29 de junho de 2011

Aliterasom: Quem veio primeiro, o fã ou artista?


Existe uma série de premissas nesta pergunta fácil de responder. Se não houvesse arte, não haveria artistas, não havendo artistas, não haveria quem os admirasse. A retórica se justifica. É muito comum ler nos comentários de qualquer site dedicado à música respostas do tipo: “Eles não pensaram nos fãs quando fizeram este disco”, “Este disco tem que ser tão bom quanto o primeiro! Este sim era a verdadeira banda”, “Espero que este disco seja o novo xxxxxxxxxxxxxxxx”.
A relação entre o artista, sua obra e seu admirador é muito complicada. Porque parte da percepção que o fã terá do seu artista favorito vem de passionalidade, ou seja, o disco de um cantor/uma banda representa algo imutável na vida daquele indivíduo que descobriu o som que ‘mudaria’ sua rotina pra sempre. Por outro lado, o artista que usa em seus discursos aquele velho recurso de respeito e confronto: “Não estaríamos aqui se não fossem vocês” acaba derrapando na verdade. Bem, devagar com o andor para os dois lados.
O motivo da feitura de uma canção, na alma do artista, NUNCA é motivado pela parte externa deste imenso universo de conversa que é a música, no caso os fãs. As motivações começam dentro do artista, no que ele quer dizer, sobre qualquer assunto, envolvendo diversos sentimentos. Deste momento em diante, ele começa a pensar a forma (arranjo) como ele dirá o que pensa. Se é uma banda, cada um irá ‘dizer’ junto com o compositor, através das suas falas (acompanhamento/harmonia) que sublinhem aquele dizer. Um conjunto de canções irá formar um disco e um conceito, mesmo que ele gire em torno de temas distintos, mas ali é fotografado o artista, seu momento, sua opinião sobre tudo que pensa. Existem artistas que conseguem disassociar sua própria arte, em um afastamento bastante subjetivo, do seu dia a dia, como se construísse um personagem, compositor, músico, pra dizer o que quer a partir de qualquer lugar. Extremamente legítimo.
Em dias tão diferentes de 30 anos atrás – onde um artista batalhava um espaço em uma gravadora (major) para conseguir um bom contrato de divulgação – a internet tornou-se a força motriz que torna aquele trabalho público. E aí numa espécie de revolução holística e bastante imperial, por assim, dizer, um artista e/ou banda passam à mega-star. Só que existem contradições e incoerências neste meio tempo. Se a banda ficar apenas no vácuo de uma conspiração via Youtube para que se torne famosa, pode também não ver a luz do sol. Sem contar que talento nem sempre será o diferencial para o estopim. Quantos músicos, cantores e cantoras que você conhece que ainda não estão onde desejam, ou seja, na casa de milhões de pessoas, tocando em trilha de novela, participando de festivais e etc?
Bem, sem contar que a indústria vai buscando alternativas que supram a falta (de dinheiro) que ela mesmo consumou. Então, o jeito mais fácil de fazer isso – pelo menos nesta última década – é criar clones de algo que aparentemente ‘deu certo’. Dar certo aqui não significa artisticamente, mas sim, aquilo que trouxe mais volume de investimento e portanto, rentabilidade. E aí aparecem dezenas de outras bandas e artistas fazendo o mesmo tipo de som, quando não, dizendo a mesma coisa. O movimento emocore é um exemplo claríssimo disso e para não ficarmos apenas detonando o ‘colour sound’, o que não dizer da penca de versões de Ana Carolina que chegaram ao mercado, interessadas em um nicho muito particular, nem sempre com o mesmo talento da cantora mineira?
Nos anos 80, antes dos meninos de cabelo lambido dominarem o mundo, o planeta foi invadido pelo glam rock, que priorizou mais os tratamentos de madeixas (também) do que propriamente a música. Se é possível dizermos que sim, havia bandas muito legais no meio, também haviam aquelas almejando apenas os 15 minutos de fama. Algumas sumiram após o primeiro disco e a falta de personalidade. Outras permaneceram fazendo o som com a qual se comprometeram e não cresceram um milímetro musicalmente. Para esta falta de evolução musical chamam de “agradar os fãs”, porque na verdade a música destas bandas é uma receita de bolo pra lá de bem sucedida. E empresários, gravadoras e porque não dizer, os fãs, não estão nem um pouco interessados em mudanças radicais de estilo. O empresário tem sua cota, a gravadora a sua galinha dos ovos de ouro e os seus fãs querem mais do mesmo.
Aqueles que concordam com o ciclo vicioso dito no parágrafo acima, isto não é arte. É um casamento na qual todo mundo sabe seu papel mas ninguém ousa com medo do relacionamento acabar. Perguntem se oMetallica mudaria uma vírgula de sua história fazendo o mesmo som que faziam “para agradar fãs, gravadoras e outros interesses”? Até porque estavam respaldados nos milhões de fãs que conquistaram ao redor do mundo. O fã mais legítimo e verdadeiro respeita as opções do seu ser venerado, mesmo que não goste. Aliás, tem este direito.
Daí começa o diabólico mundo das comparações. A imprensa usa os meios midiáticos dizendo que o Iron irá lançar o novo Piece of Mind, que o Kiss vem com um novo Destroyer e que o novo do Metallica é a melhor coisa desde o Master of Puppets. Para um bando de jornalistas que jamais pegaram numa guitarra na vida – a não ser para babarem de inveja por não saberem tocar – é muito fácil escrever fazendo referências estéticas que nada tem relação com composição e principalmente com momento. As expectativas geradas por estes senhores – por quem tenho respeito e ressalvas – geram nos fãs que lêem suas matérias anseios que serão satisfeitos (ou não) e que farão fóruns do mundo inteiro ficarem abarrotados com comentários do tipo: “Fulano se vendeu, nunca mais compro um disco”, “Bom mesmo era quando o fulano era o vocalista, com este cara a banda tá uma merda”, “Eu sou da corrente que esta banda terminou em 1978″.
Nenhum pintor pensa se causará reações positivas na sua audiência. Nenhum teatrólogo faz um monólogo pensando se a plateia irá concordar ou não. O nível de identificação já é amplamente e previamente positivo porque é de gente pra gente, logo, reverberação se encontra.
O que precisa mudar um pouco é esta ingenuidade do fã de achar que tudo nasce nele, para ele e por ele. O grande poder da audiência está em: prossigo (ou não) em ouvir tal artista. Continuo (ou não) indo ao show. Compro (ou não) o novo DVD. Ele pode dizer ao seu bolso e ao seu ídolo se quer continuar essa caminhada ao seu lado, mas daí a achar que suas vontades devem ser realizadas no trabalho da qual é fã é tolice.
A exceção do que foi dito acima está naqueles que conseguem manter suas características iniciais de carreira e fazem o mesmo trabalho desde o primeiro, ou seja, nunca pensaram caminhar por uma outra estrada pelo temor do desconhecido ou mesmo por não saberem pegar um novo caminho. Respeito. É uma opção.
Quem não ousa, mesmo que sofra críticas por tal ousadia, esqueceu há muito o sentido mais genuíno de expressão de arte: o que dizemos, escrevemos e falamos, primeiro dizemos, escrevemos e falamos para nós mesmos. Gostem ou não.
twitter do autor: @dcostajunior
twitter do site: @aliterasom

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