Por Fernanda Lira
No último dia 19 de março a cidade de Rio Claro, no interior de São Paulo, realizou um dos principais shows dentre os mais de trinta que integram a programação de um mês do IX Festival Rock Feminino, organizado e realizado por produtoras locais e apoiado pela prefeitura da cidade.
Devo admitir que sou fã incondicional desta banda, mas a importância desse quarteto feminino para a história do rock não é algo que só fanáticos devam ressaltar. Aliás, qualquer garota que hoje pega em uma guitarra, toca um riff e sonha em conquistar o mundo com sua banda, está em débito com o Girlschool.
Isso porque elas foram pioneiras no quesito rock feminino junto com as americanas do The Runaways. A diferença entre elas é que mais de trinta anos depois de seu início em 1978, as amigas de longa data de Lemmy Kilmister e companhia ainda rodam o mundo em turnês e shows eletrizantes, como o que fizeram aqui no Brasil.
Todo esse crédito foi retribuído as meninas da forma mais satisfatória para uma banda: um público estimado em mais de seis mil pessoas abarrotando a velha estação de trem de Rio Claro, palco para o evento. E não foi a gratuidade do evento que garantiu essa grande massa de fãs. Isso porque dezenas de vans de cidades do interior estacionavam à frente do local depois de horas de viagem, assim como centenas de paulistanos que percorreram quase 200 km a fim de realizar esse grande sonho de ver o ícone feminino da NWOBHM em ação.
O show começou com um grande atraso de cerca de uma hora, que ocorreu devido a pequenos problemas que aconteceram no início do evento e não por causa das meninas do Girlschool, que são boas britânicas apreciadoras de chá e da pontualidade afiada. Isso, porém, não pareceu irritar ou incomodar os fãs, que gritavam incessantemente pela banda em uma pista lotada de pessoas com o visual tipicamente oitentista: cabelos repicados, calcas apertadas, tênis de cano longo, camisas de bandas de heavy metal tradicional dos anos oitenta feitas à mão e, claro, os coletes repletos de patches. Aliás, esses fieis fãs tiveram um papel essencial no show. Não pararam de banguear por um minuto, cantaram praticamente todos os refrãos em alto e bom som com muita propriedade e ainda pediam por musicas lado B a todo minuto. A platéia com certeza vai ser um fator que vai pesar na mente das meninas na hora de escolher os paises em que vão tocar em uma turnê futura – e elas prometeram que retornarão em breve.
A abertura ficou por conta da maravilhosa “Demolition Boys”, do primeiro álbum das garotas, durante a qual houve alguns problemas no volume e nitidez do som, o que foi facilmente ajustado ao longo dos sons conseguintes. A música citada não foi a única relíquia do set. O repertório matador foi calcado nos três primeiros discos da carreira e no último trabalho com a guitarrista Kelly Johnson, “Legacy”. Não falei com nenhum fã que não estivesse satisfeito com a escolha das músicas, pois outros clássicos como “C’mon Lets Go”, “Yeah Right”, “Hit and Run”, “Race with the Devil”, “Screaming Blue Murder” e “Kick It Down” também fizeram parte de uma seqüência inicial de tirar o fôlego.
Conforme emendavam outros hits como “Surrender”, “Never Too Late” e “Future Flash”, podíamos reparar o porquê de Lemmy tê-las apadrinhado. Não existem garotas mais rock and roll que elas ao vivo. A presença de palco é impecável, com as quatro interagindo o tempo todo, tocando uma ao lado da outra sempre que podiam, cantando com vontade cada trecho de seus sons, batendo cabeça, provando que são donas de uma simpatia ímpar, expressa em cada olhar direcionado aos fãs na grade e a cada ‘diálogo’ bem humorado estabelecido ao fim das músicas. São almas agressivas de homens em corpos bem conservados de belas eternas garotas (a não ser pela baterista Denise Dufort que, convenhamos, compensa inversamente a beleza das outras).
Cada integrante fez um show à parte. Kim McAullife tem a postura que uma líder de banda deve ter: tem o público na mão com pouco esforço e toca guitarra e canta absurdamente. Jackie Chambers, com seu visual a-la Doro Pesch, arrancou elogios desde o primeiro acorde: além da performance bem rockstar de tocar a guitarra de todas as formas possíveis (passando as cordas no pedestal, dando-as para o público tocar e tudo o mais), a loirassa ainda executou perfeita e respeitosamente os solos bem compostos de Kelly Johnson, uma das maiores guitarristas mulheres no estilo, a qual substituiu após sua morte de câncer há alguns anos atrás. Denise Dufort, a baterista, continua com seu mesmo jeitão de anos atrás, tocando bem à vontade no melhor estilo ‘Animal’ Taylor, seu colega da época do HeadGirl, projeto conjunto entreMotorhead e Girslchool, que gerou a conhecida “Please Don’t Touch”, cover de Stray Cats. Enid Williams estampava em seu rosto a felicidade e prazer que sente em tocar: com seu baixo de cinco cordas da mão, intercalava seus vocais com sorrisos de orelha a orelha.
A energia do show não caiu por um minuto sequer, uma vez que o repertório incrível e a postura agressiva das integrantes eram contagiantes. Mas eu garanto que toda essa vibe dobrou perto do bis. “Emergency”, que foi cantada inteiramente em uníssono, o single de sucesso “Take It All Away”, e o cover de “Tush”, do ZZ Top, direto do álbum “Screaming Blue Murder”, garantiram um ‘gran finale’ com chave de ouro.
Não há duvida de que as metalheads do Girlschool ficaram visivelmente impressionadas com o público brasileiro – no discurso final no microfone, Kim e Jackie garantiram que esse gostinho de quero mais não durará muito.
O show dessas veteranas foi marcante e importante por vários motivos, mas dois deles, como headbanger saudosista, eu gostaria de ressaltar com um carinho mais especial. A vinda do Girlschool para o Brasil, assim como a do Anvil, Exciter e tantas outras, provou mais uma vez que as raízes do metal, ou seja, aquelas que deram início a tudo o que chamamos de metal hoje, estão mais do que vivas e recebendo um retorno maravilhoso por sua importância para a cena que hoje ainda existe forte, por parte daqueles que reconhecem as bandas oitentistas como as precursoras do estilo que atualmente tem uma dimensão maior e mais ramificada, mas ainda é mais antigo e ao mesmo tempo ativo que boa parte dos gêneros que vieram e já desapareceram. Além disso, as meninas mostraram que a simplicidade de riffs e estruturas bem trabalhadas, uma postura de palco sincera e verdadeira e uma energia que prevalece por mais de três décadas de muito trabalho são os elementos básicos de uma verdadeira banda de metal, mais do que triggers exagerados, peso artificial, e, no caso delas, coisas mais apelativas como minissaias e músicas comercialmente mais acessíveis para condizer com o marketing visual de uma banda de garotas.
Que venham mais celebrações dos anos 80 como essa!
Hail to the Demolition Girls!
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