As coisas caminhavam bem no primeiro ano do Metallica e o número de fãs crescia a cada apresentação, mas James Hetfield ainda não estava satisfeito com a guitarra e vocal ao mesmo tempo. Primeiro porque não achava sua voz boa (e nesse começo, definitivamente não era) e segundo porque, dividindo as duas funções, ele não se especializava em nada e sequer tocava um solo sem errar as notas.
Em Abril e Maio de 1982, a banda fez algumas tentativas para deixar James apenas como vocalista. Primeiro com um guitarrista chamado Brad Parker, bom músico mas clássico demais para o som do Metallica, depois com Damian Philips. Sem avanços nestes ensaios, os integrantes pensaram em outra inversão de papéis tentando deixar James, agora, apenas como o segundo guitarrista, primeiro com o vocalista Jeff Warner (quem conhece a voz do cara agradece ao papai do céu todas as noites por ele não conseguir a vaga) e depois John Bush, então do Armored Saint (“atual” ex-vocalista doAnthrax) e grande amigo dos caras do Metallica. James adorava os vocais de Bush, mas a experiência não durou muito tempo pelo seu timbre de voz que tornava as músicas mais leves do que deveriam.
Para complementar, a mãe de Ron tinha um imóvel desocupado que seria demolido em breve, e autorizou que o lugar fosse convertido no centro oficial de ensaios do primeiro ano do Metallica. James e Ron acabaram se mudando para a casa e encheram as paredes com pôsteres de suas bandas preferidas para aumentar a inspiração na hora de compor novas músicas. Entre esses pôsteres, estava um do Judas Priest. Os ingleses, a maior banda de Heavy Metal então, exerceram um papel importante nesse começo do Metallica. Segundo os californianos, a coisa funcionava mais ou menos da seguinte forma: Rob Halford escrevia sobre vingança (Screaming For Vengeance), Hetfield lia a letra e escrevia sobre o mesmo assunto (No Remorse) e assim a banda evoluía, buscando uma variação nos temas, mas respeitando a posição dosMetal Gods nesse começo.
As músicas gravadas foram: Hit The Lights, Mechanix (uma primeira versão de The Four Horsemen, com a letra diferente), Motorbreath (primeira composição de James, ainda nas bandas anteriores), Seek and Destroy, Metal Militia, Jump in the Fire e Phantom Lord(outra composição antiga de James).
Alguns dias depois, Lars distribuiu uma cópia para alguns amigos e a gravação rapidamente se espalhou pelo circuito de troca de fitas cassete, o Napster do começo dos anos 80 (e com braços fortes, inclusive no Brasil). A qualidade e as inovações da demo caíram como uma bomba na cena headbanger da Costa Oeste dos EUA.
Nosso amigo Brian do BNR Metal Pages também se lembra da primeira vez em que ouviu a demo, quase por acaso: “Ainda em 1982 eu adquiri uma cópia do No Life Til Leather através de um dos meus amigos que trocavam fitas. Desde este dia, eu não acho que alguma demo, ou mesmo um álbum, causou tanto impacto em mim como aquela fita. Eu ainda acho que o som das guitarras na demo soava melhor do que no Kill´Em All, até mesmo porque eu estava tão acostumado com o som da demo, que o som do álbum, inevitavelmente era diferente e não tão bom.”
Muitas pessoas ainda comemoram o No Life Til Leather como o primeiro lançamento oficial do Thrash Metal mas Lars discorda e sempre afirma que essa honra coube ao Venom e seu aclamado Welcome to Hell de 1981. Os próprios integrantes do Venom, no entanto, rebatem que a banda surgiu da NWOBHM e a honra da inauguração do Thrash coube mesmo aoMetallica.
O sucesso era evidente, mesmo antes de a banda gravar seu primeiro disco, mas os integrantes não estavam contentes em Los Angeles. Como conta Brian Slagel “o público de Los Angeles pensava no Metallica como uma banda Punk, mas nenhuma banda Punk tocava rápido como eles”. O grande problema era a onda Glam que atingira em cheio a cidade com a consolidação de nomes como Ratt e Mötley Crüe, e Lars, James & cia. abominavam a atitude poser, seus biquinhos, maquiagens e sapatos com salto. Para completar, os shows do Metallica em San Francisco superaram todas as expectativas, pois a cena naquela cidade crescia em um ritmo alucinante e as lojas de Heavy Metal pipocavam pelos quarteirões.
Essa nova geração de headbangers de San Francisco, fanática pelas novidades, era chamada de Bay Area Bangers e depois Bay Area Thrashers. A famosa Bay Area nada mais é do que um bairro no oeste da cidade onde se concentrava grande parte das famílias de classe média e, consequentemente, seus filhos adolescentes. O grande ponto de encontro desses jovens era uma loja de discos chamada Record Vault na Rua Polk que oferecia entre braceletes e camisetas, discos piratas e demos das bandas que surgiam na Califórnia como Exodus, Vicious Rumors, Overdrive, Metallica, Cirith Ungol e o Heathen. Logicamente, Lars Ulrich era um dos grandes freqüentadores da loja.
A banda pensou seriamente em mudar para San Francisco já nessa época, mas como a cidade não era tão distante de Los Angeles e a grana andava curta, eles preferiram continuar onde estavam e apenas concentraram mais os shows nos bares da Bay Area.
Uma conhecida headbanger da cena de San Francisco era uma garota chamada Kathi Page. Kathi trabalhava na rádio KRQR, uma das poucas rádios Rock existentes que não se limitavam a tocar bandas farofas em sua programação e davam oportunidade para o novo som que surgia – como se pode perceber, esse problema é mais velho do que se imagina. Em outubro de 1982, Kathi conseguiu com a direção da rádio um patrocínio para realizar um evento de Metal em um grande bar chamado Old Waldorf, no coração financeiro de San Francisco. Esse show traria todas as segundas feiras (por isso ele foi apelidado de Metal Monday) três bandas diferentes tocando em uma espécie de competição. Obviamente que o Metallica logo se transformou na atração principal do festival.
A platéia presente nesses shows não conseguia descrever o som da banda; Alguns falavam em umMötorhead mais rápido, outros em um Heavy Metal Ramones mas todos eram unânimes em afirmar que jamais ouviram algo parecido ao Metallica e sua rapidez.
As demais bandas nos shows também começaram a se adaptar à velocidade, distorção e peso. Na verdade, surgiu uma competição paralela em quem tocava mais rápido e mais pesado e daí surgiram as primeiras bandas de Thrash Metal. O termo “Thrash” (agressão) era a descrição perfeita daquele novo tipo de som e estava presente em grande parte das primeiras composições daquelas bandas como na música Whiplash do próprio Metallica, Metal Thrashing Mad do Anthrax (eles são de Nova York mas falaremos sobre isso no próximo capítulo) e Metal Command do Exodus. Infelizmente, grande parte da imprensa ainda confunde e chama o gênero de Trash (lixo) Metal quase 25 anos depois do seu surgimento. Incrível como a ignorância prevalece.
Através da repercussão no Metal Monday, a banda ganhou seus primeiros seguidores fiéis na Bay Area, especialmente com a divulgação maciça do No Life Til Leather, e chamou a atenção das gravadoras interessadas em investir no futuro promissor do Metallica. A primeira, High Velocity Records, ofereceu um contrato para soltar primeiro um EP e depois, dependendo da aceitação, eles bancavam a gravação de um álbum completo. Lars, o então “empresário”, disse não e esperou por uma oferta melhor.
Depois foi a vez da Shrapnel Records, conhecida gravadora de Mike Varney e também responsável pela carreira do guitarrista Yngwie Malmsteen nos EUA há 20 anos. Apesar de uma oferta melhor, Lars também recusou a proposta e a banda preferiu esperar um pouco mais.
O segundo semestre de 1982 marcou também as primeiras grandes brigas internas na banda, especialmente o duelo de egos entre James Hetfield e Dave Mustaine. Para resumir a história: Mustaine passava por um sério problema com álcool e drogas, particularmente durante os shows, o que atrapalhava a performance de todos. Para piorar, não eram raras as vezes em que os dois quebravam o pau em cima do palco mesmo, pois Mustaine não se contentava em ficar ao lado do guitarrista/vocalista; Ele queria os holofotes e abusava da paciência dos outros encaixando solos inexistentes e criando verdadeiros malabarismos para desviar a atenção do público (você consegue alguns exemplos disso em trechos do clássico vídeo Cliff´Em All). Lógico que todos na banda bebiam, mas sabiam controlar os seus limites, o que não acontecia com Dave.
Uma briga, em especial, ficou muito famosa: James, Lars e Ron estavam em casa. Ron tomava um banho e Dave chegou bêbado com seu cachorro (descrito como uma máquina assassina). O cão resolveu passear e descobriu o carro de Ron na garagem com a porta aberta. Bom, digamos que o animal (me refiro ao cachorro) destruiu todo o estofamento do bólido. Quando James viu a cena, imediatamente ordenou que Mustaine fosse embora com seu bichinho, sendo que o guitarrista não estava em seus melhores humores e virou um soco violento na cara de Hetfield, que também revidou e um quebra-pau generalizado começou até que Lars interveio e separou os dois.
Anos depois, o próprio Mustaine comentou em uma famosa entrevista que existem dois tipos de bêbados: os alegres e os raivosos e ele pertencia ao segundo grupo.
Apesar dos problemas, o Dave sóbrio e limpo era um bom músico e grande parte das composições do Kill´Em All e também os primeiros riffs do Ride The Lightning nasceram com a sua ajuda. São fatos jamais negados por James e Lars e, por enquanto, Dave continuaria.
Apesar da amizade, a dupla principal também não estava satisfeita com Ron McGovney. Ron não era um mau baixista mas sua limitação técnica poderia influenciar os rumos da banda já que os grandes destaques na cena Thrash eram justamente a rapidez e a técnica, características não muito fortes nele.
Em agosto de 1982, sem Ron saber, Brian Slagel chamou James e Lars para contar sobre o grande baixista da banda Trauma que ele viu no Whiskey A-Go-Go alguns dias antes. Slagel disse que a banda, apesar de participar na segunda edição do Metal Massacre, não era tão boa assim pois não trazia nada de original, mas o baixista poderia mexer montanhas se tocasse no lugar certo.
Meio incrédulos com a opinião do amigo, os dois integrantes do Metallica foram a uma apresentação doTrauma no Troubadour (LA) em 21 de Outubro de 1982 . A banda em si, realmente não impressionou, mas o baixista...
Para se ter uma idéia, em um determinando momento, Cliff Burton começou a tocar um solo tão rápido e distorcido (ele usava um pedal de guitarra para aumentar a distorção), apenas dedilhando (nada de palhetas) que James achava impossível aquele som, tinha de haver algum truque ou alguma guitarra escondida atrás do palco.
Mas não havia. Clifford Lee Burton nasceu a 10 de Fevereiro de 1962 em San Francisco, filho de paishippies, e em sua adolescência tocou em diversas bandas locais com vários músicos que depois se destacaram, entre eles o baterista Mike Bordin e o guitarrista Jim Martin, ambos do Faith No More.
Cliff era o tipo desencanado, alegre e profissional. Muito influenciado pelo Lemmy do Motörhead, (tanto que seu primeiro baixo foi um Rickenbaker exatamente igual ao de Lemmy), mas também amava o trabalho do compositor Bach e histórias envolvendo o ocultismo de autores como H.P Lovercraft, grande influência como se percebe nas músicas The Call of Ktulu e The Thing That Should Not Be. Cliff também era mais eclético, gostava de Simon & Garfunkel e foi um dos primeiros ouvintes do R.E.M, quando a banda ainda tocava em bares fuleiros.
James e Lars colocaram na cabeça a necessidade de convencer aquele baixista a entrar no Metallica e foram bater um papo. Cliff foi bem simpático (como sempre), ouviu a proposta e concordou em entrar noMetallica mas desde que a banda se mudasse definitivamente para San Francisco pois ele não trocaria a cidade por nada. James e Lars ficaram de pensar no assunto.
Um mês depois, em 29 de Novembro de 1982, o Metallica tocou novamente no Metal Monday. A banda de abertura era ninguém menos que o Exodus, então com um tal Kirk Hammett nas guitarras. Esta foi a primeira vez que o caminho do Metallica cruzou o de Kirk em cima dos palcos. O show foi gravado e seubootleg atualmente é conhecido como Live Metal Up Your Ass. Na verdade, o objetivo da banda era realmente gravar a apresentação e divulgá-la para as gravadoras mas a qualidade sonora não ficou muito legal e eles desistiram da idéia.
No dia seguinte o Metallica tocaria pela última vez com Ron no baixo. James e Lars tentaram esconder o contato com Cliff mas sempre comentavam sobre o assunto nos backstages (obviamente, longe de Ron) e, se mudavam ou não para San Francisco. Em 30 de Novembro, logo após o show, a então namorada de Ron ouviu os dois comentando sobre o assunto e correu para contar toda a história. O baixista ficou uma pilha de nervos e, após uma breve discussão, saiu da banda por conta própria.
A importância de Ron McGovney na história do Metallica sempre foi subestimada e, justiça seja feita, apesar das limitações técnicas, o cara foi um dos que mais investiu no futuro. Ele era o único que tinha um carro e arcava sozinho com todas as despesas do combustível para levar a banda e todo equipamento pra cima e pra baixo nos shows, além de ser o dono do primeiro local de ensaio da banda. Ron desistiu da vida de músico após sua saída do Metallica, a não ser por uma participação esporádica no Hirax ainda nos anos 80. Mas hoje em dia ainda é muito amigo de James Hetfield e sempre comparece aos shows na Costa Oeste dos EUA.
Desesperados pela perda de um baixista antes mesmo de garantir a chegada do outro, e também pela perda do local de ensaios, o Metallica não teve opção a não ser mudar definitivamente para San Francisco e agradar Cliff Burton. Cá entre nós, a banda já pensava há bastante tempo em sair de Los Angeles e aproveitar melhor a cena da Bay Area, só faltava um pouco de motivação e dinheiro.
O primeiro teste de Cliff foi na casa do roadie e amigo, Mark Whittaker, e consistia em tirar uma única música, Seek and Destroy, o mais rápido que pudesse. O baixista não se preocupou e após uma performance matadora, todos sabiam que ele era o cara certo. Sem vacilar, Burton deu tchau ao Trauma(a banda terminou pouco tempo depois) e se uniu oficialmente ao Metallica em 28 de Dezembro de 1982.
Referências Bibliográficas:
BNR – Metal Pages. http://www.bnrmetal.com
Encyclopedia Metallica. http://www.encycmet.com
Metallica Official. http://www.metallica.com
PUTTERFORD, MARK. Metallica In Their Own Words. UK: Omnibus Press, 2000
RUSSELL, XAVIER. The Definitive Metallica. UK: Omnibus Press, 1992
McIVER, JOEL. Justice for All: The Truth About Metallica. USA: Omnibus Press, 2004
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