A estória de Ken Kesey, um dos sujeitos que ajudaram a tirar a chamada “Contracultura” da cartola de Tio Sam nos anos 60, sendo referência para muito do que hoje se conhece como cultura pop.
Introducto lisérgico-porralouca
Entre os que vivenciaram o apogeu da psicodelia e da contracultura nos EUA, rola um ditado mais ou menos assim: “se você se lembra de como foram os anos 60, então você não esteve lá.”
Certamente eu não estive nos ‘60s (pelo menos conscientemente), mas eles estão em mim, não só por ser oriundo da década (1968) e de suas “revoluções” (no meu caso, a ausência da revolução que foi a “pílula”), mas pela fissão que aquele lapso temporal trouxe para a chamada civilização ocidental, como se os anos 60 fossem um artefato com uma ogiva sócio-cultural que explodiu, abrindo uma dobra no tempo (“Sinto como se os ‘60s ainda estivessem por acontecer. Eles me parecem um período mais no futuro que no passado”, como Paul McCartney diz em “Many years from now”, citado por Barry Miles), dando o fugidio vislumbre de uma “história paralela” e cativando para sempre o imaginário das gerações posteriores numa espécie de banzo hipnótico e/ou espontâneo.
Um dos maiores responsáveis pela abertura deste “portal no tempo”, foi Ken Kesey e seus Merry Pranksters.
Aí você pergunta: e o que o tal de Ken Kesey tem a ver com o Rock?
Um pouco de paciência e a gente chega lá. (Mas se você é daqueles que só se interessam por matérias estritamente sobre música, pode ir parando por aqui, que o texto é sobre uma de várias fontes que resultaram em mudanças no ambiente cultural dos anos 60 e que influenciaram muita gente do Rock).
Kesey, o experimento humano
Ken Elton Kesey (nascido em La Junta, Colorado, 1935), com a publicação de seu livro “Um estranho no ninho”, já havia sido considerado pela crítica literária do início dos anos 60 como um dos mais promissores talentos surgidos da segunda leva da Beat Generation (movimento surgido por volta dos anos 40, que teve em Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William Burroughs alguns de seus pioneiros e até hoje maiores expoentes).
À parte a generalização dos críticos literários da época, Kesey nunca fez parte da fornada Beat, se situando no fino limiar que existiu entre a Lost Generation dos anos 40/50 e os Hippies dos anos 60 (estes últimos tendo em Ken um grande referencial para sua filosofia “drop out”). Quem já leu o livro (ou mesmo já viu o alucinado filme), sabe que Kesey era um intelectual que demonstrava fino conhecimento sobre a sociedade em que vivia e os valores rígidos que essa sociedade prezava... ele já havia conquistado inúmeros prêmios literários além do respeito de seus pares e da imprensa especializada, tudo isso sinalizando a garantia de um futuro financeiro estável e tranqüilo... o que mais poderia querer um sujeito nascido em La Junta? Tenha a certeza: Kesey queria mais, muito mais do que um futuro financeiro garantido e tranqüilo... queria ir “além”, literalmente.... tinha alcançado um patamar em sua vida, mas sentia que faltava o passo definitivo para alcançar o eterno... era uma questão pessoal... uma “viagem” que cumpria apenas a ele fazer, sem cogitar de onde iria parar... com a grana e o prestígio amealhados com a edição de sua obra, decidiu injetar sua vida nessa “viagem”...
Kesey, como boa parte da elite artístico-cultural de meados dos anos 50, já vinha experimentando com entorpecentes e drogas alucinógenas variadas, aplicando seus efeitos no trabalho que produzia e na vida que levava. Aliás, Kesey escreveu “Um Estranho no Ninho” no período em que foi voluntário no programa governamental secretamente financiado pela CIA, que estudava o efeito de drogas psicoativas na busca de uma arma química... (a grande piada que Kesey contava era testemunhar solenemente que o melhor ácido que tomou em sua vida foi pago pelo Governo dos EUA)....
(Drogas e entorpecentes, é bom esclarecer, eram encarados de uma maneira diferente àquela época, um tempo em que a repressão moralista, a guerra fria e a “caça aos comunistas” eram a tônica nos EUA e legitimavam a censura de livros, filmes, quadros e até mesmo comportamentos. O “american way of life”, que era exportado para o mundo inteiro por meio do cinema, não era a realidade que vivenciava parte daquela geração que não encontrava todas as respostas às suas dúvidas materializadas em liqüidificadores, lavadoras de louça automáticos e inúmeros outros gadgets eletroeletrônicos então recém-inventados... Aqueles que questionavam os valores então vigentes, sofriam uma reação quase sempre desproporcional aos seus questionamentos, sendo, em geral, classificados como “vermelhos”, "comunas", "quintas-colunas", "lacaios de moscou" e outras pérolas do reacionarismo convicto.. Desta maneira, qualquer um que se indignava com a segregação racial que rolava impune no país - mais acentuadamente no Sul dos EUA -, era “comunista”; quem achava um absurdo os zilhões de dólares que eram direcionados à indústria armamentista, era “comuna”; e chegou até o momento em que se você gostasse de Jazz e andasse com “uns” Miles Davis debaixo do braço, corria o risco de ser chamado a depor perante a “comissão de caça às bruxas”, chefiada pelo verdugo-mor, sua santidade, o senador Joe McCarthy... Nesse ambiente político-cultural extremamente repressivo, as drogas, além do processo químico que causava a enfeitiçante sensação de liberação, prazer e percepção diferenciada da realidade, embutiam também uma atitude, um cunho subversivo aos comportamentos e pensamentos daqueles que as consumiam em relação aos “squares”, ou caretas no comando. Ingerir drogas, em tal contexto, era quase uma afirmação de personalidade. Quanto mais radicalismo e violência vinha sobre esses “artistas perdidos” - título atribuído indiscriminadamente a todo e qualquer artista que não se mantivesse dentro dos padrões da corporate America e curiosa corruptela de Lost Generation, termo que teria sido criado por Jean Paul Sartre para definir a geração dos anos 40/50 - mais radicais e surreais se tornavam as obras que saíam de suas mãos).
Kesey era um desses “artistas perdidos”, inconformados com o conservadorismo vigente, mas sabia que só conseguiria contribuir de alguma forma para mudar aquele cenário puritano partindo do individual e não do coletivo... como artista, já tinha entendido que um simples livro não tinha o poder de fazer ruir as muralhas do conservadorismo, por mais contestador que ele fosse... entendeu, então, que sua vida seria a sua grande “performance”, e a sua “viagem” a sua contribuição para mudar aquele estado de coisas... não tinha ambições político-partidárias... não tinha capacidade organizacional... e a realidade, com seus Eisenhowers, McCarthys, Kennedys, Castros e Luther Kings, não o interessava mais... sim, porque os políticos e personalidades da época não significavam nada para ele... nomes mudariam, mas as cabeças continuariam as mesmas, com as mesmas respostas vazias para tudo... seria preciso mudar toda a corrente de pensamento, derrubar tudo e começar do zero, para que daí uns vinte, trinta anos novas gerações pudessem ter a possibilidade de viverem uma vida menos tacanha, menos ditada por tantas regras, menos monitorada por tantos gritos de ordem, menos consumista, menos cínica...
Como primeiro passo para fugir de toda a parafernália urbana que o cercava, Ken junta sua grana e compra um refúgio nas montanhas de São Francisco, numa localidade chamada La Honda, e ali começa a viver os grandes dias de sua “viagem”... com uma personalidade carismática, é inevitável a atração que Ken exerce sobre outras pessoas também cansadas das respostas de conveniência do status quo vigente e de suas vidas café-com-leite-gravata-trabalho-casa-pijama-igreja-aos-domingos... apareceram primeiro alguns velhos conhecidos que haviam cursado faculdade em Stanford com Ken, depois vieram novos membros para o bando que acabou se tornando conhecido como Merry Pranksters (algo que em tradução livre, sugere termos dúbios como “Festivos Gozadores” ou “Alegres Brincalhões”)... em La Honda, eles formaram a pioneira comunidade alternativa dos ‘60s e passaram os dois primeiros anos daquela década em longas terapias alucinógenas, para se depurarem de “anos de realidade”, ouvindo as “palestras” de Ken, curtindo o Soul Jazz de Jimmy Smith e Horace Silver, e criando todo tipo de porralouquice imaginável, desenhos, máscaras, chapéus, quadros, cartazes, poemas, gravações de ruídos, jogos de palavras e luzes... além de darem festas, muitas festas que ficariam famosas primeiro na região de La Honda, mas que logo começariam a atrair personalidades de San Francisco, Los Angeles e até de outros países... nas festas, o prato principal era o ponche, que tinha uma receita pra lá de incomum: para cada litro de suco de laranja um quarto de Ácido Lisérgico Dietilamida, ou Lucy in the Sky with Diamonds, ou LSD para os mais práticos... havia também um happening que consistia na leitura de poemas e textos, mais tarde alguém improvisava um som e todos caíam na mais alucinada farra que a America já tinha visto... essas festas foram o embrião para o que tempos depois seriam os Acid Tests.... não é de estranhar que logo a fama de Kesey e de seus Pranksters tivesse rompido barreiras geográficas e chegado aos ouvidos da galera de Nova York, nominalmente Timothy Leary, considerado por muitos o “pai do Movimento Psicodélico”... Leary, contudo, médico que era, levava uma vida extremamente reclusa em sua mansão, com seu séquito fazendo da experiência com o ácido algo que, num primeiro momento, era revestido de uma solenidade quase acadêmica... ficou sabendo que havia um alucinado na Califórnia que vinha usando e abusando do LSD como instrumento de exploração do subconsciente, mas tudo num nível que desafiava qualquer seriedade, o que o levou a pensar em Kesey e seus palhaços elétricos mais como um atrapalho em sua séria missão (convencer a mídia e os políticos de que o LSD era um medicamento que revolucionaria positivamente as relações humanas naquela década e que todos deveriam ter o direito de tomá-lo, após alguns prévios exames!?!?!... huahuauhahuahua... carteira de motorista para tomar LSD).... somente por volta de 1967, Leary passou a encarar o que vinha “fazendo” de maneira menos hermética, mais livre de concepções científicas, e começaria a dar festas também antológicas, bolando o slogan do que mais tarde viria a se tornar o movimento psicodélico: “turn on, tune in & drop out” (algo como “se liga, entre na onda e caia fora [do sistema]”)....
Em 1964, Kesey, mesmo vivendo a mais incomum das rotinas que um ser humano já viveu, consegue retirar lógica sabe lá de onde, escreve e publica “Sometimes a Great Notion”, seu segundo romance, que quando lançado não alcança o êxito editorial de “One Flew´s Over a Cuckoo’s Nest”, mas garante nova remessa de verdinhas para seu bolso e combustível para mais uns quatro anos de “viagem”... aliás, nesse mesmo ano, rolava a Feira Mundial em Nova York e alguém dos Pranksters sugere que eles se mandem para lá... dada a enorme audiência do evento, seria o local ideal para que eles mostrassem o que andavam urdindo em La Honda... huauhahua... só de pensar na grande farsa que seria um “stand” apresentando as benesses que o consumo do LSD traria para as pessoas, enquanto ao lado era apresentado ao mundo a “meia calça sem costuras”, Kesey caía na gargalhada, e como farsa era a sua praia, topou de imediato... “vamos fazer uma jornada pelo mágico e misterioso”... fazia algum tempo que ele queria mesmo cair na estrada, atualizando a grande trip de Jack Kerouac nos anos 40 (retratada no clássico “On The Road”)... compra então um ônibus escolar (afinal eles estariam levando conhecimento aonde fossem!), instalam todo tipo de aparelhagem sonora e uma câmera 16 mm para filmarem tudo que se passaria na literalmente navilouca, sapecam uma pintura bem discreta na lataria e colocam naquele espaço para indicação do destino: “Furthur” (gíria que funde na mesma palavra “além” e “futuro”)...
Ao lado, o 1939 International Harvester comprado por Kesey para a grande viagem, hoje um ícone da Contracultura e já com seu destino grafado 'Further'.
Mas quem os levaria? Não poderia ser qualquer um... Neal Cassady andava zanzando pelas festas de Kesey, quem melhor que ele, o grande inspirador de Kerouac em On The Road, para guiar os Pranksters em sua odisséia, como se fora um Ulisses moderno? Estava decidido, Cassady “Speed limit” seria o driver da segunda mais importante viagem da história contemporânea dos USA... a viagem dentro da “viagem”... Mas além da grande afronta ao establishment sugerida pelos Pranksters, Kesey tinha vários outros planos para a trip... pretendia filmar tudo e lançar para a posteridade um documentário sobre a jornada, e, se desse, faturar algum... mas ia um plano maior por trás de todos os outros na cabeça do alucinado Ken... “que tal se a gente montasse uma festa itinerante, onde todos que quisessem tivessem acesso à experiência com a mágica?”, propôs Kesey... “Yeah!” Foi o consenso da távola dos Pranksters... “Tio Sam vai tomar ácido”, sacou Ken Babbs, Prankster de primeira hora... Kesey então, se lembrando que havia sido o governo quem financiara suas primeiras alucinações, sacou: “o Tio Sam vai DAR ácido pra quem quiser!” A partir dali criou o visual que se tornaria sua marca registrada, o Tio Sam bozo... e partiram de La Honda largando um rastro de embasbacados por onde passavam...
Ao lado, Kesey com seu histórico visual, entoando o “Star Spangled Banner” no Furthur Festival, 1996, a “viagem” não termina nunca.
Os Pranksters, eufóricos com as idéias de Kesey, bolaram então uma série de cartazes para os happenings que fariam.... “vamos testar a America... o teste do ácido... YEAH!!!!!!”
Ao lado, alguns exemplares da arte “concebida” para os cartazes feitos pelos Pranksters para os primeiros “Acid Tests”. Note como esta arte foi influência para o grafismo dos anos 60, aparecendo em capas de discos como Big Brother & The Holding Company (Janis Joplin) e After Bathing at Baxter’s (Jefferson Airplane).
É claro que a America não passaria no “teste”.... essa “viagem” aliás, levaria o país a novo patamar de piração e paranóia... enquanto as farmácias norte-americanas ainda vendiam gomalina apenas com receita médica e os pastores do cinturão bíblico tentavam fazer crer que os Beatles eram mensageiros do demônio (e veja, isso era 1964, os Beatles ainda nem consumiam maconha), lá vinham uns palhaços multicoloridos, andando num ônibus que fazia doer as vistas de tanta cor berrante, falando coisas indecifráveis como “expansão da mente”, distribuindo um “suco de laranja elétrico”, num tal de teste do ácido... que porra era aquela? “A gente mata negros e democratas, mas como é que se acaba com isso?”, pensaram os patrulhas de plantão... “abriram as portas do manicômio? de onde eles tiram tanta piração?”... depois de um tempo, claro, a polícia foi comunicada pelas agências de inteligência do que era o LSD e dos efeitos que a droga causava.... passou então a seguir os Pranksters, pra cima e pra baixo, tentando antecipar onde seriam os testes do ácido, mas na verdade sem poder proibir o seu acontecimento, já que o LSD ainda não era droga ilegal no país... em meados de 1965, os testes do ácido já haviam se tornado eventos ultra-cult, sendo quase um selo cool para aqueles que já tivessem participado de um... por essa época os eventos já tinham uma estrutura completamente diferente da proposta inicial, sendo uma piração semi-profissional, com locais sendo alugados para abrigar os happenings, luzes estroboscópicas sendo instaladas para otimização dos efeitos alucinógenos, e uma Banda que foi praticamente criada para tocar nas “sessões de magia elétrica”, os Warlocks, que logo depois adotariam outro nome, “Grateful Dead”, iniciando a cena “acid rock” de San Francisco, que contaria ainda com gente como Moby Grape, Jefferson Airplane e Janis Joplin e o Big Brother & Holding Company, só para citar alguns mais famosos.
Kesey, sempre no “comando da anarquia”, foi o apresentador oficial do ácido para mais gente que qualquer outro ícone dos anos 60, incluindo o próprio Timothy Leary, que num primeiro momento ficou mais restrito à elite e a círculos mais discretos, gente do Jazz por exemplo, figuras como John Coltrane e Thelonious Monk... Ken era um escritor que já tinha feito a cabeça de muita gente boa com seu livros, era natural que o meio artístico encontrasse mais simpatia no seu discurso “anti-discurso” do que no proselitismo acadêmico de Leary... gente como Bob Dylan, Joan Baez, Keith Richards, Brian Jones (com quem Kesey conversou demoradamente sobre pintura e as possibilidades da cor negra... paint it black????) e artistas de todas as vertentes, além da galera “comum” que comparecia às toneladas nos eventos, tiveram sua primeira experiência com LSD num Acid Test, a coisa toda chegando num nível alarmante de popularidade entre os formadores de opinião da costa oeste dos USA, sendo aqueles primeiros eventos o esboço de um movimento que pouco tempo depois seria rotulado de Psicodélico e que mais tarde seria agregado a um lance muito mais abrangente chamado “Contracultura”... uma alternativa à "contra a cultura" dos Ed Sullivans, American Bandstands e Life Magazines que ditavam padrões de moda e comportamento para os jovens de então....
Kesey, sem saber (ou sabendo?), foi uma das principais centelhas que acenderam o pavio para a explosão do “youth power” nos ‘60s... o cenário já vinha sendo montado desde os Beats nos anos 40/50, mas só então alcançou o ponto de fervura, encontrando grande repercussão entre os jovens, que sob a constante ameaça de destruição nuclear supostamente iminente, queriam mais é viver intensamente o “hoje”, já que o “amanhã” era duvidoso... os questionamentos aos valores vigentes que fizeram os pioneiros Beatnicks já haviam entrado na corrente sanguínea-sensorial da maioria daqueles jovens, igualmente reprimidos e sem perspectiva de um futuro... mas só então partiram da tese para a prática; só então se imbuíram de coragem para contestar ordens como “Tio Sam precisa de você, vá morrer no Vietnã pelo seu país!”; só então viram que tinham poder de fazer alguma coisa, pelo menos por si mesmos... em algum tempo, toda uma geração de baby boomers estava largando parentela e empregos na sapataria da esquina para viajar a três milhões de milhas por hora no “país do sonho”... tudo, literalmente tudo seria questionado e virado ao avesso, quando não destruído... assuntos então tabu, como sexualidade e a política externa do governo passariam a ser matéria de discussões inflamadas em qualquer esquina, desde o Wisconsin até Little Rock, no Arkansas, onde um certo Bill Clinton fumava mas não tragava mariajoana....
Mariajoana seria, aliás, o motivo que os “hombres” encontrariam para meter Kesey no lugar onde o sol nasce quadrado... como quase tudo que cerca essa estória, é uma pândega que um sujeito que tomava LSD no café-da-manha-almoço-jantar e intervalos tenha sido preso por porte de uma bituca de capim gordura do México, mas eram os ‘60s e nem mesmo os tiras faziam muito sentido naquela década... (fazia sentido sim, a maconha já era droga ilegal naquela época, mas convenhamos...)
Kesey foi preso, mas quase tudo que precisava ter feito já tinha saído de sua cartola, como se das rodas daquele ônibus partissem descargas elétricas que chacoalhavam todos os nervos de uma America que se recusava a acordar, mesmo à beira da convulsão social... movimento estudantil e de manifestação contra a Guerra do Vietnã, revolução sexual, rock, soul music, Haight-Ashbury, Verão do amor, Pet Sounds, Sgt. Pepper´s, Street Fighting Man, Hendrix, Aretha, Doors, Easy Rider, Woodstock, Kent State, Charles Manson, tudo amarrado, tudo sem controle, tudo explodindo “at the same time” na cara de Tio Sam... O Governo então, proíbe o uso, fabricação e distribuição de LSD no país (mantendo, é claro, secretamente, a pesquisa do psicoativo)... “Deus salve a America, vamos matar mais alguns negros e democratas, tornar o alistamento obrigatório e mandar essa cambada de hippies ter alucinações no verde explosivo das florestas do sudeste asiático....” Como nos USA tudo é grana, por volta de 1968, o Movimento Psicodélico e a própria Contracultura já começavam a ser assimilados pela mainstream e a comercialização do hip (gíria que designava tudo aquilo que era “legal”, “moderno”, “atual” e que viria a gerar outra gíria, o hippie) seria a resposta do stablishment a tanta revolução e o começo do fim lamentável (e inevitável) de uma era em que se ousou acreditar que o sonho era possível e não acabaria.... mas isso é outra história.....
Kesey se foi em 2001, mas se as “rodas da fortuna” continuam rodando na “terra da liberdade”, as rodas daquele ônibus também permanecem girando, alimentando sonhos e sorrisos de uma pequena parte da America que ainda insiste em resistir ao tédio e a Bushes, Reagans e Nixons, ou vice-versa... que grande legado, Ken....
Pois bem, Kesey era um escritor, mas nada do que foi contado acima partiu de algum livro seu... foi preciso que o “engomado” Tom Wolfe se incorporasse à “troupe” dos Pranksters e “entrasse” no ônibus para escrever o “Teste do Ácido do Refresco Elétrico”, guardando o relato de tudo que via e das estórias que ouvia para a posteridade, como se fosse um “apóstolo da piração”... Wolfe foi de “careta” a “inteirado” em dois capítulos e ainda hoje, lendo o livro, é dificil acreditar que aquilo tudo aconteceu de fato na America do início dos ‘60s... Como não poderia deixar de ser, o livro não é um prato simples de se digerir, misturando documentário, romance, ficção, realismo fantástico, jornalismo e até mesmo o relato de como é estar “viajando com Lucy”... é como se você “estivesse” lá quando Kesey e seus Pranksters saem para o magical mistery tour original (o próprio McCartney assume a inspiração em Kesey), cruzando os USA em todos os sentidos inimagináveis a bordo de "Furthur"; é como se você “presenciasse” o primeiro show do Grateful Dead; enfim, significa que, aprovando ou não o uso de drogas, “você está no ônibus”. Wolfe parece ter lido direitinho a cartilha de William Burroughs que dizia “"Desça a rua, qualquer rua, gravando e fotografando tudo que você ouvir e ver. Vá então para casa e escreva a respeito de suas observações, sentimentos, associações e pensamentos. Depois compare suas anotações com as evidências fornecidas pelas fotos e fitas. Descobrirás que sua mente registrou apenas uma fração de sua vivência. O que você deixou de fora talvez seja o que você precise descobrir. A verdade pode aparecer apenas uma Vez. Ela pode não ser repetida".
Ao lado, a capa da versão brasileira de “Electric Kool-Aid Acid Test”, um dos livros definitivos sobre os anos 60.
Como retrato do “movimento psicodélico” e de como tomou forma a “contracultura” nos 60´s, não há relato melhor (e mais divertido).
Notas adicionais do autor
Cumpre aqui fazer alguns esclarecimentos: não foi minha intenção escrever um texto glorificando o LSD ou qualquer outra droga e seus efeitos; as drogas são parte inseparável da estória e praticamente elemento que motivou Kesey em sua odisséia, por isso tantas referências a elas... As citações irônicas dos termos “negros” e “democratas” no texto não guardam também qualquer espécie de preconceito por parte deste autor, sendo usadas da forma que foram como figuras, retratos para contextualização histórica daquele momento dos USA. Enfim, o texto busca apenas retratar esta figura ímpar que foi Kesey, sem simplismos, mas dando alguma perspectiva, e tentando mostrar o quanto Ken (hoje praticamente eclipsado por figuras como o próprio Timothy Leary) também foi importante para o estabelecimento da cultura pop da maneira como a gente a conhece hoje.
Fontes desta matéria
Primeiramente, o livro que me inspirou a escrever a matéria, "O Teste do Ácido do Refresco Elétrico", de Tom Wolfe (publicado no Brasil pela Rocco). Pesquisando “além”, descobri fragmentos de “Spit In The Ocean”, vols. 1 a 7, tudo sobre Ken Kesey na visão de vários dos Pranksters. Ah, sim, igualmente inspiradora foi a Matéria "Beat Generation", da autoria de Márcio Ribeiro, postada aqui mesmo no Whiplash (valeu, Creedance, tua matéria, como de costume, está demais!).
Mais sobre o mesmo: WWW.KEY-Z.COM
Escrito Por Guilherme Rodrigues
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