Por Daniel Junior
A abreviatura POP (“popular”) ganhou uma conotação negativa semanticamente. Se você quisesse agredir algum estilo musical o jeito mais fácil era chamá-lo de POP. Por conta disso muita gente deixou de prestar atenção em coisas bacanas porque elas já vinham com um carimbo indesejável. Se você desejasse ser mais incisivo na sua observação agregava ao POP a palavra “descartável” porque pra muita gente elas eram sinônimas uma da outra. Este fenômeno ocorreu principalmente na chamada década perdida, os famosos e sempre celebrados anos 80.
Se toda generalização é desprovida de um certo senso de justiça é também legítimo afirmar que havia muita coisa boa na música pop, aqui no Brasil e lá fora. Até hoje são estas canções que figuram nas rádios FMs, em suas múltiplas versões, regravações, jingles emprestados e etc.
Quando o guitarrista do Shaman/Tempest, Léo Mancini, empresta seu talento e cuidado para um projeto que que já foi explorado em outras ocasiões por outros artistas talentosos (e outros nem tanto) pode ser que em um primeiro momento o ouvinte fique com um pé atrás, porque a pergunta que ele faz é: mais um Emerson Nogueira?
Não. Léo Mancini não é mais um Emerson Nogueira ou uma Danni Carlos. É um músico igualmente talentoso mas com muitos recursos técnicos e uma EXCELENTE voz. Um cara diferente que passa uma enorme sinceridade cantando as canções de outras pessoas.
Um ponto extramamente positivo no trabalho “Acoustic Hits” (disco produzido pelo guitarrista e agora adquirido e lançado pela Som Livre) é a apurada produção e o esmero em soar – mesmo que os arranjos sejam minimalistas – muito próximo do original e quando isso não ocorre, LM e sua trupe conseguem colorir a versão com beleza e precisão, caso de “Kiss From a Rose” que recebe um belíssimo arranjo vocal nada devendo a canção original, uma das mais belas do repertório pop da década de 90.
Mesmo “Breakfast at Tiffany’s” canção da banda one hit single Deep Blue Something ganha um toque especial da parte do músico. A leveza dos arranjos traz uma agradável sensação ao ouvinte se cair de cabeça (e ouvido) nas interpretações e desempenhos dos músicos na canção.
Já “Unwell” pertence a sumida banda Matchbox Twenty, do igualmente sumido Rob Thomas, que ficou muito mais conhecido por seu dueto com o hábil guitarrista Santana (com quem está envolvido em uma nova produção de disco desde 2010) com a canção Smooth. Pouca gente sabe mais Rob Thomas também criador da série cult Veronica Mars. E nesta versão de LM fica impossível não ficar impressionado com o perfeccionismo na reprodução dos riffs e do groove do hit.
“Over My Shoulder” é canção certa das rádios FMs que primam por uma programação de música pop década de 80 e 90; a música do repertório da banda Mike and The Mechanics, tem timbres muito semelhantes e a voz de LM não está preocupada em soar parecida mas sim passar a mensagem da canção. A pronúncia do inglês do cantor e guitarrista em certos momentos é bem mais claro e cristalino do que o cantor original. Uma performance interessante.
A clássica “Everybody wants to rule the world” do duo Tears for Fears, ganha um tratamento especialíssimo, de violões e percussões, sem em nenhum momento deixar a peteca cair. Admiro covers (com algumas restrições) que respeitam a escolha do artista na gravação original, porque muitas vezes de fazer uma tentativa original acaba distorcendo a intenção da canção. LM faz tudo de forma muito competente e surpreendente porque afinal de contas é um músico que faz parte de uma banda de metal! Hoje em dia não existe mais o radicalismo que outrora afugentava muitos ouvintes. Golaço do músico.
E se você pensava que não seria possível fazer um cover acústico de um funk rock dos anos 90 tire seu cavalinho da chuva. Com vocal mais sombrio e grave, LM transforma “Epic” do Faith No More numa agradável canção de lual sem tirar nem pôr. Uma alteração aqui e outra ali nos arranjos para violão mas nada que retire da canção a decência que conquistou os ouvintes via Mtv e rádios. Mesmo sem um baixo muito presente (única crítica que faço à produção do disco) a versão não deixa ninguém na mão.
Meu cover preferido deste disco “Follow You Down” da banda pop Gin Blossoms mata uma saudade da BOA música pop produzida nos anos 90 e que neste caso existe um grande paradoxo, já que, mais do que grandes bandas, a década passada foi capaz de revelar GRANDES CANÇÕES em detrimento de GRANDES BANDAS, o que realmente é uma coisa muito curiosa, já que Gin Blossoms não deve figurar na lista de “mais queridos” de muita gente.
“Operation Spirit” do Live – banda muito conhecida por ser taxada de cópia do REM – é uma das minhas únicas ressalvas na escolha do repertório, mas admiro a escolha do produtor por esta canção e não pelo hit do Live, “Selling The Drama”. O Live esteve na ativa até 2009.
“Strangelove” é uma daquelas canções que ficaram no imaginário de todo mundo que tem mais de 30 anos, o que deve ser o caso também de LM. Uma canção dark/dance do excelente repertório de uma das bandas mais respeitadas da música pop, Depeche Mode. E se você pensa que pelo fato de estar aqui sendo “atacada” por violões ela ficou menos bacana? Nada disso. O disco continua divertido e ganha alguns adereços no arranjo. Excelente aposta. Jogo ganho.
“Friday In Love” nem é o maior hit do britânico “The Cure” mas com certeza é uma das músicas mais legais e simples do descabelado Robert Smith. Com uma introdução que lembra mais uma balada ao violão, LM, usa algum reverb no vocal, mas não atrapalha nada, nada. Repare que o disco todo tem um EXCELENTE trabalho de percussão que não se preocupa em chamar “todo mundo africano para cantar a chuva” e sim completar as canções e dar chão a todo acompanhamento. Mais um gol do músico.
“Mr. Jones” de certa forma é uma escolha óbvia. A intenção aqui era realmente viajar nos anos 90 por canções que ainda hoje são certeiras para milhões de pessoas. Eu não escolheria esta canção, não por ser ruim, mas porque foi exaustivamente tocada nas rádios brasileiras e por não dar muitas possibilidades de arranjos mais elaborados. Ah! A canção era da banda Counting Crows.
E se você ficou de boca aberta com a versão de “Epic” do FNM o que dizer de “Notorious” do Duran Duran, banda que até hoje, mesmo tendo perdido um pouco do espaço, segue produzindo material novo e fazendo suas canções, sem aquele mesmo brilho dos anos 80. Destaque absoluto para o baixo acústico que dá um charme excelente à versão.
“Wonderwall” é a bela canção do falecido Oasis que fez muita gente cantar (e chorar). O single milionário dos irmãos e inimigos Gallaghers foi uma ótima pedida e ganha uma ótima introdução, diferente da levada que a banda britânica escolheu.
Com “Hysteria” do Def Leppard, Leo Mancini faz uma ótima homenagem a uma banda de rock que sofre bastante preconceito no meio justamente por ter optado por privilegiar em seu repertório as baladas. E também não deixa de ser uma referência ao seu trabalho junto do Shaman e do Tempest, embora o som de ambas seja mais pesado do que o hard do Def Leppard.
Enfim, lamento que o disco não tenha tido tanto espaço na mídia pois muito pode ser falado sobre ele e sua produção já que, mesmo contando com amigos nas contribuições nos backing vocals e em outrosinstrumentos, LM se encarrega de tocar todos os instrumentos e trabalha na direção e produção do disco ou seja, um excelente trabalho que traz excelentes resultados em cada faixa e se você quiser montar uma festinha para matar saudades dos anos 90, toca este disco, por favor!
Track List
01 – Kiss from a rose
02 – Breakfast at Tiffany’s
03 – Unwell
04 – Over my shoulder
05 – Everybody wants to rule the world
06 – Epic
07 – Follow you down
08 – Operation Spirit
09 – Strangelove
10 – Friday I’m in love
11 – Mr. Jones
12 – Notorious
13 – Wonderwall
14 – Hysteria
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twitter do blog: @aliterasom
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