Tudo começou lá. E não é à toa que o título deste texto possa parecer uma alusão ao filme “Gangues de Nova Iorque”, de Scorcese.
Parte I – Gangues de Birmingham
No início dos anos 60, Birmingham era um dos mais importantes pólos da indústria metalúrgica na terra de Sua Majestade. Talvez possa sair coincidência pretensiosa demais, mas é inegável que 80% do melhor heavy metal escutado no mundo inteiro, nas três últimas décadas do século XX, tenha saído justamente de lugares duros e árduos como esses – ninguém nega que todo mundo que tenha feito história no rock pesado inglês, de IRON MAIDEN ou Saxon a Def Leppard (com uma devida exceção ao Motorhead, que já nascia com grupos importantes como Hawkwind e outros na mamadeira) realmente saiu de ambientes relativamente comparáveis ao de Birmingham.
Foto ao lado: Uma das primeiras fotos de um dos rockstars mais conhecidos e polêmicos do mundo: Ozzy Osbourne, aos dois aninhos de idade, em Birmingham.
Foto ao lado: Ozzy aos oito anos.
O jovem Ozzy, um garoto rebelde que ainda não havia se decidido sobre no que se graduar, – uma espécie de “piada” local da cidade, já que todos acabavam mesmo era se graduando nas pesadas atividades técnicas locais – vinha, de qualquer forma, deixando uma numerosa família mais ou menos preocupada com os seus novos interesses, visto que na escola ele já revelara, anos antes, uma intolerância e uma despreocupação exemplares de um menino que, ao ouvir o primeiro acetato dos BEATLES a chegar em uma loja de discos de Birmingham, no início de 1963, simplesmente saiu correndo para a sua casa e gritando para a sua mãe “Quero ser como esses caras!”, feito um doido. Ozzy era filho de John Thomas Osbourne, um histriônico e fanfarrão ferreiro do bairro de Aston, de quem Ozzy herdou muito de seu temperamento, e de Lilian Osbourne, sua esposa, mais um exemplo de como marido e mulher tinham que dar duro para pôr o pão na mesa da família: Lilian era empregada do setor siderúrgico da empresa de carros populares Lucas, que tinha uma grande fábrica em Birmingham.
Como o desempenho de Ozzy na escola demonstrou estar entrando em uma interminável curva descendente, - trajetória desastrosa, em relação à de seus irmãos - e agora ele se mostrava muito mais interessado em quebrar garrafas de cerveja na rua com seus “coleguinhas”, logo papai Thomas e mamãe Lilian se empenham em tentar dar um outro rumo à vida do seu querido filhinho, visto que, como já rezava a velha máxima, “o ócio é a oficina do demônio” – demônio este que, por sinal, já desde essa época mostrava exercer uma certa atração sobre Ozzy, cujo único ponto de interesse, na escola, parecia ser o professor Parry Williams, que nos intervalos das aulas, costumava entreter os alunos contando-lhes estórias entremeadas de satanismo – pequenos contos de Edgar Allan Poe e H. P. Lovecraft, além de historietas nórdicas sobre as bruxas e espíritos das florestas. Nascia ali o crescente interesse de Ozzy por tramas e personagens diabólicos.
Foto ao lado: Uma das mais raras e curiosas imagens na história de Ozzy e do Black Sabbath. O roqueiro (o menino esquisitinho com cara de caxias! – terno de três botões, lado direito) estava na 6a. série, neste registro ao lado de seus coleguinhas de escola e do prof. Parry Williams (do lado esquerdo, ao alto), em torno do qual se criou a lenda de que seria o primeiro incentivador de Ozzy no domínio dos temas sobrenaturais que fariam a fama de sua banda e, conseqüentemente, de todo o heavy metal.
Dois meses após o seu aniversário de 15 anos, Ozzy sai do Instituto Escolar de Ensino de Tregarth – para nunca mais voltar. Seus pais lhe arranjam um emprego como aprendiz de bombeiro. Não dura mais do que três semanas, no entanto: o garoto alega que é muito difícil se inteirar de todas aquelas normas de segurança e, alegando haver se desentendido com os bombeiros-chefes, justamente por não se dar com os regulamentos do trabalho, deixa eles falando sozinhos numa das muitas cinzentas tardes de sexta-feira de Birmingham – para também nunca mais voltar. John Thomas e Lilian começam a perceber, a partir daí, que vai ser muito difícil domar o inconstante instinto rebelde de Ozzy.
Alguns dias após ter abandonado o primeiro serviço, um amigo dos pais de Ozzy consegue uma vaga para o rapaz como ajudante de uma casa de carnes próxima à casa deles. O salário era um pouco melhor do que ele receberia no corpo de bombeiros, e com um grande incentivo de seus pais (leia-se: um tremendo puxão de orelha de seu Thomas no filho), Ozzy se anima de ir conhecer o tal açougue. Lá chegando, até que se afeiçoa pelo serviço e resolve ficar – é um dos empregos em que Ozzy permanecerá por mais tempo, antes de bandear sua cabeça para a música. O garoto, já desde cedo bastante mal intencionado, acha um barato aprender o ofício de matar e sangrar cerca de 250 vacas por dia e arrancar fora tripas de carneiro...
Após quatro meses de árduo batente no açougue, Ozzy novamente se cansa, e alega que aquele trabalho é legal, mas é o tipo de serviço que não dá muito futuro a não ser que você seja um proprietário de fazenda e possa lucrar diretamente com a venda de carne. Era sempre assim: como para qualquer jovem de sua idade, ele se entediava facilmente, e logo arrumava alguma espécie de desculpa para largar o emprego. Assim, lá vai Ozzy novamente fazer uma nova tentativa, e desta vez, para que ele fique mais “sob controle”, é sua própria mãe que lhe ajuda a arrumar um emprego na fábrica de carros em que ela trabalhava.
Lilian havia sido transferida para a seção de testes com peças da fábrica, e ficara sabendo que estava sobrando uma vaga para testador de buzinas – este acabaria sendo, portanto, o primeiro grande contato direto de OZZY OSBOURNE com a profissão de músico... ou barulhento, como queiram!
É durante esta época que os primeiros problemas de Ozzy com a justiça acontecem. Recebendo uma miséria na fábrica, como era de se esperar, – os novatos precisavam adquirir muito tempo de casa para ganharem novos postos e começarem a receber um pouquinho melhor, e os sindicatos, na época, não tinham a força que têm hoje perante a Justiça Trabalhista inglesa – Ozzy, nos finais de semana, reencontra alguns velhos comparsas seus de gangue enquanto torra os seus poucos shellings nos pubs enfumaçados de Birmingham. Nestes ambientes, barzinhos tipicamente britânicos e enfumaçados onde a grande massa do proletariado inglês se reunia para se embebedar de lagers e ouvir bandas tocando de tudo, de blues e jazz a country & western americano, Ozzy começou a desenvolver o seu ouvido já acostumado a excessos para as melodias amplificadas das guitarras, baixos, bateria...
Foto ao lado: De aprendiz de delinqüente a uma das primeiras grandes estrelas do rock pauleira. O jovem Ozzy tivera uma infância miserável em Birmingham, cercado de frustrações, privações, e tendo que caçar todas as vezes em que quisesse comer algo diferente, o que explica a sua “paixão” por certos animais... Um pouco desse passado é suscitado por esta irônica foto de 1973, tirada com um urso empalhado!
Alguns indivíduos de péssima reputação nas cercanias, como Johnny ‘Rat’ Phillip, e outros, vários deles ex-colegas de escola de Ozzy, e que também haviam abandonado os estudos e rodado por toda a sorte de empregos e bicos de Birmingham, começaram a incutir na cabeça algumas idéias enquanto dividiam suas pints of beer. Um deles conhecia alguns endereços mágicos, gente que tinha posses, jóias, boas coisas pra se ter. “Boas coisas pra se pegar”, ria Johnny. Em meio às risadas e ao clima de descontração fortalecido pela bebida, Ozzy concorda com os parceiros, e então se reúnem para promover alguns assaltos.
O negócio da gangue de Ozzy, como passaram a ser conhecidos no submundo, não era a violência, e nem grandes assaltos. Poderiam realmente ser definidos como uma dessas milhares de ganguezinhas “pé-de-chinelo” que roubam miudezas e coisas supérfluas em geral, sobretudo de vitrines de lojas. Arrombaram algumas vezes algumas residências, de onde retiravam, em geral, roupas boas e de valor que encontravam, alimentos, e algumas jóias. Mas foi após um assalto a uma loja de roupas, que tinha uma vitrine com belos casacos e itens que chamavam muita atenção, que Ozzy se deu mal.
Numa noite de setembro de 1966, Ozzy e seu grupo quebram a vidraça da tal loja, cujo nome sumiu na névoa do tempo – ninguém parece querer se lembrar do nome do lugar que teve a honra de ser assaltado por uma das maiores estrelas ro rock! A ação da gangue não passa despercebida de um senhor que passava por ali durante a madrugada, em direção a sua casa – e que liga imediatamente para a polícia ir checar o roubo que está acontecendo ali, naquele exato momento. Quando os policiais estão chegando, e a gangue está quase terminando de recolher um punhado de blusas, calças, sapatos e jaquetas de marcas caras e famosas, um dos caras dá o alerta escandalosamente: “OS TIRAS ESTAO CHEGANDO!”, e o grupo dispara em desabalada correria. Ozzy é o que fica mais para trás, e consegue correr até certo ponto, cercado por uma equipe de quatro policiais. Entretanto, acuado pelos berros de “Vamos dispara chumbo!” dos tiras, ele se refugia em um beco, junto com um comparsa, e ali mesmo lhes é dada a voz de prisão.
Horas depois, um amigo de seu Thomas que morava próximo à delegacia do condado vai lhe dar a triste notícia. Um defensor público é nomeado para defender Ozzy, mas não há muito o que fazer: o moço passará o resto de sua vida sendo chamado de “idiota” pelo seu pai gozador, pois durante os assaltos Ozzy usava luvas... sem as pontas dos dedos! O ingênuo rapaz nem imaginava o que seriam impressões digitais. “Eu sei lá... os raios das impressões digitais. Nem sonhava que diabos deveria ser aquilo! Usava luvas sem pontas porque era legal, todo mundo usava... Pra mim, impressões digitais eram algo de computador, algo relacionado à eletrônica, um caralho desses qualquer!”, diria Ozzy tempos depois, em tom de comédia.
Como Ozzy era réu primário e confesso, e o seu advogado conseguira fazer uma boa defesa do lamentável grau de instrução do rapaz, chamando a atenção do juiz para o estado de pobreza em que viviam ele e sua família, as duras condições sociais da juventude do lugar e etc., Ozzy acabou pegando uma pena leve: 6 semanas na Winson Green Prison de Birmingham, por assalto. E apesar dos choros e lamentos de sua mãe, e das duras broncas de seu pai para não aproveitar a situação para se envolver mais ainda com a malandragem, Ozzy se sai até bem na tal penitenciária, fazendo vários colegas de cela e repartindo com eles vários truques bem típicos da juventude delinqüente da época: métodos de arrombamento, cuspes à distância, novas técnicas de ejaculação, emissão de diferentes sons por arroto, além de outras coisinhas. Foi através de um camarada com quem travou contato durante um dos banhos de sol que Ozzy aprendeu uma técnica que contribuiria em muito para o mito que se formaria em torno de sua imagem anos depois: a tatuagem. Os famosos tatoos que o roqueiro carrega com orgulho até hoje, em seu corpo, são fruto deste aprendizado ainda na prisão, e da doação que este conhecido de Ozzy lhe fez de um pequena agulha e um generoso pedaço de grafite. Com estas “ferramentas”, Ozzy se paramentou com os símbolos que, ao longo dos anos, jovens fanáticos por metal do mundo inteiro iriam reproduzir em seus próprios corpos: O-Z-Z-Y nos quatro dedos de sua mão esquerda, a palavra “Obrigado” nas palmas de suas mãos, e o mais curioso e engraçado: “carinhas alegres” nos seus dois joelhos, desenhadas de cabeça para baixo, para que todos os dias de manhã em que ele acordasse em sua cela, segundo o próprio cantor, elas lhe dessem “bom dia”.
Foto ao lado: O grande Tony Iommi: o mago das seis cordas do Black Sabbath.
E enquanto Ozzy amargava os seus últimos dias em Winson Green, esperando afoitamente pela hora de sair (aquele era só mais um lugar chato dentre tantos de Birmingham, e que logo perdera a graça...), um ex-colega seu da Birmingham Teaching Institute, chamado Frank Anthony Iommi (Tony Iommi), nascido em 19 de fevereiro de 1948 também no condado de Aston, Birmingham, assim como Ozzy, estava às voltas com um velho sonho seu, prestes a se realizar: montar uma banda. Depois de meses superando a dificuldade de, além de ser canhoto, ter que dominar uma guitarra com as pontas de dois dedos de sua mão direita amputadas, – Iommi as perdera durante um malfadado estágio trabalhando em uma máquina de corte de chapas de aço, em uma das inúmeras fábricas da cidade – o rapaz se sentia pronto para, enfim, arregimentar um pessoal e começar a explorar o território do jazz e do rock – dois estilos musicais caros ao guitarrista naquela época. O rock, por seu vigor e energia juvenil: Elvis, Chuck Berry, e toda a nova geração inglesa, que já inspirava os sonhos da maioria dos jovens britânicos de terem suas próprias bandas - os já célebres Beatles, ROLLING STONES, The Who, o pessoal de uma cidade industrial vizinha, The Animals (de Newcastle)... E o jazz porque, afinal, durante o longo período em que esteve treinando guitarra, invariavelmente Iommi curtia se perder nas longas viagens experimentais e improvisadas que o gênero acolhe. Para poder fazer bem as posições no braço do instrumento, Iommi adotou uma solução inventiva: pequenos tubos cilíndricos de metal (inicialmente, feitos na própria fábrica onde ele perdera as pontas dos dedos!) no lugar das pontas perdidas – e deu certo.
Foto ao lado: Nesta foto tirada durante um show da carreira solo de Ozzy (anos 90), pode-se perceber as famosas inscrições em tatuagem nos dedos do vocalista: o clássico tatoo “O-Z-Z-Y”, feito ainda na época da reclusão em Winson Green Prison...
Logo, Iommi conheceu o jovem aspirante a baterista William Ward (Bill Ward), nascido em Aston, Birmingham, em 5 de maio de 1948, e, junto a dois outros amigos seus, consegue formar a sua primeira banda, chamada The Rest. Tiveram que ensaiar muito para chegar finalmente ao som pretendido por Iommi, mas, finalmente, após quatro semanas, já tinham um setlist bastante razoável, composto, na sua maioria, por covers de Elvis e Little Richard, – o rockabilly dos anos 50 era o fermento de todas as bandas inglesas da época – e que eram tocadas... com extremo barulho e improvisação!
Para que fosse possível a realização de nossa pesquisa, foi consultado o seguinte material:
Black Sabbath: The OZZY OSBOURNE Years
by Robert V. Conte, C. J. Henderson
Paranoid: Black Days With Sabbath and Other Horror Stories
by Mick Wall - Paperback
Ozzy Unauthorized
by Sue Crawford - Paperback
Ozzy Talking: OZZY OSBOURNE in His Own Words
by OZZY OSBOURNE, Harry Shaw - Paperback
Black Sabbath: An Oral History
by Mike Stark, Dave Marsh (Editor) - Paperback
Top Rock especial: BLACK SABBATH – A História
Luiz Seman
A História do Black Sabbath
Revista SHOWBIZZ Especial
A Família Black Sabbath
pôster – Antonio Carlos Miguel, Ed. Som Três
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