Postado por Lucas Francis Ong
De qualquer forma, o que eu ilustro é outro contato com a música, um contato muito mais cuidadoso, mais detalhista, onde nada escapa, e tudo pode ser utilizado. Era possível, muitas vezes, ter um álbum, enquanto expectativa, fantasia, sem ao menos tê-lo materialmente.
E ao ouvir a música, este mesmo cuidado permanecia. Nada escapava, e podia-se ouvir uma mesma música inúmeras vezes sem se cansar. Ainda mais após uma grande expectativa. A pouca disponibilidade e dificuldade de se adquirir novos álbuns e de se conhecer novas bandas, de certo modo, trazia uma vantagem, que era a alta valorização do que se fazia disponível. Cada informação do álbum, sua história, suas nuances, seus detalhes, seus erros, tudo era significativo e gerava interesse. E entre um lançamento e outro, havia um tempo livre fértil, que possibilitava este debruçar-se sobre a música de um modo demorado, interessado, e não apressado. E é neste cuidado diferencial que há a possibilidade do rock progressivo ser compreendido – e apreciado.
Quem gosta de rock progressivo não deve ter pressa. É uma música que ultrapassa a si mesma. Ela começa antes de começar e termina além de si. E é exatamente isto que a caracteriza como progressiva, e que os devotos apreciam. É uma música que não vai direto ao ponto, que não visa o fim, mas o meio, o caminho. O fechamento é um mero detalhe, se não nos atentarmos e apreciarmos tudo o que o precede. E geralmente é muita coisa. E não é a toa que geralmente temos músicas com longa duração, ou então uma música dividida em diversas faixas, tornando o álbum mais comercial e possibilitando um manuseio mais prático.
Com isto podemos responder à pergunta inicial: o rock progressivo passa a fazer parte da cena underground. Quem tem tempo de ouvir uma suíte de mais de 25min de modo distanciado e apressado? Mais fácil recorrer ao apelo pop de músicas rápidas, uniformes, e em geral com 3min de duração. A crise não é da música, mas chega a ela de modo arrebatador, e parece englobar todas as esferas da vida humana: o consumo de informações, o modo de educar, as relações humanas... e o contato com a música não é diferente. Vivemos numa avidez por músicas novas, por novos grupos, por novas bandas, por novos conceitos, e após descobrirmos, voltamos à busca sem o mínimo cuidado em explorar o recém-descoberto. O novo torna-se obsoleto rapidamente. Não é preciso conhecê-lo, basta descobri-lo. O descobrir implica conhecer? Talvez. Mas é um conhecer fugaz, distanciado, superficial. O meio, o caminho, é um mero detalhe dispensável. O fim que é o importante. Atualmente medimos a qualidade de algo por sua funcionalidade. E não podemos negar que uma música de 3min funciona melhor do que uma de 15min, considerando que o que é visado é o consumo, um cuidado quantitativo, e não um conhecer cuidadoso que apreende as nuances e os detalhes. Na geração do MP3, cada vez mais pessoas tem dificuldade de ouvir uma música inteira. O rock progressivo torna-se incompatível com a rapidez do mundo moderno.
Twenty first century schizoid man”
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