendo em uma república em Ribeirão Preto seria seriamente desfalcada com essa extravagância. Na verdade, eu não teria dinheiro suficiente para comprar dois vinis ‘zero’ naquela terça.
Na segunda-feira à noite, contudo, liguei a cobrar de um orelhão [não existia telefonia celular no país] para meus pais em GO, e surpreendentemente, meu pai, antenado como nunca – ou como sempre – me disse que sabia do lançamento dos discos, e que quando eu soubesse do preço deles, que o avisasse, e que ele depositaria o dinheiro de presente para mim. Daí então, ao invés das horas passarem mais rapidamente, elas começaram a ficar mais longas.
Voltei para casa e assistindo ao Jornal Da Globo – que na época era apresentado por William Bonner e Fátima Bernardes – ouço antes de uma chamada para o intervalo: ‘E depois dos comerciais, o tumulto nas lojas americanas pelo novo disco do Guns N’ Roses’. Eu já não sei que horas da madrugada eram quando a matéria foi exibida, mas todo aquele furdúncio que podemos ver pela internet hoje em dia estava ali, sendo transmitido pelos escritórios da Globo em Nova Iorque, mas com imagens da Tower Records de Sunset Strip [Los Angeles], que havia aberto as portas às 00h00min para vender o disco. Gente saindo com os CDs em long box [quantos de vocês já tiveram um CD em embalagem long box nas mãos?] gritando e acenando para as câmeras. Estações de rádio tinham montado acampamento em lojas ao redor do país para registrar o fato. Pôsteres gigantes com as capas dos dois discos cobrindo as vitrines do teto ao chão.
E assim eu perdi definitivamente meu sono, na expectativa de que, caso eu matasse aula, poderia adquirir os álbuns ainda pela manhã e começar a ouvi-los antes do almoço. Mas claro que eu não podia, o que eu diria a meus pais?
Minutos depois de a matéria ter sido exibida, meu irmão adentra o apartamento e antes que eu pudesse informá-lo do que eu tinha acabado de ver, ele me diz, sem muito entusiasmo: ‘Você viu os discos do Guns? Eu vi lá no Carrefour do Shopping hoje. São dois discos duplos, né?’. Meu mundo caiu. Então o disco já tinha sido lançado no Brasil, chegado ao interior paulista e eu parado em casa? Mal sabia eu, é praxe que discos sejam lançados em certos países um dia antes dos EUA.
Eu fui a aula naquela terça, ainda que minha mente não tenha se focado por momento algum no que seis qualificados professores tenham explicado das 7h às 12h30min. Quando eu saí da escola, também não me interessava almoçar. Liguei de um orelhão [com fichas de chumbo, não com cartão de papel] para uma loja razoavelmente careira do centro da cidade, e informei o preço a minha mãe em seguida. Ela conseguiu fazer o depósito para minha conta só ligando para o gerente do banco e meu irmão, munido do cartão do Bradesco Instantâneo, rumou para o Carrefour num ônibus, encarregado de trazer as quatro bolachas.
Se não me engano, ele deve ter chegado de volta pouco antes das 4 horas da tarde, e começamos a ouvir da primeira faixa, em ordem cronológica, e sem parar. E assim fomos, eu, ele e nosso outro colega de república, de ‘Right Next Door to Hell’ até ‘My World’. Acabamos por volta de 8 horas da noite, e eu confesso: não ‘entendi’ aquele disco de cara. Era diversificado demais, longo demais, adulto demais, complexo demais. Pois bem, jantamos e o ouvimos de novo, dessa vez pulando as faixas que não nos agradavam tanto.
Naquela semana, o que houve de publicidade pra banda no Brasil nunca se viu e nunca mais vai ser visto. No mesmo domingo em que li a tal edição da Veja, uma banda cover do Guns N’ Roses se apresentou no Domingão do Faustão, com direito a Slash e Axl de peruca tocando ‘You Could Be Mine’. No decorrer da semana, as Lojas Americanas anunciavam em um comercial confeccionado somente para a oferta, que ‘ninguém vendia o novo disco do Guns N’ Roses tão barato’. Na [já finada loja de departamentos] Mesbla, você encontrava até camisetas para crianças de 4 anos com o logotipo do grupo. Mesma coisa no igualmente liquidado magazine Mappin. Foi o começo da super-popularização do grupo, assim como a alvorada de sua saturação.
Use Your Illusion I estreou em #2 na parada da [revista estadunidense] Billboard, vendendo 685 mil cópias em sua primeira semana de lançamento, menos do que Use Your Illusion II, que chegou às 770 mil cópias em 7 dias e, portanto, arrebatou o primeiro posto da tabela.
Cada um dos Illusion venderia mais de 14 milhões de cópias mundo afora.

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