Postado por Maximiliano P.
Entre as minhas lembranças adolescentes mais fortes estão uma fita K7 do “Alívio Imediato” e o vinil do “Rádio Pirata”. Eu sabia “Faroeste Caboclo” de cor desde a segunda vez que a ouvi, e chorei a morte de Raul Seixas quando vi a notícia no Jornal Nacional. O Ultraje marcou inúmeros refrões na minha cabeça e o mestre Edgar Scandurra (Ira!) foi o primeiro a me fazer ver qual a importância de um grande guitarrista em uma banda.
Assim como aconteceu com muitos caras da minha idade, parte do meu alicerce roqueiro foi cimentado nos anos 80, auge do rock brazuca.
Sempre valorizei os discos ao vivo dessa turma toda. Eram os primeiros que procurava pedir de presente ou comprar. Sou um dos que prega a máxima: “quem é bom faz ao vivo”, e por isso mesmo sempre preferi avaliar uma banda por suas performances de palco.
O rock brasileiro já produziu excelentes discos ao vivo. “Raul Vivo” (Raul Seixas - 1983), “Alívio Imediato” (Engenheiros – 1986), “Lobão ao Vivo” (1990), “Plugado ao Vivo” (Camisa de Vênus - 1995), e “Acústico MTV” (Titãs – 1997) são álbuns marcantes e discografia básica pra quem curte, só pra citar alguns...
Todavia o melhor de todos, na minha modesta opinião, não está listado acima. O campeão do meu torneio é de uma banda essencialmente roqueira, mas que sempre soube que uma guitarra com levada de blues arrasta multidões. Os Stones nos ensinam isso há quase 50 anos...
“Barão Vermelho Ao Vivo” é uma compilação de três shows realizados pelos caras na casa de shows Dama Xoc/São Paulo, em 01, 02 e 03/06/1989. A produção do disco foi feita por toda a banda e pelo excelente Ezequiel Neves, que os acompanhava desde 1982.
No ano anterior o BARÃO havia lançado “Carnaval”, de onde saiu o hit “Pense e Dance”. Com a música bombando nas rádios de todo o país e após seis álbuns de estúdio, estava mais do que na hora de gravar um disco ao vivo.
O repertório do disco é essencialmente roqueiro, com alguns atalhos blueseiros. Cazuza e Frejat sempre tiveram um pouco de soul e blues no DNA e trouxeram essas raízes para mesclar a elementos do som nacional. Canções como “Não Amo Ninguém”, “Bilhetinho Azul”, “Blues da Piedade”, “Down em Mim” e “Quem Me Olha Só” são exemplos mais do que claros disso.
Estou convicto de que em nenhum outro trabalho do BARÃO os solos de Frejat foram tão bons e tão valorizados. O show todo gira em torno dele, o que é realmente ótimo. Completaram o line up do BARÃO para o disco: Dé no baixo, Guto Goffi na batera, Fernando Magalhães na guitarra base e Peninha na percussão.
O álbum abre com as ótimas “Ponto Fraco” e “Carne de Pescoço”, hinos roqueiros instantâneos compostos por Frejat e Cazuza, mas onde a mão do guitarrista imprime uma marca única. Em seguida surgem “Pense e Dance”, com destaque para o show de Peninha na percussão, e “Bete Balanço”, na sua melhor execução ao vivo.
Logo após Frejat anuncia: “Agora vamos aos blues...”... Então entra a densa e magnífica “Não Amo Ninguém”. Um “slow blues” de primeiríssima qualidade, com letra incrivelmente adequada ao ritmo e uma levada perfeita. Todas as influências de Frejat, que esmigalha nessa faixa, aparecem aqui: Hendrix, Jeff Beck, Clapton, Richards...
Na sequência o rock retorna... Na melhor faixa do disco, Frejat abre dizendo: “espero que vocês estejam tão sedentos de rock’n roll quanto vocês estão de álcool...” e a banda emenda ótimas versões de “Por Que a Gente é Assim?” e da inédita “Rock do Cachorro Morto”.
A também original “Quem você pensa que é?” mostra um pouco do BARÃO pós-Cazuza e abre caminho para a marcante entrada de “Pro dia Nascer Feliz”, primeiro hit do BARÃO e música que costumava fechar seus shows naquela época.
No final, uma surpresa... O BARÃO teve coragem e competência para mandar ver uma bela versão de “Satisfaction”, dos Stones, e homenagear a banda que mais lhe influenciou. As palmas da galera no início e a boa condução de Frejat dão um belo gás à música, que fecha o disco.
Esse CD foi relançado em 1998, com a inserção de três faixas bônus, todas menos famosas: “Lente” (parceria de Frejat com o eterno Titã Arnaldo Antunes), “Bagatelas” e “Torre de Babel” (ambas do álbum “Declare Guerra”, o primero sem Cazuza).
Abaixo, um vídeo daquela tour... “Rock do Cachorro Morto” certamente é a música mais “lado b” daquele disco e talvez de toda a carreira do BARÃO.
Muitos dizem que música é poesia, mas poucos são corajosos para transformar um poema em uma canção, ainda mais no mundo do rock. A letra de “Rock do Cachorro Morto” é um soneto de Machado de Assis, chamado “Suave Mari Magno”, publicado no longínquo ano de 1880. A expressão "mari magno" vem do latim e significa o prazer que temos em nos vermos livres dos perigos a que outros estão expostos.
Os catorze versos tratam do descaso das pessoas com um cão envenenado. Machado de Assis adorava usar fatos comuns do dia a dia para provocar reflexões mais densas e advertir as pessoas.
A perversa natureza humana, que se mostra indiferente e até mesmo prazerosa frente ao sofrimento de outro ser vivo, é a idéia central dele:
“Lembro-me que, em certo dia, na rua, ao sol do verão, envenenado morria um pobre cão. // Arfava, espumava e ria, de um riso espúrio e bufão; ventre e pernas sacudia na convulsão.// Nenhum, nenhum curioso passava, sem se deter. Silencioso, silencioso, junto ao cão que ia morrer, como se lhe desse gozo ver padecer.”
Voltando ao vídeo, Frejat faz uma introdução com um trecho de “Hey Joe”, do Hendrix, e depois a banda segue com a música. Essa versão vale muito mais pelo registro histórico do que por qualquer outra coisa, já que o som está apenas razoável e a levada é muito mais calma do que a original.
Entretanto, pra garantir que vocês possam conhecer a música do disco ao vivo, no estilo mais “bate estaca”, o áudio original vai logo abaixo do vídeo. Rock’n roll na veia!
O BARÃO deve se reunir e voltar aos palcos em 2012, quando a banda completa 30 anos de carreira. Até lá, sempre vale ouvir e revisar a bela obra dos caras. Em se tratando de rock’n blues, é o melhor que temos por aqui...
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