O Heavy Metal nunca seria o que é se não fosse a ‘Atitude’ de alguns de seus músicos, e a Carniça sempre provou tê-la de sobra. Aproveitando o lançamento de seu segundo álbum, "Temple´s Fall... Time To Reborn", o Whiplash! conversou com os gaúchos Mauriano Lustosa (voz e baixo), Parahim Lustosa (guitarra) e Marlo Lustosa (bateria), as mentes criativas por trás desta excelente banda.
Whiplash!: Olá pessoal. A Carniça não só adquiriu considerável reputação pelo Rio Grande do Sul, mas conseguiu até mesmo destaque no exterior. Que balanço vocês fazem da primeira fase de sua carreira? O que acarretou para que a banda permanecesse no ostracismo a partir de 2003, afinal?
Carniça: A Carniça começou em uma época em que o único contato possível era através de cartas, era tudo muito difícil e demorado. Criamos uma rede de contatos baseada em zines e pessoas ligadas à cena. Batalhamos muito e conseguimos diversas participações em coletâneas de países como Bélgica, Portugal, França e Itália. Isso sem contar o Brasil, onde distribuímos nosso CD “Rotten Flesh” de mão em mão, além de cinco demos-tape.
Carniça: De 2004 até 2008 estivemos em ‘stand by’; cada um tocando alguns projetos ligados ao Metal e também à suas vidas pessoais. Não houve brigas, nem nada do gênero. Apenas um hiato, um tempo que acabou sendo fundamental para que a banda pudesse continuar agora, como está sendo. Para a banda, isso fez muito bem.
Whiplash!: A Carniça foi selecionada para participar do tributo oficial ao alemão Running Wild, cujo disco contou com a aprovação do próprio Rock 'N' Rolf. Sei que houve algumas decepções acerca deste episódio, mas o que realmente aconteceu?
Carniça: Inicialmente, o disco sairia em formato ‘físico’ de CD e seria prestado por bandas underground e que eram fãs de Running Wild. Uma coisa verdadeira, de músico para músico. O que aconteceu é que algumas gravadoras ‘majors’ de bandas mais conhecidas (e alemãs, por coincidência) entraram na parada e de alguma forma pareceu que impuseram seus artistas.
Carniça: Assim, o tributo acabou se dividindo em um tributo das ‘estrelas’ do Metal (principalmente) alemão e outro, distribuído de forma on-line e gratuita, de bandas desconhecidas, dentre as quais a Carniça. O fato bom ficou por conta da resposta da galera, que, além de baixar em peso o CD, na etapa de votação e escolha popular das bandas deixou a Carniça como uma das mais votadas.
Whiplash!: Em 2008 a formação considerada clássica se reuniu novamente, e agora a Carniça está lançando o excelente "Temple´s Fall... Time To Reborn". Considerando a distância que o separa do debut "Rotten Flesh" (99), existem diferenças na realização destes trabalhos?
Carniça: Acreditamos que não haja diferenças em termos de composição, pois a Carniça tem uma fórmula muito bem elaborada para criar seus sons. Esta fórmula vem desde o começo da banda e creio que não foi esgotada ainda, pelo contrário, está sendo aprimorada e ganhando adições no processo. Um exemplo disso foi a exploração de uma temática, de forma mais contundente e sofisticada. Nisso tivemos uma grande diferença em relação à “Rotten Flesh”.
Carniça: Em relação ao avanço tecnológico, a diferença foi maior. Passados 11 a 12 anos, tivemos oportunidade de investir em nosso próprio estúdio e o acesso de novas tecnologias, o que nos possibilitou realizar o trabalho técnico com maior coesão e com um resultado mais equalizado, técnica e conceitualmente. Mas, o mais importante é o espírito que nos leva ao Metal e a divulgar nossa mensagem, este é o mesmo desde sempre.
Whiplash!: "Temple´s Fall... Time To Reborn" consegue ser realmente contestador. Qual a inspiração para suas composições e de que forma vocês evitam os clichês de protesto?
Carniça: A raça humana, a humanidade, sempre co-existiu com a disputa de poder através de guerras, revoltas, traições e mentiras. Sempre expomos isso em nossas letras. No “Rotten Flesh” quisemos mostrar uma sociedade que quer ser livre, democrática e moderna, porém é podre, protagonizando atos inacreditáveis para uma raça que se diz superior.
Carniça: Em “Temple's Fall...” focamos na religião que, se não é a fonte principal, é uma das maiores em relação à condição degradante que a humanidade vive. Isso porque os templos aos quais nos referimos apresentam-se à sociedade como casas que recebem e ajudam, mas, na verdade, exploram política, social e economicamente o ser humano. Podemos ter nossas crenças de vida além-túmulo, valores espirituais e exemplos de vida. Mas nunca devemos ter obediência aos ‘representantes de Deus’, ministérios, igrejas ou empresas que vendem a fé. A fé é algo pessoal e não deve ser imposto ou conduzido. Isso fica cada vez mais nítido, fazendo com que as religiões caiam em contradição. Como a gente fala: os templos caíram.
Whiplash!: Ainda que sua música seja bastante agressiva, vocês trabalham muito bem com as melodias. Realmente, possuem personalidade... Como equilibrar essa química musical, repleta de referências que passam pelo Thrash, Death e Heavy Metal tradicional?
Carniça: Acho que tem muito a ver com nossa ‘formação’ musical. Curtimos Metal desde o começo dos anos 80 e acompanhamos o crescimento do movimento. Nossos gostos musicais são bastante ecléticos dentro do estilo. Daí tiramos essa harmonia entre o brutal, odioso e o som mais elaborado. Sempre gostamos de introduzir os dedilhados e partes mais elaboradas em nossas músicas. Refletem o estado de nossas músicas. O estilo da Carniça é este, de quebra de ritmo, de alternação de levadas, sempre foi. O que mudou com o tempo foi que aprendemos melhorar essa proposta com os outros estilos, com nossas referências antigas e as novas que surgem.
Whiplash!: Além da música em si, o Heavy Metal sempre esteve atrelado a um forte apelo visual. O que vocês pensam disso? Afinal, a Carniça é formada por três caras que fogem consideravelmente do estereótipo típico do estilo, e já devem ter sido alvos de comentários acerca disso, não?
Carniça: Cara, pode ser até que tenha acontecido, mas nunca ninguém veio dizer na nossa cara (risos)! Até porque temos uma história e uma atitude que consideramos tão grande que fala muito mais alto do que qualquer apelo visual. Além disso, se nosso som foge de clichês, porque a banda deveria ‘respeitar’ o padrão de mercado? Veja as muitas bandas de hoje. Dê uma rápida olhada para postura de palco ou fotos. A cada 10 bandas, oito se parecem iguais, em tudo!
Carniça: Temos nosso estilo próprio e ele se reflete tanto ao som quanto ao visual. Atitude, velho, é isso que conta. Visual? Pode ser comprado? Acreditamos, acima de tudo, que Heavy Metal é algo que se tem dentro da pessoa, na atitude, e não na quantidade de adereços que se veste. E temos certeza de que os bangers sabem apontar as bandas que são true.
Whiplash!: Tendo sua origem em 1991, a Carniça tem na bagagem cinco demos, um tributo oficial e dois álbuns. Considerando toda sua experiência pelo underground, como vocês analisam a atual cena brasileira? Quais seus pontos altos e baixos?
Carniça: Vemos a cena muito idêntica ao que era 20 anos atrás. Existem as bandas e pessoas do meio que realmente lutam pelo Metal e existem aquelas que se julgam ‘superiores’ a tudo e a todos. O meio tem muito ‘pau no cu’. Para esses, não devemos dar relevância e sim seguir nosso caminho, que é o que importa. Temos consciência do que precisamos fazer, do que dizer em nossas músicas, enfim, da real postura que um ‘banger’ deve ter.
Carniça: Dessa cena em si, a única fragilidade que se pode notar é em relação à internet x shows. Parece-nos que se tem dado preferência a ficar em casa baixando som do que vestir a camiseta e ir para o show conhecer o som de uma banda nova, ali, ao vivo. Tá certo que os tempos são outros e que isso é melhor do que a interminável espera pela chegada dos bolachões às lojas, mas a cena se inverteu e voltou a polarizar. Algumas pessoas que tem ido aos nossos shows, e não faziam isso há um tempão, nos dizem que se surpreenderam com a energia da coisa ao vivo. Claro! Em relação a isso, a cena brasileira precisa resgatar suas raízes.
Whiplash!: Pois bem... Um ótimo disco em mãos e muito trabalho para novamente firmar o nome Carniça entre o público. Quais as expectativas e como estão os preparativos para isso? Aliás, ouvi algo sobre um DVD em andamento, isso procede?
Carniça: Estamos realmente trabalhando muito na divulgação do disco. Acho que esta é a parte mais laboriosa do projeto. Com o disco distribuído entre a galera e também com os formadores de opinião, queremos entrar na estrada e realizar muitos shows. Aliás, isso já começou. Tocamos semana passada e agora já estamos partindo para mais um nesse fim de semana. Mas queremos mais. Nosso projeto é de uma tour pelo centro-oeste e nordeste (promotores de shows entrem em contato!) e estamos conversando com agentes/bandas do exterior para uma tour lá fora. Vamos começar a gravar um clipe entre abril e maio e um DVD seria ótimo, mas para este ano acho que será complicado, pois temos muito a fazer divulgando o trabalho.
Whiplash!: Uma curiosidade final... O Marlo passou um tempo no Trator, que em 2004 lançou um disco muito bacana chamado "A Letter From Hell". Que fim levou essa banda?
Marlo: Cara... O Trator esteve no seu auge, coincidentemente no tempo em que estivemos afastados... Tínhamos grandes projetos para a época e repentinamente um de nossos guitarristas deixou a banda por motivos pessoais, e isso acarretou no fim da banda. Tentamos voltar, mas houve algumas divergências e infelizmente não houve a esperada volta, temos contato com nosso amigão Márcio Gomes (guitarra) que foi nosso produtor do ”Temples Fall...” e, anteriormente, do “A Letter From Hell” do Trator, gostava pra caralho da banda e espero que um dia volte...
Whiplash!: Ok, o Whiplash! agradece pela entrevista e deseja boa sorte ao Carniça! O espaço é de vocês para os comentários finais...
Carniça: Nós que agradecemos à GRANDE FORÇA que é o WHIPLASH! Muito apoio à cena Metal do Brasil. É este tipo de atitude que a cena brasileira tem que incorporar sempre, pois é o mesmo espírito com o qual estamos nos doando para este novo projeto da Carniça. Estamos a fim de tocar, temos coisas bacanas para falar e queremos mostrar isso a todos em alto e pesado som!
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