Desconheço gênero musical mais apaixonante que o heavy metal. A força de suas guitarras conquista novos fãs todos os dias, ao mesmo tempo em que renova os votos de velhos parceiros a todo momento. Suas letras, seja quando contam histórias fantásticas repletas de seres mitológicos ou quando mergulham no lado mais escuro do ser humano, são relatos intensos e hipnotizantes. Sua mítica, suas lendas, seus ícones e sua tradição foram construídos através do apoio e da participação ativa dos fãs, personagens de importância fundamental em sua história.
O jornalista Ian Christe, nascido em 1970 na Suíça, entende tudo isso. Fanático por heavy metal, Christe construiu uma carreira sólida na mídia especializada, tendo seus textos publicados em revistas como Kerrang!, Spin, Guitar World e outras, além de matérias em publicações como Wired e Chicago Reader. Como todo fã de metal, Christe se aventurou também na música com a banda Dark Noerd the Beholder, que aparece na trilha do filme "Gummo", lançado em 1997, e em alguns outros projetos.
Profundo conhecedor do heavy metal, pesquisador e colecionador do estilo, Ian Christe lançou em 2003 o livro "Sound of the Beast: The Complete Headbanging History of Heavy Metal", que acaba de ganhar uma muito bem-vinda edição brasileira. Já traduzida para onze línguas, aqui em nosso país a obra ganhou o título de "Heavy Metal: A História Completa" – e faz jus a essa expressão.
As 480 páginas do livro passam a limpo a trajetória da música pesada, desde o seu início até os dias atuais. Christe aponta - acertadamente por sinal – o lançamento do primeiro álbum do Black Sabbath, em 13 de fevereiro de 1970, como o marco zero do estilo, e seu texto parte desse ponto. É nítida a paixão do escritor pelo metal, e isso transparece claramente em suas palavras, dando um ar épico, mágico e fantasioso para cada página.
Organizado em vinte capítulos (mais prólogo e epílogo), "Heavy Metal: A História Completa" é uma obra extremamente didática, que explica detalhadamente o surgimento do metal e de seus inúmeros subgêneros, e em como cada fato de sua história influenciou os músicos e os fãs, levando a novos caminhos sonoros que criaram, consequentemente, novas tendências musicais.
A parte dedicada aos primeiros anos do heavy metal é particularmente elucidativa, citando nominalmente os artistas que definiram as bases do estilo e que, muitas vezes, acabam sendo ignorados por ouvintes mais novos. Ir atrás de bandas como Flower Travellin´ Band, Blue Oyster Cult, Captain Beyond, Bang e outras – além das obrigatórias Deep Purple e Led Zeppelin – leva ao conhecimento de ótimos discos muitas vezes relegados a um plano secundário, e tornam o entendimento da evolução do gênero muito mais fácil e eficaz para o ouvinte.
A clareza do texto de Christe torna óbvia a compreensão do quanto as bandas da New Wave of British Heavy Metal, ao afastarem-se das influências de blues tão evidentes nos pioneiros do metal (como o próprio Black Sabbath) e substituí-las pelas harmonias e melodias de grupos como Wishbone Ash e Thin Lizzy deram ao gênero uma de suas características mais marcantes: o duelo faiscante de guitarras inventivas e inspiradas, traduzido em linhas melódicas volumosas e grudentas.
O embate entre as bandas glam de Los Angeles e a cena thrash da Bay Area é outro momento de destaque. Ian Christe reconhece a devida importância histórica de grupos como Quiet Riot, Motley Crue, Dokken, Ratt e outros, responsáveis não apenas por levar o som pesado para a grande massa, já que alcançaram vendas gigantescas e se tornaram figuras habituais nas paradas da Billboard, mas também por viabilizar o formato da MTV, já que a emissora cresceu e se consolidou com uma programação baseada, em sua grande maioria, em vídeos desses grupos.
Do outro lado da história, o enorme sucesso das bandas glam alimentou uma reação em massa na vizinha San Francisco, onde grupos influenciados por Venom, Motorhead e pela NWOBHM começaram a desenvolver um som mais agressivo aliado a uma imagem que era a antítese do visual glam – ao invés de roupas colantes e multicoloridas, as bandas da Bay Area vestiam-se com o trio básico tênis-jeans-camiseta. Liderados pelo Metallica, esses grupos fizeram nascer um dos mais influentes e duradouros subgêneros do metal, o thrash metal.
O livro também prova que a queda de popularidade das bandas glam no início da década de noventa, ao contrário do conceito que é vendido por grande parte da mídia especializada brasileira, não foi causada pelo surgimento do grunge, mas sim pelos excessos - tanto estéticos quanto comportamentais – das próprias bandas. Esse fator, aliado à sólida reputação conquistada pelo Metallica e a posterior explosão comercial proporcionada pelo "Black Album", colocou a pá de cal que acabou enterrando a cena de Los Angeles. Qualquer movimento que viesse depois seria adotado pela mídia - calhou de ser o grunge, mas poderia ser qualquer outro.
A polêmica cena black metal norueguesa do início dos anos noventa rende um dos melhores capítulos da obra. Christe contextualiza a relação dos noruegueses com a religião, e explica como o Cristianismo foi imposto no país há mais de mil anos atrás, gerando um descontentamento histórico em toda a população. As bandas de black metal do país, que foram responsáveis por discos fantásticos que influenciaram profundamente o estilo, também foram personagens de atividades polêmicas como a queima de igrejas históricas, ataques a homossexuais e diversas ações controversas que alcançaram o seu auge com o assassinato de Euronymous, líder e guitarrista do Mayhem, em agosto de 1993. Todos esses acontecimentos são contados com clareza por Christe, em um dos capítulos mais esclarecedores de "Heavy Metal: A História Completa".
Dois aspectos do texto de Ian Christe merecem uma crítica. O primeiro é o foco exageradamente centrado no Metallica em detrimento a outras bandas fundamentais do som pesado. É claro que o grupo de James Hetfield tem importância seminal no gênero, mas em alguns trechos o destaque é tanto que temos a impressão de estar lendo uma biografia da banda.
O outro é o fato de Christe ignorar totalmente alguns subgêneros e nomes importantes na história do som pesado. Isso acontece de forma mais evidente com três bandas: Dream Theater, Stratovarius e Gamma Ray. Toda a cena prog metal não é citada no livro, o mesmo acontecendo com os grupos de metal melódico. Independente de gosto pessoal, uma obra que ostenta o subtítulo "The Complete Headbanging History of Heavy Metal" não pode cometer um deslize como esse.
Ian Christe também faz inúmeras listas durante todo o livro, apontando os discos mais representativos de praticamente todos os segmentos da música pesada. Essas listas acabam servindo como guias para quem quer conhecer cada subgênero do metal, e tem grande valia para os leitores.
"Heavy Metal: A História Completa" é um livro fundamental para qualquer headbanger. A trajetória do gênero musical que tanto amamos é contada nos mínimos detalhes, em uma leitura extremamente prazerosa para todo fã de música pesada. Enfim, um livro recomendadíssimo, e que documenta o impacto e a força que o heavy metal teve - e continua tendo - na sociedade.
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