O último ano da década que eles definiram viu os Beatles se desintegrarem em meio a brigas por dinheiro, diferenças musicais e o aparente status de ‘quinto membro’ de Yoko Ano. Peter Dogget destrincha um conto exemplar de gênios que se azedaram.
EU MIM MEU por Peter Doggett
Depois de meses de discórdia e torturantes negociações financeiras, os Beatles tinham finalmente voltado a seu habitat natural: os estúdios Abbey Road. Por sete dias no começo de Julho de 1969, eles tinham depositado confiança mútua e criatividade nata. Mais pro começo daquele ano, o grupo mal tinha conseguido ficar na presença um do outro. Agora eles estavam trabalhando harmoniosamente mais uma vez.
O idílio deles não duraria. No dia 9 de julho, dois personagens adicionais chegaram para desregular o delicado equilíbrio de poder entre eles. Do lado dos Beatles unidos, havia três, não quatro. E os intrusos eram ninguém menos do que John Lennon e sua esposa, Yoko Ono.
O casal tinha sofrido um acidente de carro na Escócia uma semana antes, e a Sra. Lennon mal tinha tido alta do hospital. A presença de Lennon iria retornar o grupo ostensivamente de volta à carga plena. Mas McCartney, Harrison e Starr não mais sabiam se Lennon era um camarada ou um quinto pilar trabalhando pra destruir o âmago artístico dos Beatles. Como o engenheiro de gravação do Abbey Road, Phil MacDonald disse a Mark Lewisohn, “Nós estávamos todos esperando que eles chegassem. Eles não sabiam em que condição John estaria. Havia, de fato, uma ‘tensão’ no ar: eles estavam quase com medo de Lennon, porque eles não sabiam como ele estaria. Eu senti que eles três tinham um pouco de medo dele.”
“Quando John finalmente chegou, foi um alívio, e o grupo se juntou muito bem,” acrescentou Mcdonald. Lennon, entretanto, não estava sozinho. Obviamente, sua esposa entrou no estúdio atrás dele – sobre rodas numa maca de hospital. Os outros Beatles assistiram, descrentes, a equipe médica instalar uma cama portátil no estúdio, e então delicadamente transferiram sua pequena paciente pra ela. Ela ficava deitada ali, como uma constante espectadora das sessões de gravação, pelas próximas semanas – quieta, apesar de Lennon ter insistido que um microfone devesse ser armado acima da cama dela, caso ela quisesse contribuir com algo.
Dezoito meses tinham separado o disco histórico de 1967 dos Beatles, "Sgt. Pepper" e seu sucessor duplo, o "White Album". Quando aquele projeto épico fora completado, a política interna do grupo estavam tão fragilizadas que McCartney sentiu que era vital para eles se embrenharem numa empreitada nova. Então os Beatles foram convencidos a passar o mês de janeiro de 1969 na frente de uma equipe de filmagens. Na teoria, as câmeras estavam documentando a criação do novo álbum e as preparações para o tão aguardado retorno do grupo às apresentações ao vivo. Ao invés disso, elas foram testemunhas silenciosas de uma sucessão deprimente de discussões e raros rompantes de composição musical. Ao fim daquele mês, não havia disco algum, nenhum show além de uma audível, porém ineficiente em termos de visibilidade sessão de meia hora no teto do quartel-general deles em Londres, e todas as chances de que os Beatles poderiam jamais trabalhar juntos de novo.
A perspectiva foi subvertida – apenas e pelo - renovado entusiasmo de Lennon pela coisa. Suas experiências com heroína tinham afundado as sessões de janeiro. Daí ele descobriu um homem que poderia, na concepção dele, resgatar a corporação financeira dos Beatles da bancarrota, e isso levou Lennon a acreditar que ele ainda poderia inserir vida para dentro do grupo. A chegada do executivo Allen Klein trouxe sua própria bagagem de problemas, mas eles só vieram à tona mais tarde.
Enquanto isso, Paul casou-se com sua namorada fotógrafa, Linda Eastman, e logo John e Yoko fizeram a mesma coisa, faltando ao casamento de cartório de McCartney ao casarem em Gibraltar e então encenarem um retiro em cima da cama pela paz mundial no (hotel) Hilton de Amsterdam. Era um sinal inicial de que Lennon agora podia conceber a vida além dos Beatles: nenhum deles foi convidado ou sequer informado de que a vigília na cama estava prestes a acontecer. Em público, pelo menos, Lennon estava feliz em manter o conto de fadas de que nada havia mudado. Os Beatles estavam mais criativos do que nunca. Tal como ele disse à publicação semanal de música pop ‘Disc’ em abril, “Se eu conseguisse tempo pra mim mesmo, creio eu, acho que poderia escrever cerca de 30 canções por dia. Paul também: ele está louco por isso. Tão breve eu saia daqui, eu vou até a casa do Paul e a gente vai sentar e trabalhar.” Era uma cena idílica, remanescente dois dias em que os dois adolescentes sentavam no quarto de Paul e cuspiam as letras de outra “canção original de Lennon-McCartney”, como eles costumavam chamá-las. De fato, os dois mal colaboraram em algo além de falta de orientação em 1969. Mas os fãs deles estavam ansiosos para acreditar que aquela parceria estava tão fértil como tinha sido em 1963.
O que é mais intrigante sobre a versão de Lennon do processo de composição deles em Abril de 1969 é a afirmação de que “Paul e eu estamos agora trabalhando num tipo de montagem de canção que podemos fazer numa faixa só dum lado do disco. A gente tem duas semanas pra acabar a coisa toda, então estamos realmente trabalhando nisso.” Chris Thomas, que foi deixado para produzir várias sessões de gravações dos Beatles em 1969 quando George Martin tinha outros compromissos, confirmou que Lennon e McCartney já estavam misturando os ingredientes para uma colagem musical quando o grupo retornou ao Abbey Road no meio de abril.
A declaração de Lennon levanta todos os tipos de dúvida. Pra começar, ela foi feita mais de duas semanas antes dos Beatles terem tentado gravar qualquer uma das canções que acabariam entrando no (disco) "Abbey Road". Além do mais, o contexto não era um novo disco, mas a dolorosa conclusão do disco que eles tinham começado em Janeiro. Isso levanta a possibilidade de algo híbrido entre "Let It Be" e "Abbey Road" – meio trilha sonora, meio criação de estúdio, uma tentativa desesperada de confirmar algo dito em frente às câmeras.
Ao invés disso, como todo fã dos Beatles sabe, a idéia do medley foi transferida para o álbum que eles estavam apenas começando. Mas aqui também a fala de Lennon levanta perguntas. Há um mito padrão de criação para "Abbey Road", que insiste que Lennon odiava a idéia de um medley, resistiu a ela durante as sessões, e concordou em completá-lo somente porque ele estava prestes a sair do grupo. O crédito (ou culpa) pela idéia é geralmente dado a McCartney, apesar de outro colaborador também sustentar sua própria versão, “A peça sinfônica no lado dois foi idéia minha,” disse George Martin para um jornalista. “E pra ser bem honesto, John não a aprovou.”
Mas bem antes do medley ter sido gravado, cá estava Lennon, alegremente bradando a idéia pro mundo sem nenhum pingo de desaprovação. Isso sugere uma teoria alternativa para a concepção de "Abbey Road" - a de que Lennon estava feliz em dividir o fardo criativo do álbum, e o medley com McCartney porque em abril, os dois ainda estavam em bons termos. Mas tal longamente mantida unidade seria logo despedaçada.
Por um tempo, os Beatles conseguiram se concentrar na música, com Lennon se concentrando em um hino de amor para sua esposa, "I Want You (She’s So Heavy)", McCartney satirizando os negócios do grupo em "You Never Give Me Your Money"; e Harrison pegando emprestado um verso de uma descoberta dos Beatles, James Taylor, para sua canção de amor, "Something". Lennon e McCartney, até cooperaram como um Beatles de dois membros para gravarem a autobiográfica "The Ballad of John and Yoko", e enfiaram as caras no single escrito por McCartney, "Get Back".
Dão o dinheiro, e quem o controlava, tomaram posse. Além da crescente discordância entre Klein e a sugestão de McCartney para ser empresário dos Beatles, seu sogro, Lee Eastman, outras áreas da corporação financeira do grupo caíram no caos. Uma envolvia a NEMS, a empresa de Brian Epstein, que supostamente ainda deveria estar controlando os interesses da banda; a outra, afetando Lennon e McCartney em particular, dizia respeito a seu empresário de direitos de publicação, Dick James, que tinha vendido suas cotas da empresa que eles possuíam em conjunto, a Northern Songs. Ambos os fronts de batalha consumiram uma enorme quantidade de energia dos Beatles, acabou com o ânimo do grupo, e inevitavelmente trouxeram Klein e Eastman a um desentendimento violento. Lennon e Ono ainda arrumaram tempo pra uma segunda vigília na cama, em Montreal, mas entre maio e julho os Beatles existiram somente na forma de um peão na medição de forças corporativa.
Depois desse hiato criativo, os Beatles estavam marcados para voltar ao Abbey Road no dia 2 de julho de 1969, na manhã seguinte após um almoço comemorativo para o lançamento do primeiro single solo de Lennon, "Give Peace a Chance". McCartney entrou sorrateiramente no estúdio 24 horas antes, de modo que ele pudesse gravar a voz para "You Never Give Me Your Money", talvez se dando conta de que talvez fosse mais fácil concentrar-se nessa resposta às agruras financeiras do grupo se seus companheiros dos Beatles não estivessem lá pra discutir com ele.
Enquanto isso, Lennon, Ono e seus respectivos filhos, Julian e Kyoko, estavam andando de carro pela Escócia. Lennon, sempre um motorista nervoso, tirou os olhos da estrada por um segundo, e mandou o carro deles num barranco. A família teve sorte em sobreviver; todos os quatro passageiros foram feridos na batida – cortes, hematomas, concussões leves e choque – e os ferimentos nas costas de Yoko Ono exigiam uma semana de internação. A festa de "Give Peace a Chance" continuou sem eles, assim como os próximos sete dias de sessões de gravação dos Beatles.
McCartney, Harrison e Starr rapidamente descobriram que sem Lennon, ou sua esposa onipresente, eles poderiam criar música rapidamente e sem discussão. McCartney gravou seu breve fraseado de guitarra em "Her Majesty" para a posterioridade, e conduziu a versão de três homens dos Beatles ao longo de um medley de "Golden Slumbers" e "Carry That Weight". Esse último pegava emprestada a melodia de "You Never Give Me Your Money", e então devidamente confinado na função de responsabilidade dentro da dupla Lennon-McCartney nessa conjunção, McCartney cantou eficazmente para si próprio: “Cara, você vai carregar esse fardo por muito tempo” (Boy, you’re gonna carry that weight for a long time).
George Harrison, enquanto isso, tinha respondido aos problemas financeiros dos Beatles de maneira diferente: “Durante aquele tempo nós tínhamos todas essas reuniões,” ele disse a BBC à ocasião do lançamento de "Abbey Road", “eu costumava ter essas horríveis dores de cabeça, apenas de sentar lá, ouvindo todo aquele lixo. Então um dia eu fiquei de fora, meio que matando aula, e fui à casa de Eric Clapton ao invés disso, porque é agradável, com árvores e tal. Era obviamente uma fuga da tensão que tinha se acumulado. Eu peguei uma guitarra pela primeira vez em semanas, porque eu tinha estado tão ocupado – e a primeira coisa que saiu foi 'Here Comes The Sun'.”
A canção foi escrita em volta de uma variação de um acorde D maior e traduzida em algo universal, transcendendo profundamente as circunstâncias de sua concepção. A canção também permitiu a Harrison experimentar com seu recém-adquirido sintetizador Môo, um dos primeiros a cruzarem o Atlântico. Levou aos Beatles horas de trabalho para criar até o mais básico dos ruídos provenientes desse monstro tecnológico, mas os resultados – um suave sopro eletrônico de som – acrescentaram à atmosfera etérea da canção.
Por si próprios então, Paul, George e Ringo tinham se saído bem em fazer progresso real. Mas tudo aquilo terminou abruptamente quando Lennon e Ono retornaram à cena. Dessa vez, a culpa não foi deles. Tenha sido por acidente ou de propósito – talvez ele estivesse subconscientemente punindo Lennon pro sua deserção – McCartney celebrou a reunião anunciando que estava na hora de gravar "Maxwell’s Silver Hammer". A canção tinha sido tentada a princípio durante as sessões de janeiro de 1969, onde levantou animosidade tanto quanto qualquer outra coisa naquele período. Em julho de 1969, entretanto, era como acenar um pano vermelho para um bando de touros.
Agindo como relações públicas do grupo três meses mais tarde, Harrison fez o melhor de si para se manter entusiasmado: "É uma daquelas músicas às quais você assobia instantaneamente que algumas pessoas vão odiar, e outras vão amar.” Mas nem ele nem Lennon suportavam a canção. “Eu a odeio,” disse Lennon em 1980, “porque tudo que eu consigo lembrar é que a faixa que Paul nos forçou a fazer cem milhões de vezes. Ele fez tudo para lançá-la como single, e ela nunca foi. Gastamos mais dinheiro naquela música do que em qualquer outra naquele disco inteiro.” Pelos dias seguintes, os outros Beatles se esforçaram ressentidamente através de dúzias de takes de "Maxwell’s Silver Hammer". Se fosse pro grupo implodir antes que o álbum fosse completado, seria agora. Ao contrário, Lennon limitou-se a comentários sarcásticos e concordou em perseverar até que a faixa fosse terminada para a satisfação de McCartney.
Com essa arenga resolvida, Lennon ausentou-se do estúdio enquanto mais trabalho era feito em "Something" e "Here Comes The Sun". A envolvente Octopus’s Garden era território mais seguro, e o grupo efetivamente a terminou em uma única sessão, tal como nos velhos tempos. Daí, no dia 21 de julho, finalmente tinha chegado a hora de Lennon se agitar e oferecer uma contribuição própria – a canção que seria escolhida, junto com "Something", para um single no decorrer daquele ano. Ele tinha sido comissionado a escrever um hino para uma campanha política nos EUA encabeçada pelo guru lisérgico Timothy Leary, sob o slogan "Come Together". Ao invés disso, Lennon humoradamente emprestou a frase e usou-a como gancho de um petardo, sua última grande canção com os Beatles.
Ele estava muito menos orgulhoso dos fragmentos que ele tinha doado para o medley destinado para o lado 2 do disco, mas McCartney compensou com a beleza simples de "The End", resumindo a eterna mensagem do grupo em uma única linha: "And in the end, the love you make is equal to the love you take” (E no fim, o amor que você faz é do mesmo tamanho que o amor que você recebe). Isso também forneceu a oportunidade final para Lennon, McCartney e Harrison apreciassem seus status de membros dos Beatles, trocando licks de guitarra como os adolescentes competitivos que tinham começado a banda uma década antes.
Uma vez que "Abbey Road" estava completo, todavia, tudo desabou. Tendo sido fotografados atravessando a rua fora do estúdio para a capa do álbum, os quatro Beatles juntaram-se pela última vez, para outra sessão de fotos na casa de Lennon. Logo depois, ele foi convidado a comparecer a um festival de rock em Toronto, não com os Beatles, mas com a Plastic Ono Band, e durante sua árdua preparação ele deixou escapar pra Klein que ele não se considerava mais como sendo dos Fab Four.
Klein persuadiu-o a manter-se em silêncio por tempo suficiente para mais um lucrativo contrato de gravação a ser assinado na semana seguinte, mas a resolução de Lennon não se aplacou. Quando McCartney sugeriu que o grupo deveria se apresentar em shows não-anunciados em casas noturnas ao redor do país, primeiro Lennon disse que ele – McCartney - estava louco, e daí então soltou a bomba: ele estava saindo dos Beatles.
Uma vez que eles estabeleceram que ele não ia sair abrindo a boca por aí, seus camaradas tentaram se recuperar do choque. Harrison e Starr convenceram-se de que Lennon logo mudaria de idéia, mas McCartney confinou-se para lamber suas feridas em sua fazenda escocesa. Sua voz estava tão notavelmente ausente quando os outros Beatles desempenhavam as funções de RP para "Abbey Road" – tão ausentes, de fato, que o DJ americano Russel Gibb foi inspirado a transmitir um boato de que Paul estava morto. Dúzias de ‘pistas’ foram montadas para ‘provar’ tal teoria, e quanto mais a organização responsável pelos Beatles insistia que isso era falso, mais difícil de acreditar ela parecia ser. A história logo varreu as ondas de rádio dos EUA como um relâmpago. Eventualmente um fotógrafo da revista Life encontrou McCartney e a foto resultante disso foi considerada notável o suficiente pra sair na capa de novembro da revista.
Enquanto isso, Lennon e Harrison faziam seu papel de vendedores dos Beatles. Enquanto Lennon admitiu que sempre houve a possibilidade que cada álbum deles poderia ser o último, e revelou que “metade das faixas dos Beatles em Abbey Road não têm eu nelas”, Harrison continuou a acreditar que a presente tempestade logo passaria. Ele revelou que tinha um vasto acervo de canções que ele precisaria de um disco solo para aliviar a pressão, mas ao mesmo tempo ele parecia ter ganhado a garantia de seus colegas de banda de que “nós vamos trabalhar em algo de direitos iguais de modo que tenhamos o mesmo número de canções que o outro no próximo álbum”.
A reação a "Abbey Road" foi quase que universalmente positiva. O crítico do (jornal inglês) The Times reconheceu que o disco “era repleto de inovação musical”, e destacou “a notável e muito excitante” colagem que preencheu a maioria do segundo lado. Assim como John Mendelsohn da (revista americana) Rolling Stone concluiu, o fato de que “os Beatles podem unificar fragmentos musicais aparentemente incontáveis e floreios líricos em uma peça uniformemente maravilhosa, tal como eles fizeram no Lado Dois, parece um testemunho potente de que, eles estão longe de terem dado o que tinham que dar, e não, eles não pararam de tentar.” O ponto de vista de Mendelsohn não recebeu permissão para ser impresso por méritos próprios. Sua resenha só foi ao prelo porque o crítico originalmente designado para a tarefa de analisar "Abbey Road", Ed Ward, tinha dado um veredito esmagador; e o editor da Rolling Stone, Jann Wenner, nunca gostou de ver suas preferências musicais atacadas em sua revista. Ward queixou-se de que “o Lado Dois é um desastre”, "Something" “é tão povão que eu tenho certeza de que será coverizada por de 8 a 10 artistas no mês que vem”, e que o álbum como um todo “não traça uma linha tênue entre chatice, ‘Beatle-ice’ e goma de mascar”. Ward concluiu: “Certamente eles devem ter talento e inteligência o suficientes para fazer algo melhor que isso. Ou não?”
Era uma pergunta destinada a não ser respondida. Lennon fez um breve gesto de reconciliação ao sugerir aos outros Beatles que eles podiam gravar seu sombrio relato sobre a abstinência da heroína, "Cold Turkey". Quando McCartney recusou-se, um segundo single da Plastic Ono Band nasceu. McCartney, nesse meio tempo, estava ficando na cama – por motivo de luto pelo que ele havia perdido, não pela paz mundial – e curando suas feridas com álcool, de acordo com ele próprio. Quando ele emergiu dessa névoa emocional e artística, ele instalou um gravador simples de quatro canais na sede de sua fazenda e lentamente começou a montar canções para o primeiro autêntico disco solo de um membro dos Beatles.
Informes regulares da (gravadora) Apple sobre o destino do filme e do disco de janeiro de 1969 – originalmente intitulados "Get Back", agora "Let It Be" devido a uma balada de McCartney que Aretha Franklin estava prestes a revelar para o mundo – reassegurou aos fãs de que o planeta Beatles ainda estava girando. No começo de janeiro de 1970, Allen Klein sugeriu que o grupo deveria gravar uma master de estúdio da canção de Harrison, "I Me Mine", uma vez que uma versão de ensaio da mesma estaria no filme. Três Beatles se juntaram por uma última vez no Abbey Road, e mandaram um convite pro quarto. Mas dessa vez Lennon optou por não atender ao chamado: ele não mais se sentia como um Beatle, e logo não haveria mais Beatles dos quais fazer parte.
"I Me Mine" foi o epitáfio do grupo – um penoso resumo de tudo que tinha acontecido em 1969, o ano em que o quarteto que tinha revolucionado a música popular desapaixonou-se um pelo outro, e com sua identidade corporativa.
"You Never Give Me Your Money, Peter Doggett’s history of the break-up and curious afterlife of The Beatles", ainda sem título em português, será lançado no Reino Unido pela editora The Bodley Head em 2010.
Fonte desta matéria: MoJo Classic Volume 2
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