1 de novembro de 2009

THE DOORS, When You're Strange




When You're Strange

O novo documentário sobre os Doors, apesar de não trazer nenhuma novidade para os fãs, é uma excelente narrativa sobre os cinco anos em que Morrison, Manzarek, Krieger e Densmore produziram juntos uma música estranha e incomparável.


THE DOORS, When You're Strange

Sobre não pertencer


Por João Eduardo Veiga(http://www.portalrockpress.com.br/)



O Festival do Rio 2009 trouxe à cidade o documentário When You're Strange, primeiro longa-metragem (fora a cinebiografia encenada por Oliver Stone em 1991) dedicado à história da banda The Doors. Dirigido por Tom DiCillo, que revelou Brad Pitt no cult Johnny Suede, a produção tem a luxuosa narração do ator Johnny Depp e é inteiramente constituído de filmagens feitas entre 1966 e 71. Antes de ser exibido no Rio de Janeiro, em cinco sessões, a fita rodou importantes festivais internacionais de cinema como Sundance e Berlim, mas ainda não tem previsão de entrar — nem mesmo nos EUA — em circuito comercial.


Não há novidades em When You’re Strange. DiCillo utiliza o timbre iconoclasta de Depp para contar aquelas histórias que os mais chegados à música feita por Jim Morrison, Ray Manzarek, Robby Krieger e John Densmore já sabem de cor: a gênese do grupo nas areias de Venice Beach, a estreia catártica dos versos edipianos de “The End” nos palcos do Whiskey a Go-Go, a prisão de Jim durante uma apresentação em New Haven, a “exposição indecente” em Miami, a morte na banheira de um hotel parisiense. E, apesar de dispor de algumas imagens pouco conhecidas, grande parte do material circula há décadas em vídeos como Dance on Fire e The Soft Parade, compilados por Manzarek nos anos 1980. Ainda assim, o filme é muito bem sucedido ao tentar se conectar emocionalmente aos fãs da banda.


O grande trunfo de When You’re Strange é o roteiro, que também ficou a cargo de DiCillo. Para conduzi-lo, foram utilizados segmentos restaurados e espantosamente vívidos do média-metragem em 35mm HWY: An American Pastoral, que Morrison estrelou e dirigiu em companhia de amigos em 1969. Trechos do filme original — que, nas palavras do próprio cantor (numa entrevista de 1970 à Rolling Stone), “não tem, na verdade, uma trama" — ganham um novo sentido quando entremeados à narrativa do documentário.


Barbado e metido em suas indefectíveis calças de couro, Jim caminha pelo deserto, pede carona, guia um Mustang em alta velocidade, cobre o rosto de uma raposa agonizante recém-atropelada, acende um cigarro. É como se, enquanto os 54 meses em que os Doors estiveram juntos são analisados — exorcisados — sem mitificações, o espírito de seu líder pudesse enfim perambular livremente em meio à imensidão americana.


Além da rara contribuição da família de Jim — que costumava rejeitar os pais a ponto de declarar que ambos estavam mortos —, a produção teve apoio maciço dos ex-integrantes do grupo. O tecladista Ray Manzarek, notório detrator do filme de 1991, afirmou que a nova obra é “anti-Oliver Stone” e mostra “a verdadeira história dos Doors”. O tom do documentário é, de fato, bem distinto da visão de Stone: enquanto o Jim Morrison do cinema, interpretado por Val Kilmer, não era muito mais do que um poeta maldito e narcisista em eterno transe lisérgico, a figura que surge das imagens de Paul Ferrara (em grande parte registradas entre 1968 e 69, durante as gravações do quarto disco da banda e sua posterior turnê) editadas por Tom DiCillo é a de um rapaz apaixonado por poesia e música (apesar de não saber tocar um instrumento sequer) cuja trajetória resume o movimento jovem dos anos 1960. Das drogas que abririam as portas da percepção ao enclausuramento provocado pelo alcoolismo, o sonho nascido em uma costa paradisíaca do Novo Mundo foi definitivamente enterrado em antigo solo europeu.


O título do filme vem de um verso da faixa “People Are Strange”, gravada no segundo LP dos Doors, Strange Days: “As pessoas são estranhas quando você é um estranho”, canta Jim, enquanto o resto dos integrantes executa, de maneira torta, uma espécie de música de cabaré. DiCillo justifica a escolha ao ressaltar a estranheza da banda em forma e conteúdo: mais do que não ter um baixista em sua formação (Manzarek fazia as linhas de baixo com mão esquerda em um Fender Rhodes Piano Bass), a obra dos Doors, letra e música, era — e ainda é, pois seus discos vendem cerca de um milhão de cópias por ano — destinada a todos aqueles que alguma vez já se sentiram isolados e excluídos. E, acima de tudo, suas canções são donas de uma intensa e gratificante estranheza, que faz com a banda se mantenha como um dos mais singulares e originais acontecimentos da música moderna.

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