24 de novembro de 2010

Paul McCartney no Morumbi: valeu a pena?

Beatlemania no Brasil é muito mais do que gritinhos histéricos e arrancar de cabelos. O fã brasileiro deve provar, por cima de pau, de pedra, do Bradesco e dos cambistas a que veio.


A batalha começou muito antes, na emocionante saga por ingressos. O fã se viu obrigado a percorrer sua agenda telefônica de A a Z para descobrir qual dos seus contatos teria o acesso privilegiado aos ingressos de Paul, por meio dos cartões de crédito Bradesco. Neste processo, começou a se perguntar como sobrevive um banco de clientes aparentemente fantasmas. Onde estão, ó tão preciosos proprietários de cartão de crédito Bradesco?
Após conseguir o objeto almejado, através do tio do avô do pai do melhor amigo do vizinho ou como eu, que tinha dados de um cartão cuja dona nunca saberá a que propósitos e a quem serviu àquela noite, era hora de pôr-se a postos. Enquanto esperavam ansiosamente, os amigos punham-se a dividir suas angústias no MSN. Naquela noite, todos os insones usuários do MSN tinham uma única missão. “Já começou a vender?”; “Já começou!!!”; “Você conseguiu?”; “Não, e você?”; “Compra pra mim?”; “O site está travando”; “Não aceita mais o mesmo cartão”. É assim, fã de BEATLES é solidário e somente vai dormir depois de ajudar ou acompanhar na dor o último dos possíveis compradores de ingressos. Em poucos minutos, via-se esgotarem os ingressos dos melhores lugares. Não teve pra quem quis. A saga continuou, quando colocaram novos ingressos para o público não usuário do Bradesco; quando se abriram as pré-vendas para o segundo dia de show; quando se abriram as vendas para o segundo dia. Foi muita ansiedade e angústia materializada em noites de sono perdidas, faltas e atrasos no trabalho, cujo chefe, obviamente, compreendia. Tudo na vida é questão de prioridades e Paul McCartney é prioridade. Mesmo um chefe é capaz de discernir esta absoluta verdade.
Conseguido o ingresso, era a hora da luta por passagens e diárias. Para todas essas coisas da vida existe Mastercard.
Antes mesmo de chegar em Sampa, nos aviões e aeroportos, o clima já antecipava o que seria encontrado lá. Eram pessoas vestindo suas blusas de malha e estampas com imagens e dizeres sobre os BEATLES, mochilas e seus bottons, Ipods com os grandes hits. Apenas para ilustrar: desde os meninos de quinze anos que vinham do Acre até as senhoras argentinas, passando por todas as gerações, gêneros e territorialidades, a euforia-carnaval contagiava a todos e criava uma grande irmandade unida pelo amor ao ídolo, como Freud, com quase oitenta anos de antecipação, já havia descrito em “Psicologia das massas e análise do eu”, a respeito do fascínio causado pelos... pianistas! O que viria depois todos sabiam e queriam: era a história para contar. Não se trata da NECESSIDADE de ficar dois dias em uma fila do lado de fora do estádio, mas sim do prazer orgulhoso de dizer que se esteve lá. Ir ao show de um beatle é ter feito parte da História. As filas quilométricas são apenas o laurear.
Depois das horas em pé debaixo de sol (e no caso dos que foram ao show no dia seguinte, debaixo de chuva), depois de mais algumas horas dentro do estádio espremido feito sardinha em lata, é chegado o grande momento. Terá valido a pena? O que se viu?
Viu-se o que já se sabia que se ia ver. A Folha de São Paulo, escrotamente, a meu ver, já tinha descrito na quinta-feira anterior em minúcias o que veríamos no domingo. A set list, esta já se sabia com muita antecedência. A antecedência necessária para que as músicas desconhecidas fossem baixadas na Internet, insistentemente ouvidas e devidamente decoradas para o bom fã não fazer feio no grande momento. Mas o que a Folha antecipou foi mais: as brincadeiras, as falas, a hora que o show amorna, a hora que o show eletrifica, os efeitos especiais, o português do Paul. Não, a Folha de São Paulo não tem em seu quadro jornalistas com poderes mediúnicos. É difícil para um fã assumir, dói, é dar a cara a tapa e a mão à palmatória: mas show do Paul é tudo igual.
E eu, que nunca tinha ido a um show do Paul, já tinha visto aquele mesmo correr pelo palco com uma grande bandeira, promiscuamente levantada, não importa qual país fosse; já tinha visto o mesmo ensaiar de vozes ao som de “Na Na Na” no tão esperado momento de Hey Jude; já tinha visto o jogo de luzes que o público fazia junto às palavras de Let It Be. É necessário confessar que todos os fãs de primeira viagem, por uma vida inteira, ansiaram estar naquele show metódica e universalmente ensaiado, fosse por parte dos artistas, fosse por parte do público. Talvez assim deva ser lido um show de Paul: não mais como algo enérgico, sidérico e disruptivo como é característico do verdadeiro rock; como foram os BEATLES quando ousaram fazer um inusitado show no topo de um prédio. Mas como uma ótima peça de teatro, tantas vezes encenada da mesma forma para públicos distintos.
Depois, com as parcelas a vencer no cartão e a dor nas pernas por dias resultante das horas passadas em pé, eis que a consciência pergunta: valeu a pena?
Eu diria que o show do Morumbi foi como um show no DVD de casa, embora com menos conforto. Ter estado lá ocasionou prazeres secundários, como encontrar os amigos espalhados pelo Brasil e que não se via há anos, unidos todos por uma grande causa. Além disso, regozija ter visto o que media nenhuma noticiou: quando a horda primeva, nos minutos iniciais do show, destruiu o balão do Bradesco, máximo culpado por nossas dificuldades na aquisição dos ingressos. Mas não importa o que acontecesse àquela noite: o beatlemaníaco sabe que nunca se perdoaria se não estivesse ali, cumprindo o seu ritual religioso.
Ir foi necessário para aplacar a ansiedade quanto à possibilidade de não estar presente na talvez última passagem de um beatle pelo Brasil. Eu acrescentaria à Fernando Pessoa: tudo vale a pena, se a alma não é pequena e se a Mastercard divide em 10x.

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