Ian Gillan no Black Sabbath – anos depois, essa notícia ainda causa espanto. As opiniões ainda divergem bastante quanto a essa reunião; uns amam, outros odeiam e outros simplesmente acham graça. Passados mais de 25 anos dessa inusitada reunião, resolvi passar a limpo esse importante período na carreira do glorioso Black Sabbath.
O ano de 1982 foi bastante conturbado na carreira do Sabbath. Os problemas entre Ronnie James Dio e Tony Iommi começaram a ficar críticos durante a mixagem do disco “Live Evil”. Esse seria então o primeiro disco ao vivo lançado perante total concessão do grupo (o “Live at Last” de 1980, foi uma trapaça do antigo empresário da banda). “Live Evil” também era a resposta do Sabbath ao “Speak of The Devil” de Ozzy, onde ele desfilava também em formato “live”, somente clássicos de sua época com o Black Sabbath. Além disso, ambos os lados se atacavam na imprensa, e o disco ao vivo do Sabbath causou uma expectativa grandiosa nos fãs e críticos da época.
Toda essa tensão acabou afetando os membros da banda, que na mixagem final do disco, literalmente quebravam o pau dentro do estúdio. A verdade é que Dio aumentava sua voz na mixagem, para que ela se sobressaísse perante os instrumentos. Era só o baixinho sair do estúdio que Iommi vinha e fazia o mesmo com sua guitarra; criando uma situação constrangedora. É lógico que “a corda estourou do lado mais frágil”, pois Iommi sempre foi o “manda-chuva” do Sabbath, e acabou sobrando para Dio, que levou um belo pé na bunda. Para não deixar barato, o vocalista ainda “arrastou” consigo o batera Vinny Appice. O último show com essa formação foi realizado no Poplar Creek de Illinois, no dia 30 de agosto de 1982.
O Sabbath se via sem vocalista e sem baterista, justamente numa época em que o Heavy Metal era grande no mundo inteiro novamente – graças à explosão do Metal Britânico com a New Wave Of British Heavy Metal. Era o auge de bandas como o Iron Maiden, o Saxon e o Def Leppard. O atraente mercado norte americano também estava ávido por bandas pesadas.
O Sabbath precisaria renascer das próprias cinzas - de preferência mais pesado do que nunca - precisaria conquistar uma nova geração sedenta por Heavy Metal, e essa passou a ser a meta da banda dali em diante...
Tony Iommi e Geezer Butler andavam meio que desanimados quando sem querer acabaram encontrando com Ian Gillan num daqueles pubs enfumaçados, típicos bares ingleses.
Gillan tinha acabado de “implodir” sua banda Gillan, que havia lançado uma série de pesados e excelentes discos (vide o essencial Mr. Universe de 1979), mas que infelizmente não venderam nada. Já se iam 10 anos de sua debandada do Deep Purple, e não precisa nem dizer que ele estava salivando por turnês grandiosas, grana, groupies, fama, enfim - tudo aquilo que costuma acompanhar os grandes nomes do Rock N’ Roll. Naquele início de 1983, já era bastante comentada uma volta do Deep Purple com a formação clássica da Mark II (com Gillan, Glover, Paice, Lord e Blackmore), só que como o Rainbow de Blackmore (contando com Glover também nessa altura) tinha uma série de compromissos e contratos a serem cumpridos, a reunião acabou ficando na geladeira por mais um ano. Gillan estava então livre para encarar qualquer parada.
Gillan, Iommi e Geezer perceberam de cara naquele casual encontro no boteco (oops, desculpe, Pub), que tinham algo especial em comum – os caras simplesmente viravam todas – eram bebuns nato, e depois de muito álcool surge a idéia de Gillan ser o então novo vocalista do Black Sabbath. “O bom é que se não der certo, a gente fala que foi papo de bêbado, viagem de pinguço...”(deve ter pensado os rapazes na ocasião). Anos depois, o próprio Gillan declarou que sua entrada no Sabbath foi um “acidente”, algo precipitado, fruto de uma decisão não muito pensada. (Realmente é bem difícil pensar quando se está de “cara cheia”). Ele também ressaltou que o convite de Iommi foi feito para ambos criarem um projeto “Gillan/Iommi”, e não uma volta do Black Sabbath, como veio a ocorrer.
Apesar do vocalista não ter muito o estilo do Sabbath tradicional, tudo pareceu ser uma ótima idéia para ambas as partes na época. Em entrevistas, a banda chegou até a cogitar uma mudança de nome para Deep Sabbath – o que na realidade não passou de uma brincadeira.
Resolvem chamar Bill Ward novamente para a bateria, que topa logo de cara. Os três membros originais do Sabbath mais Gillan se trancam no Manor Estúdio no interior da Inglaterra, e de lá saem com um novo disco batizado de “Born Again”.
Gillan de início não queria se vestir de couro, nem de roupa preta. Muito menos ostentar enormes crucifixos como o restante da banda sempre fez. Com a tour se aproximando, o vocalista percebeu que tudo isso era bobagem, e que ele poderia se apresentar do seu próprio jeito, como lhe era de costume.
O disco foi lançado em 7 de agosto de 1983 e foi direto para o 4o posto da parada britânica, coisa que eles não conseguiam desde o “Sabbath Bloody Sabbath”, lançado exatos 10 anos antes. O disco tinha uma gravação bem “estranha”, o som é propositalmente abafado, com a guitarra de Iommi soando meio ”estourada” e estridente. O próprio já declarou que simplesmente odeia o disco: “Fomos obrigados a gravar o disco com os amplificadores estourados, eles foram danificados durante as gravações e ninguém percebeu!”.
Gillan por sua vez, simplesmente arregaçou com uma atuação impressionante, cantou como nunca tinha cantado antes, literalmente colocando os miolos pra fora em cada canção. Agudos desesperados e vocais matadores, tanto que ao vivo o vocalista nunca conseguiu repetir a performance do disco. Essa excelente atuação do “Silver Voice” deixou seus ex-companheiros de Gillan Band muito putos. Afinal de contas, um dos principais motivos para Gillan acabar com sua própria banda, foi uma alegação de um grave problema em suas cordas vocais, que realmente aconteceu, mas funcionou mais como uma desculpa, pois Gillan estava levando muitos prejuízos com a banda, e sua entrada para o Sabbath certamente aliviaria suas dívidas. Se esses problemas vocais fossem tão sérios assim, como ele cantou daquele jeito no Born Again?
Ouvindo o álbum, a abertura com “Trashed” era pau puro. Vigorosa e empolgante, chegando até a merecer um clip hilário, tipo “A volta dos Mortos Vivos”. “Disturbing the Priest” era de assustar, pesadíssima, harmonias de guitarra dissonantes, berros endiabrados e letra diabólica – tudo o que o Sabbath precisava nesse novo e difícil parto. Outro clip promocional foi rodado para “Zero the Hero”, que também é um ponto alto do disco, com seu riff super plagiado (até pelo Guns N’ Roses em Paradise City). Mais pancadaria em “Digital Bitch” e “Hot Line”, e uma pequena obra prima – a linda balada “Born Again”, cheia de clima e emoção – uma das melhores composições da banda. Já a capa é de extremo mau gosto, causando repulsão até hoje. Ela foi desenhada por Steve “Krusher” Joule, que na época fazia as capas dos discos de Ozzy e as ilustrações para a revista Kerrang. Ele ofereceu a capa para Tony Iommi, crente que o guitarrista recusaria a arte. Ledo engano, pois Iommi adorou o desenho, ao contrário de Gillan que declarou posteriormente: “Quando eu vi aquela capa fiquei com vontade de vomitar! Assim como quando ouvi a mixagem final do disco”.
A Tour de promoção teve mais baixos do que altos e durou de agosto de 1983 até março de 1984. Para começar, Bill Ward estava totalmente impossibilitado de sair em turnê. Sua saúde piorava cada vez mais, e o cara estava sem pique para fazer um show inteiro com o Sabbath na época. Dizem as más línguas, que ele até usou a ajuda de uma bateria eletrônica durante a gravação do disco. Para os shows, Bev Bevan – o experiente baterista do Electric Light Orchestra – foi convocado.
O repertório trazia além de algumas faixas do então lançamento, clássicos da era Ozzy, que há muito tempo eles não faziam ao vivo – como “Supernaut” e “Rock N’ Roll Doctor”. Da era Dio somente um trecho de “Heaven and Hell” era executada (no fim da tour, eles acabaram incluindo Neon Knights também). A surpresa ficava para a “encore” dos shows, onde o Sabbath detonava “Smoke on The Water” do Deep Purple, uma banda que chegou a rivalizar com o próprio Sabbath no início dos anos 70 pela liderança do rock Pesado mundial. Ainda bem que eles decidiram não colocar nada do ELO no repertório, nada contra o supergrupo de Jeff Lynne, mas já pensou o Sabbath tocando “Living Thing” ou “Last Train to London”?
O show mais importante daquela tour foi sem dúvida o do festival de Reading, na Inglaterra, onde o Sabbath foi o headliner da principal noite do festival. O Thin Lizzy também estava tocando no Reading, inclusive fazendo um de seus shows de despedida. Outras bandas que se apresentaram também naquele Reading: Ten Years After, Suzy Quatro, Stevie Ray Vaughan e Marillion.
Quanto ao show do Sabbath, o palco do Reading foi um dos únicos que conseguiu abrigar o imenso palco “Stonehenge” que a banda havia preparado para aquela turnê. Em arenas e outras casas de show, ficava simplesmente inviável montar aquela geringonça toda.
O show impressionou os presentes e até virou um belo bootleg, pois foi transmitido via rádio para toda a Inglaterra.
Infelizmente, o projeto não vingou e logo tudo estava acabado, com Gillan voltando para o Deep Purple em 1984 e gravando o disco “Perfect Strangers”. Os fãs do vocalista costumam dizer que nos shows com o Sabbath ele berrou tanto, que em menos de um ano acabou com sua voz, e não sobrou quase nada do antigo Gillan nos shows da turnê do “Perfect Strangers”.
Born Again é considerado uma baixa na carreira do Sabbath por fãs e crítica do mundo inteiro. Tanto Gillan, como Iommi e Geezer, simplesmente odeiam o disco, e nunca fizeram questão de esconder isso. Já no Brasil a estória é diferente. O disco já nasceu com estatus de “cult”, pois era Sabbath com Ian Gillan nos vocais. O álbum foi cultuado por toda uma geração que cresceu ouvindo o Metal do início dos anos 80, como o pessoal do Sepultura (inclusive eles até chegaram a tocar um trecho de “Zero the Hero” em alguns shows no início de carreira, e o Andreas aparece no clip da Roots Bloody Roots com uma camiseta do Born Again).
Agora se você quiser saber minha opinião, eu simplesmente acho o Born Again um dos melhores discos do Sabbath. Antes que eu seja crucificado, gostaria de deixar claro que adoro também a fase Ozzy(a melhor), Dio e até a fase com Glenn Hughes. Sempre curti muito também esses álbuns, mas que o Born Again é especial, isso ninguém pode negar...
Como um velho fã do Purple e do Sabbath, comprei de cara o Born Again assim que foi lançado por aqui. Lembro que aquela capa me remeteu ao "Bebê de Rosemary", que no clássico do Polanski jamais aparecia. Apesar da sonoridade estranha e das muitas histórias sobre a gravação, como a contada pelo próprio Gillan em que ele admite nunca ter se encontrado com os outros três em estúdio, ele gravava os seus vocais depois de passar horas num pub tomando umas. Ainda asssim é um clássico do metal.
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