18 de dezembro de 2010

Hard Rock - Aqueles que ficaram para trás - Parte 11


Atualmente, seja com conjuntos se apegando às raízes do gênero ou fazendo uso de arranjos mais modernos, o certo é que o Hard Rock vem ressurgindo lentamente, principalmente na velha Europa. Então nada melhor do que relembrar (ou conhecer) algumas das bandas que soltaram bons discos na melhor fase comercial para o estilo: os anos 80 e início da década seguinte.

Icon
Icon
(1984 - Capitol Records)

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O debut do Icon é um trabalho que resistiu ao tempo e se tornou bastante lembrado por todos os que curtem Hard Rock, seja da velha ou nova geração, sendo um dos grupos mais pedidos para constar nesta série.
Este quinteto norte-americano formado por Stephen Clifford (voz), David Michael-Philips (guitarra), Dan Wexler (guitarra), Tracy Wallach (baixo) e John Covington (bateria) vêm de Phoenix, Arizona, e chamava-se inicialmente The Schoolboys. A banda foi descoberta por Mike Varney da Shrapnel Records, que produziu seu primeiro EP batizado de “Singin, Shoutin” (80). Detalhe: a canção “Meanstreet Machine” foi incluída posteriormente no álbum “III” (88), do King Kobra.
Mike Varney também chegou a produzir todo o próximo álbum da banda, com a intenção de lançá-lo novamente pela Shrapnel. Mas o Schoolboys já vinha tocando pelo circuito de clubes de sua região e dando o que falar com suas novas canções. Os comentários positivos chegaram aos ouvidos de inúmeras gravadoras e, numa destas apresentações os olheiros da Capitol Records apenas confirmaram o óbvio: o grupo era excelente.
Oras, nem se pensou duas vezes... Entre ficar com um pequeno selo e uma grande gravadora, o Schoolboys deixou a Shrapnel a ver navios, migrando para a Capitol Records e assumindo definitivamente o nome Icon ao fechar o contrato. E assim foi liberado em 1984 este debut auto-intitulado, tendo dois novos músicos: Pat Dixon na bateria e John Aquilino, que assumiu as guitarras de Michael-Philips.
Este álbum era muito mais pesado do que os lançados pelas bandas que estavam em evidência na época – Ratt e Mötley Crüe – onde a potente voz de Clifford e um instrumental com a saturação do Heavy Metal mesclados a Hard Rock impuseram respeito entre público e boa parte da crítica com pesos-pesados do porte de “(Rock On) Through The Night”, “Killer Machine”, “On Your Feet” e “Under My Gun”.
No começo dos anos 80 praticamente não existiam selos especializados em rock pesado que fossem realmente influentes. Todos os grupos ansiavam em assinar com as grandes gravadoras, o que lhes possibilitava as melhores condições de distribuição, divulgação, shows, etc. Mas, além destes aspectos positivos, estas mesmas gravadoras faziam o que queriam com as bandas que estavam em seu cast, pressionando para se modificar tanto o aspecto visual quanto o musical. E foi isso o que acabou acontecendo com o segundo disco do Icon.
“Night Of Crime” saiu em 1985 é um verdadeiro acidente de percurso, nem parecia a mesma banda tocando. A produção de Eddie Krammer está magnífica, mas as canções haviam perdido todo o peso; a densidade e o nervosismo de outrora se dissiparam. Tudo estava muito mais acessível, beirando o pop em várias ocasiões e seu repertório trazia muitas faixas apenas razoáveis e a realmente medíocre “Rock My Radio”. O disco até teve alguma aceitação na Europa, mas o público norte-americano realmente o ignorou.
Na realidade, alguns sérios problemas começaram antes mesmo de o álbum ser lançado. Mesmo cantando, Stephen Clifford resolveu assumir seu lado cristão de vez e abandonou tudo durante a mixagem, e o Icon teve que excursionar com outro vocalista. John Aquilino também caiu fora cerca de um ano depois e foi substituído por Kevin Stoller, e, como a distorção das guitarras já não era mais prioridade, o Icon também abriu espaço para os teclados. Era uma etapa realmente confusa, mas Wallach, Wexler e Dixon foram em frente recrutando o bom vocalista Jerry Harrison e o guitarrista Drew Bollmann.
Com novas composições que não encontravam uma gravadora – ou o leitor achou que a Capitol iria apoiá-los para sempre? – saem tocando por todo e qualquer espaço que aparecia, e sua insistência gerou frutos, pois foram contratados pela Megaforce. Neste esquema o Icon entra em estúdio para gravar "Right Between The Eyes”, lançado somente em 1989 e com músicas bem mais definidas como Hard Rock que o duvidoso “Night Of The Crime”. Além de apresentar grandes guitarras e o novo estilo vocal de Harrison ter encontrado apoio em muitos dos fãs que ainda acreditavam na banda, este disco trazia como convidado especial ALICE COOPER, que cantou em “Two For The Road” e “Holy Man's War”.
Neste mesmo ano o Icon parte como banda de abertura do BON JOVI e Skid Row, até que Pat Dixon, depois de tanto tempo no conjunto, resolve abandonar as baquetas, sendo substituído por David Lauser (ex-Sammy Hagar). Em 91 abrem para o King´s X e tocam em algumas apresentações com o Ace Frehley na Inglaterra.
Mas as dificuldades continuam a perseguir o Icon, pois novamente ficam sem gravadora e seu próximo trabalho, “(An Even) More Perfect Union”, acabou por ser uma produção independente lançada inicialmente em fita cassete mesmo, com apenas 10 canções. Posteriormente saiu uma versão em CD em edição limitada, com o repertório completo. Nestas condições e sem perspectivas, o Icon quebra de vez, com seus músicos partindo para outros projetos, como o Tomcats e Harlequin, que não deram em nada. A parceria deALICE COOPER com o Dan Wexler continuou, pois o guitarrista escreveu quatro das composições do conceitual “Last Temptation” (94) e ainda tocou em “Lost In América” no álbum “Fistful Of Alice” (97).

Vain
No Respect
(1989 - Island Records)

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Como tantos outros, o Vain foi mais um dos grupos com muita garra que foram devidamente esmigalhados pelo descaso das gravadoras... Sua história começa na Bay Area de San Francisco no ano de 1985, tendo em sua formação Davy Vain (voz), Jamie "Rose" Scott (guitarra), Danny West (guitarra), Ashley Mitchell (baixo) e Tom Rickard (bateria). Tocavam pelos bares de sua região abrindo para o Poison e Guns n´Roses e formaram uma fiel base de fãs somente com a distribuição de fitas-demo, conquistando tal respeito que apareceram até mesmo na conceituada Revista Kerrang em longa entrevista de seis páginas, além de inúmeros outros artigos sobre a banda. Isso bem antes de gravarem seu primeiro álbum!
Somente em setembro de 1989 é que estréiam com "No Respect” pela gravadora Island. O álbum foi gravado na capital canadense e produzido por Paul Nortfield (Rush e Queensrche), apresentando o clássico Hard Rock norte-americano, onde Davy Vain mostrava muito domínio em suas composições totalmente adeptas do Glam, mas sem abrir mão daquela sempre bem-vinda distorção infame.
O repertório arrancou ótimas resenhas na mídia especializada e canções como "Secrets", "Beat The Bullet", "Aces", "Icy" e a excelente faixa-título são verdadeiras pérolas em sua proposta. Para promover este trabalho, a banda partiu para a Inglaterra tendo como companheiros o SKID ROW e depois de alguns meses deram um giro pelo Japão como atração principal.
Em 1991 começam a trabalhar no próximo registro, "All Those Strangers", mas este foi devidamente rejeitado pela Island. A versão 'pirata' possui qualidade e teve boa procura, mas muitos dos fãs ainda têm esperança de vê-lo lançado oficialmente. Como a situação estava um tanto quanto incerta, alguns meses depois Danny West e Tom Rickard deixam o grupo, sendo respectivamente substituídos pelo guitarrista Shawn Rorie e o ex-Guns n´Roses Steven Adler na bateria.
Como era uma fase de mudanças, tomam a questionável decisão de alterar também o nome da banda para Roadcrew, se concentrando então em tocar e apresentar as novas canções para qualquer gravadora que aparecesse. O problema é que as gravadoras se interessaram pelo chamariz que o ex-Guns Adler representava, mas também estavam receosas em assinar com o novo grupo pelo simples fato de o mesmo Steven Adler estar queimado no meio rock n'roll por causa de sua conhecida dependência química. Então nada aconteceu.
Restou a Davy juntar os pedaços do passado... Danny West voltou ao grupo, que novamente passou a se chamar Vain, e com a inclusão do novo baterista Danny Fury começam a gravar seu terceiro álbum, "Move On It". Este registro foi lançado inicialmente somente em terras nipônicas em 1993 através da gravadora Polystar Records, trazendo três faixas do Roadcrew com Steven e Shawn. Somente um ano depois é que foi disponibilizado para a Europa, demorando mais ainda para chegar a seu país natal.
Em 1995 realizam seu quarto álbum, "Fade", novamente pela Polystar do Japão, para posteriormente ser liberado para os EUA e Europa. Este registro tem como únicos músicos da formação inicial Davy e Ashley, além do baterista Louie Senor. Inclusive este mesmo trio deu forma ao projeto Dragonfly e estava tocando por San Francisco até alguns anos atrás, mesmo não tendo gravado nenhum disco. Quanto ao Vain, as últimas notícias são de que tocaram por alguns países europeus em 2005, e o próprio Davy voltou aos estúdios para preparar um novo álbum, já batizado como "On The Line", mas sem previsão de lançamento.
Finalizando – e mostrando como os atritos entre estilos musicais geralmente ficam limitados aos fãs mesmo – vale mencionar que o colorido Davy Vain produziu dois grandes álbuns do Thrash Metal Bay Area: "The Ultra-Violence" (87) e "Frolic Through The Park" (88), de ninguém menos que o monstro Death Angel...

Dare
Out Of The Silence
(1988 - A&M Records)

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Vindo de Manchester, Inglaterra, o Dare foi um projeto encabeçado por Darren Wharton. Este músico ficou mundialmente conhecido quando foi convidado por Phil Lynott para unir-se ao lendário Thin Lizzy, onde tocou os teclados de “Renegade” (81) e “Thunder And Lightning” (82). O Thin Lizzy, como todos sabem, estava numa situação cada vez mais insustentável causada pelas más finanças, drogas, bebidas e tudo mais o que se puder imaginar, e encerrou sua carreira em 1984.
Assim sendo, em 1986 Wharton resolve montar o Dare, onde assumiria as vozes ao lado de Vinny Burns (guitarra), Shelley (baixo), Brian Cox (teclados) e James Ross (bateria). Naturalmente que o currículo de Darren Wharton era inquestionável por ter participado do Thin Lizzy, então, depois de tocar por algum tempo nos clubes ingleses, o Dare consegue assinar contrato com a A&M Records.
Em 1988 estréiam com o que muitos consideram como um clássico do Hard Rock melódico: “Out Of The Silence”. Seu AOR é repleto de climas épicos, onde a expressiva voz de Darren Wharton e as incríveis guitarras do ótimo Vinny Burns se completam perfeitamente, merecendo todos os méritos que este álbum recebeu na época de seu lançamento.
A crítica européia não poupa elogios à banda e “Out Of The Silence” tem uma recepção especialmente calorosa na Suécia. Assim sendo, o Dare começa a abrir as apresentações de Jimmy Page, EUROPE e Gary Moore. Em 1991 chega ao público “Blood From Stone”, que, quem diria, não trazia toda a pompa que foi tão aclamada no disco anterior. E para ajudar, estava começando o período em que o grunge estava assumindo o trono do rock´n´roll.
A junção destes fatores culminou em vendas bem aquém do esperado e, o pior, o conjunto encerra suas atividades precocemente. Para ser exato, seus músicos debandaram para outros projetos no mesmo ano do lançamento deste segundo álbum. Mas o término deste grupo deu origem a outro ainda melhor, quando em 1995 o guitarrista Vinny Burns e o vocalista Gary Hughes montam uma das mais importantes bandas inglesas do gênero da década de 90, o Ten. Mas isso já é outra história...
Quanto ao Dare, Darren Wharton só deu um real sinal de vida em 1998, com o disco “Calm Before The Storm” (que só pode ser uma alusão ao clássico “Out Of The Silence”), lançado pela MTM Music. Esta nova fase trazia os guitarristas Richard Dews e Andy Moore, além do baixista Martin Wilding, posteriormente substituído por Brian Drawbridge. A formação se completava com Simon Gardner nos teclados e Julian Gardner na bateria. O perfeccionismo de Wharton é louvável, mas muito dos créditos deste disco vão para Richard Dews que, além do ótimo trabalho na guitarra, é co-autor de várias das composições.
Em 1999 Wharton teve a oportunidade de se apresentar com o novo Thin Lizzy, cuja atuação ficou registrada no CD ao vivo “One Night Only”. Dois anos depois o Dare retorna com “Belief”, que continuava pelos caminhos do Hard Rock repleto de melodias, tocando como atração principal na Europa ao lado de Wicked Sensation e Dreamtide.
Em 2004 vem aquele que é considerado seu trabalho mais irregular depois do retorno da banda, “Beneath The Shining Water”. Mas isso não contou muito, pois neste mesmo ano o Dare filma em Munich, Alemanha, sua participação no evento ao ar livre “Deep Impact”, que é exibido no DVD “Power Of Nature” (05).

Giant
Time To Burn
(1991 - Epic Records)

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Grande Giant! Esta excelente banda vem da cidade norte-americana de Nashville e tem como mentor o vocalista e guitarrista Dann Huff, que começou tocando nos anos 80 na banda cristã White Heart. Este projeto inicial não deu em nada, tanto que, para sobreviver como músico, Huff passou a trabalhar em estúdio mesmo, participando de músicas dos mais variados artistas, como Michael Jackson, Bob Seger, Madonna e Whitesnake, no clássico "1987" (apesar de não haver menção alguma a seu nome no encarte deste álbum).
Mas, cansado de tocar para os outros, em 1987 Dann decide tentar a sorte com outra banda. Junto com seu irmão e baterista David (também ex-White Heart), Mike Brignardello (baixo) e o conceituado tecladista Alan Pasqua (que já havia emprestado seus talentos a nomes ligados ao jazz e rock como Rick Springfield, Santana, Allan Holdsworth, Bob Dylan, etc), têm início o Giant, que assina rapidamente com a gravadora A&M Records e libera "Last Of The Runaways" em 1989.
Gravado na Inglaterra e contando com a participação do vocalista Lea Hart (Fastway), este disco trazia aquele Hard Rock clássico e extremamente melódico, chegando ao Top 20 das paradas com a canção "I'll See You In My Dreams". Tocaram pelo EUA e Grã Bretanha, mas como as vendas estavam acontecendo vagarosamente, acabaram sendo devidamente dispensados da gravadora.
Dois anos depois, agora pela Epic, lançam o excelente "Time To Burn". As incríveis melodias de seu debut agora estavam muito mais pesadas e, mesmo com boa influência de VAN HALEN, seus arranjos traziam a classe tão característica das bandas européias, e o resultado até mesmo tinha lá suas distinções. A incrível performance técnica de seus músicos e arranjos algumas vezes inesperados, saindo de um ritmo mais swingado para cair numa distorção interessantíssima, gerou ótimas canções como “Thunder And Lightning”, “Chained”, “Smoulder” e a ótima faixa-título.
Mas Alan Pasqua já não vinha conseguindo conciliar sua vida familiar com os compromissos do Giant e, como a banda vinha dando mais prioridade às guitarras, o tecladista decidiu abandonar seu posto. Esta perda não influenciou no que viria a seguir, pois a banda novamente excursiona pelo seu país e Europa, mas, mesmo com "Time To Burn" apresentando um Hard Rock muito bem estruturado e de alta qualidade, não é bem sucedido a nível comercial.
A banda se dissolveu e Dann Huff, já há tempos como um conceituado músico de estúdio em sua cidade, voltou a trabalhar nesta área, gravando ao longo dos anos trabalhos de Barbra Streisand, Celine Dion, Michael Bolton, Donna Summer, Rod Stewart e, mais conhecido entre os leitores, produzindo em 1997 "Cryptic Writings", do MEGADETH, que inclusive lhe valeu uma concessão ao Grammy como produtor na categoria “Rock”.
O Giant ensaiou um retorno em 2000, através do próprio David, que recebeu um convite do selo europeu de Hard Rock/AOR Frontiers Records. O convite foi aceito e assim é disponibilizado o disco "III" no ano seguinte, seguindo a mesma linha dos trabalhos anteriores e, desde então, o Giant não mostrou mais as caras. De qualquer forma, se "Time To Burn" fosse liberado alguns poucos anos antes, quando o estilo estava no auge, podem ter a certeza de que encontraria um público adequado.

Briar
Too Youg
(1986 - Heavy Metal Records)

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O Briar é mais uma destas bandas inglesas cujos vários registros ficaram limitados ao underground mesmo. Começou a tocar bem cedo na conhecida Birmingham, amigos de colégio ainda, isso no ano de 1979. O conjunto inicialmente era composto por Kevin Griffiths (voz e guitarra), Rogers (guitarra), David Tattum (baixo) e Dean Cook (bateria), mas três anos depois Darren Underwood e Dave Fletcher assumiram as guitarras e Kevin passou a dividir a função de vocalista e baixista.
Neste mesmo ano, 1982 – em plena era do NWOBHM, onde inúmeras bandas surgiram e terminaram sem ao menos deixar um álbum para a história – o Briar estreou com um vinil de 7”, cuja repercussão surpreendeu, pois todos ficaram admirados ao escutar com que garra aqueles “garotos” tocavam. Além de boas resenhas, tiveram o privilégio de tocar ao vivo na rádio BBC, onde foram tão bem que acabaram indo repetir a façanha no programa de televisão "The Oxford Roadshow", da própria BBC.
Esta divulgação toda só poderia fazer com que o Briar fosse conseguindo espaço em clubes de Londres cada vez maiores e vencendo as sempre saudáveis competições entre bandas, inclusive recebendo o título de "The Hottest Band In Town". Paralelo a isso, o quarteto vai disponibilizando uma série de EPs e fitas-cassete até que em 1985 assinam com o selo Heavy Metal Records.
Assim sendo, liberam seu primeiro disco, conscientemente batizado de “Too Young”, repleto de composições caprichadas que mais uma vez mostram toda a força do grupo. Seu Hard Rock apresentava algumas compreensíveis referências do Heavy Metal que fervilhava pela Inglaterra, em especial na excelente canção “Through The Night”, mas no geral eram bem influenciados por Thin Lizzy e algo de Def Leppard, com ótimos refrões e guitarras bem sacadas, como em “One More Chance”, na pegajosa “Too Young”, “Phone Me” e “Send Me A Line”.
Tocam com as mais variadas bandas como Tygers Of Pantang, Statetrooper, Eddie & The Hot Rods e ainda Angel Witch, e seguem liberando inúmeros singles, onde se percebia que o Briar ia tornando suas composições cada vez mais acessíveis, o que ficou ainda mais evidente com seu segundo álbum, “Crown Of Thorns”, de 1987.
Por mais que fossem bem aceitos em sua região, não conseguiam atingir novos países e nem mesmo outros pontos da própria Inglaterra. E o que começou de maneira tão forte passa a perder a consistência pelo desânimo que começou a se abater sobre seus músicos... Em 1989 até colocaram no mercado o single “Gimme All You Got”, que visava resgatar a sonoridade tão carismática de seu debut, mas nada aconteceu, infelizmente. Dave Fletcher é o primeiro a sair, seguido por Darren Underwood.
Em 1992 a formação do Briar havia se alterado radicalmente. Dos áureos tempos sobraram somente Kevin (que optou tocar somente contrabaixo) e o baterista Dean Cook. Agora havia um vocalista principal, Kevin Billington, o guitarrista Mark Carleton e um tecladista chamado Jez Prosser. Obviamente que esta modificação toda afetaria sua música – que agora estava soando como um BON JOVI – tanto que as novas canções encontraram espaço somente nas extintas fitas-cassete, nunca chegando a ser registradas em vinil ou CD. Nem é preciso dizer que o Briar não sobreviveu por mais de um ano depois disso...

Stealin' Horses
Stealin' Horses
(1985 - Arista Records)

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Bom, o Stealin´Horses não pode ser enquadrado literalmente no termo Hard Rock. Isso iria limitar em muito seu rock´n´roll... Tudo começou em Lexington, Kentucky (EUA), quando lá pelos meados de 1983 a vocalista e guitarrista Kiya Heartwood e sua amiga baterista Kopana Terry montaram um projeto chamado Radio Cafe e começaram a tocar profissionalmente em clubes e eventos de sua região.
Suas apresentações se limitavam somente aos finais de semana, e mesmo assim sua música tinha um bom público. Empolgadas com os resultados, cogitam a hipótese de viver da música em tempo integral, mas, com exceção das duas amigas, os outros músicos declinaram o convite. Com a paixão pela música falando mais alto, Kiya e Kopana não se deixam abater e se mudam para Nashville, batizando o embrião de sua nova banda como Stealin' Horses, que é o nome de um ritual indígena norte-americano e encaixa-se muito bem em sua proposta musical.
Já devidamente organizadas em sua nova cidade, a dupla só pensa em seu primeiro álbum e começam a gravar as primeiras composições no Castle Studios, que inclusive arranjou uma série de apresentações como chamariz para as gravadoras. E não deu outra, rapidamente conseguem assinar com a Arista Records. Curiosamente, as canções não entusiasmaram tanto os engravatados da Arista, mas estes perceberam o potencial bruto das meninas e as despachou para um estúdio de Los Angeles, aos cuidados do produtor Greg Ladanyi.
São inúmeros os músicos contratados para as gravações, como os conceituados guitarristas Steve Lukather e Waddy Wachtel, o tecladista Jai Winding e, vejam só, até mesmo Neil Young toca gaita em várias canções como um convidado mais do que especial. O disco é auto-intitulado e a palavra que o resume é sensibilidade. Não espere encontrar excesso de distorção ou músicos com as tendências andróginas tão em voga nos anos 80. Tudo aqui é voltado para o hard´n´roll acessível e introspectivo, mas cujas estruturas passam longe da música pop tradicionalmente descartável.
O disco chega às lojas em 1985 e é aclamado pela crítica de sua região. O Stealin' Horses contrata o guitarrista Brian Bonham e o baixista Jon Dumo e caem na estrada para divulgar sua música por praticamente dois anos. Mas infelizmente a Arista dispensa o grupo, e logo em seguida Bonham e Dumo – músicos britânicos desconfortáveis com a mistura de rock´n´roll, hard rock e elementos folclóricos do Stealin' Horses – também pedem as contas.
Kiya e Kopana não desistem e chamam um amigo do Kentucky, o guitarrista Kelly Richey. Como um trio vão compondo enquanto excursionam por mais um ano pelo sudeste dos EUA, mas logo a seguir Richey decide seguir uma carreira-solo. Assim sendo, as garotas se deslocam para Oklahoma e, em parceria com o guitarrista Kevin Clark, o baixista Steve Kirkpatrick e o multi-instrumentista Tim Gilliam gravam seu segundo álbum, “Mesas And Mandolins”, que sai de forma independente em 1991.
Sem nenhum apoio, o Stealin' Horses encerra suas atividades um ano depois deste lançamento. Kiya Heartwood gravou um álbum-solo voltado à música country chamado “True Frontiers” (93), e depois de dois anos a vocalista formou um duo com Miriam Davidson, batizado de Wishing Chair e voltado à música folk. Mas como a parceria entre Kiya e Kopana sempre deu bons frutos, nada mais natural que a baterista também se juntasse a este projeto, o que acabou ocorrendo em 2001. Um típico final feliz para as duas amigas.

April Wine
The Nature Of The Beast
(1981 - Capitol Records)

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O April Wine foi formado no distante ano de 1969 na cidade canadense de Halifax, mas seus fundadores e irmãos David Henman (guitarra) e Ritchie Henman (bateria), além do primo Jim Henman (baixo) e Myles Goodwyn (voz e guitarra), logo se transferiram para Montreal. Nesta capital liberaram em 1971 o primeiro álbum auto-intitulado, garantindo de cara seu primeiro hit, "Fast Train".
Com o passar do tempo foram conseguindo vários pontos bastante significativos neste início de carreira, como alcançar o primeiro lugar nas paradas do Canadá com o single "You Could Have Been A Lady" de seu terceiro disco chamado "On Record" (72); ou ainda a primeira platina com a álbum "The Whole World's Goin' Crazy" (76).
Entre trocas de músicos foram lançando inúmeros álbuns bem aceitos pelos fãs ao longo da década de 70, até que atingem o apogeu com seu nono disco, "The Nature Of The Beast", um dos grandes álbuns lançado no período e considerado um clássico do Hard Rock canadense. Gravado na Inglaterra, liberado em janeiro de 1981 e tendo em sua formação o agora mentor Myles Goodwyn (voz), Brian Greenway (guitarra), Gary Moffet (guitarra), Steve Lang (baixo) e Jerry Mercer (bateria), este pessoal adentrou nas tendências modernas que estavam se desenvolvendo na época, mas sem abandonar a conhecida sonoridade setentista com que conquistaram seu público.
O resultado disso é o maior sucesso comercial de sua carreira, tanto que "The Nature Of The Beast" é o único registro do April Wine que conseguiu alcançar o Top 20 da Billboard, conquistando disco de platina nos EUA e ainda platina dupla em seu país natal. O carro-chefe das vendas foi a balada "Just Between You And Me" e também “Sign Of The Gypsy Queen”, mas é a presença de rockaços como “All Over Town”, “Future Tense”, “Crash And Burn”, “Caught In The Crossfire”, entre várias outras, que fizeram com que o álbum caísse nas graças de qualquer um que o escutasse.
Neste mesmo ano partem como headliners em turnês que abrangem Canadá, Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha. O April Wine estava tão satisfeito com a popularidade que poderia excursionar para sempre... Aproveitando a excelente fase, liberam o versátil "Power Play" (82) e "Animal Grace" (84), que foi seu último álbum de estúdio. Myles Goodwyn e Greenway até se aventuraram com seus respectivos álbuns-solo em 1988, até que em 1992 o vocalista Goodwyn reuniu o April Wine novamente, cuja encarnação contava com Greenway, Mercer e Clench, que em algum momento já haviam tocado com a banda no passado, além do guitarrista novato Steve Segal.
Fizeram uma mini-turnê pelo Canadá e gostaram do resultado, tanto que no ano seguinte gravaram "Attitude", emplacando a canção "If You Believe In Me" e novamente chegando ao disco de ouro. E a coisa não parou por aí, pois em 1994 é a vez de "Frigate" e, mesmo passando os próximos anos somente despejando coletâneas no mercado, em 2001 voltam com "Back To The Mansion".
Depois de tanto tempo, é perfeitamente compreensível que não mantenham uma constância com seus lançamentos, tanto que seu próximo álbum saiu somente em 2006 e chama-se "Roughly Speaking". É fato que mais nenhum de seus trabalhos apresentou o brilho de "The Nature Of The Beast", mas e daí? Também não deixa de ser fato que o April Wine é persistente, mantêm bom status no Canadá e outros países, pois continuam participando de festivais nos EUA e Europa depois de mais de 37 anos de existência.

Parte 01 - Os Puristas do Blues

Nesta primeira parte, nos concentraremos nas raízes que determinaram o surgimento de um dos maiores supergrupos da história do rock: das velhas bandas de blues tradicional e suas ramificações até que Clapton, Bruce e Baker se conhecessem. Veremos que Bruce e Baker já se conheciam (e se odiavam) de longa data, e uma vez, quase chegaram às raias do homicídio; que Clapton, quando jovem, era apenas um entusiasta de blues que não queria ganhar tanto dinheiro assim, abandonando os Yardbirds em sua ascensão comercial em busca de um pouco mais de blues com John Mayall... mas que o desenrolar dos fatos na efervescente capital inglesa dos anos 60 logo o faria mudar drasticamente de idéia.


Parte 01 - Os Puristas do Blues
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A Londres de 1964 era, definitivamente, um lugar especial para se viver. Nunca, desde a Era Vitoriana, os ingleses, e em especial a sua capital, haviam vivido um período tão fértil e promissor como o daqueles anos – e talvez nunca mais viveriam. O que havia se tornado a fortuna do Império Britânico naquela longínqua época de bens de consumo exuberantes advindos da Revolução Industrial e especiarias importadas das colônias (como a Índia), entretanto, não era o que produzia o êxito do Reino Unido agora, na abóbada celeste dos coloridos anos 60. Sim, se torna impossível não falar neles, já que daí veio tudo: os Beatles.
“Nós éramos motivo para vender de tudo para o lucro inglês: de discos a veludo cotelê” comentaria George Harrison anos depois, naquela série documental sobre a banda, “Anthology”. E era verdade. A chamadaInvasão Britânica, que assolou os Estados Unidos e, por conseguinte, todos os outros países do continente americano como uma praga desde que Lennon & MacCartney mais a sua entourage  real puseram os pés no aeroporto de New York pela primeira vez mudou a cara do mundo, pintou de histeria as paradas pop e tingiu de sons diferentes e diversificados toda a produção fonográfica mundial – afinal, atrás de todo um grande sucesso devia estar, de agora em diante, o irrecusável sabor da novidade.
E assim como os besouros de Liverpool eram uma tremenda novidade naqueles anos de caras sisudas e topetinhos pseudo-rebeldes a la Elvis e James Dean, enquanto toda a sociedade organizada ainda se resguardava de todos os ataques de uma sociedade jovem ainda silenciosa, mas reivindicante de mudanças modernistas radicais e ideologias novas a serem introduzidas (e que estavam sendo operadas há anos, nos EUA, pelos beatniks, e seus jovens seguidores, os cantores folk, como Bob Dylan), a sede por coisas novas, variedades, era intensa – daí o grande fomento da indústria musical através de novidades, visto que novos filões estavam abertos ao consumo público. O avanço da tecnologia e dos novos métodos de gravação, também, eram causadores disso – de reles experimentos realizados para filmes de Walt Disney, na década de 50, para quase 50% das cópias de discos produzidas no início dos anos 60 nos EUA, as gravações estéreo, inovação tecnológica introduzida no mercado fonográfico, representavam uma maior fidelidade de som presente na sala de reprodução do ouvinte que deixava maravilhados os cultores das novas técnicas de gravação. A partir daí, passou-se a falar em canaismixagens e equalização com bem mais propriedade, visto que o sistema estéreo, em que a reprodução do som se torna mais ampla no ambiente através da divisão do som em duas vias de reprodução simultâneas (canal esquerdo e direito) dava mais sensação ao ouvinte de proximidade com a música real.
Obviamente, todo este período de euforia na História da Música Popular mundial deu chance a que várias modas e tendências musicais fossem introduzidas. E na Inglaterra, terra dos Beatles, dos seus sucessoresROLLING STONES e de uma nova e sensacional banda chamada The Animals, em 1964, o negócio era oblues.
Claro. Logo ficou evidente aos jovens britânicos que toda aquela explosão de criatividade dos grupos emergentes tinha seu motivo de ser numa só raiz – pois todos, com ou sem influências de country & western, doo-woop, motown ou até mesmo rythim n’ blues, acabavam sempre bebendo daquela água original, de preferência embarrelada pelas margens do Mississipi (Muddy Waters). Desse forma, então, é que nasceu, na capital absoluta das novidades, Londres, o movimento dos jovens puristas de blues.
John Mayall
John Mayall

Na verdade, esta tendência já existia há muito tempo – desde os anos 50, quando jovens britânicos descontentes com a mediocridade do mundo inglês frio e hostil em que viviam, como Cyril Davies, Alexis Korner e John Mayall, resolveram se dedicar full time à música que ouviam nos discos de blues americano importados por marinheiros do Mersey. O próprio Eric Burdon, vocalista dos Animals, um dos grandes entusiastas do movimento purista de blues inglês, é quem lembraria essa sensação, em uma entrevista concedida mais tarde, nos anos 70: “A gente ouvia todos aqueles nomes esquisitos, canções estranhas cantadas por gente como Big Maybellene e Wynonie Harris, e aquilo era fascinante e tão diferente! Senti no ato que um dia eu teria que cantar daquele jeito...”.
Pois é, foi exatamente assim que a febre do blues pegou no público jovem britânico. Haviam as cisões, é claro: ou eram as tietes ensandecidas dosBEATLES na área de Liverpool, Blackpool e Manchester, ou ainda os mods erockers da região de Glasgow, Manchester e também em Londres (os primeiros curtiam motown e sons de grupos negros americanos, mais influenciados pelo soul e doo-woop, e tinham uma filosofia de vida bemdandy, antenados mais com a moda e os prazeres materiais da vida do que tudo, e os segundos gostavam de rockabilly selvagem e motos cheias de adornos, eram típicos Hell’s Angels, e dariam luz, quase uma década depois, ao movimento punk britânico).
O blues, no entanto, já estava bem disseminado nas ilhas de Vossa Majestade em 1964, e foi justamente naquele ano que duas bandas estavam disputando a pau o título de “melhor banda de blues inglês” entre os seus admiradores, jovens ingleses existencialistas, grande parte deles universitários ou profissionais autônomos emergentes da Era das Sensações (como o fótografo dandy do clássico filme Blow Up – Depois Daquele Beijo, de Antonioni, de 1966), chegados num bom cachimbo (bem ao estilo Sherlock Holmes) e roupas e penteados exóticos – eram eles, basicamente, a platéia que lotava os enfumaçados pubs de blues daquela época, em Londres. As tais duas bandas eram o John Mayall & his Bluesbreakers e a Graham Bond Organization – desnecessário dizer que, pelo prestígio que ambas tinham no cenário britânico de blues, um sem-número de futuras estrelas do rock britânico passaram pelas suas cadeiras, pegando aquela experiência que lhes seria tão preciosa: Mick Jagger, Charlie Watts, Brian Jones (Rolling Stones), Peter Green (Fleetwood Mac), Paul Jones (Manfred Mann) etc. etc. blá-blá-blá... e, afinal, os heróis de nossa estória: Eric Clapton, Ginger Baker e Jack Bruce.
Ginger Baker
Ginger Baker

Ginger Baker, nascido Peter Edward Baker em 19/08/1939, na pequena cidade de Lewisham, desde cedo se interessara por ciclismo, participando de várias competições juvenis ainda em tenra idade. Entretanto, logo a música confiscou a sua atenção, e lá estava ele, enfronhado em audições dos velhos discos de jazz de seu pai, vindo a tornar-se grande fã de Dizzy Gillespie. Inicialmente, ele teve aulas de trumpete, mas já aos 15 anos, adotava a bateria como instrumento definitivo, vindo a tocar com várias bandas em um curto espaço de tempo e profissionalizando-se no ofício em uma velocidade impressionante. Como membro da Storyville Jazz Men, Baker chamou a atenção de vários críticos para aquele novato, que havia aprimorado seu estilo ouvindo discos nos quais tocava Baby Dodds, célebre baterista de grupos de New Orleans – foi esta lenda do jazz e do blues americanos que praticamente criou o conceito de um só baterista de jazz na banda tradicional, que antes contava com pelo menos dois ou três percussionistas para a seção rítmica. Dodds arrumava todo o kit de percussão de forma que tivesse total controle para tocar de tudo um pouco. E foi ouvindo Baby Dodds com afinco que Baker tornou-se aquilo que conhecemos: um exímio, inventivo e eclético baterista, capaz de proezas rítmicas impensáveis para aquele tempo de bateristas firmemente aferrados a uma forma fria, quase matemática e impessoal, de tocar o jazz.
Por trás de todo o grande gênio, entretanto, sempre há uma personalidade estranha ou conturbada. Devido a já precoces problemas devido ao seu temperamento explosivo, aliado ainda a um gosto pela heroína desenvolvido desde as suas primeiras noite de jam session com os seus primeiros grupos, Baker arrumava brigas onde quer que estivesse e era invariavelmente “convidado” a se retirar das bandas em que tocava, chegando mesmo a pensar em abandonar a carreira musical poucos dias após a sua expulsão da Storyville Jazz Men, com quem tocara até 1959. Porém, encorajado por amigos do meio musical que reconheciam nele um talento singular, Baker continuou tocando o barco, quer dizer, o bumbo e todo o resto, até 1961, quando numa temporada em Londres com um sem-número de grupos que estava acompanhando (sempre como convidado especial), conseguiu arranjar um lugar fixo no lendário Blues Incorporated, do pioneiro do blues Alexis Korner, substituindo ninguém menos que Charlie Watts – que partira para se aventurar vocês já bem sabem aonde...
O engraçado é que todos estes combos de blues eram sempre muito cheios de suingue – não me refiro aoswing de batida, ritmo quente, mas sim ao troca-troca mesmo de componentes, um eterno vai-e-vem que parecia não terminar nunca. Só de junho a agosto de 1962, o Alexis Korner & the Blues Incorporated trocou de vocalista não menos que três vezes: Paul Jones (do futuro Manfred Mann), Ronnie Jones e até Mick Jagger (que encabulava todo mundo com seus trejeitos efeminados, muito antes que isso fosse virar moda). Pois eis que em novembro de 1962, o Blues Incorporated ganha um novo membro fixo, o saxofonista Graham Bond, e três meses depois o que acontece? Bingo! Graham Bond deixa o Blues Incorporated, mas não sem fazer um estrago. Ele leva consigo, para formar sua própria banda, Ginger Baker e o baixista Jack Bruce, outra fera que vinha acompanhando Alexis Korner.
Um ainda jovem Jack Bruce
Um ainda jovem Jack Bruce

Jack Bruce, nascido John Simon Asher Bruce, em 14/05/1943, em Bishopbriggs, Escócia, a três milhas de Glasgow, possuía estrita formação musical desde cedo, havendo já estudado cello e piano, além de ter participado de corais de igreja por vários anos – o que explica a sua excelente e eficaz postura vocal. “Desde que eu estava na escola, no entanto”- conta ele – “minha grande ambição era ser um baixista, porém eu era ainda muito miúdo para conseguir segurar omonstro”(refere-se ele aos enormes baixos acústicos, visto que na época os modelos elétricos ainda não eram tão populares). “Finalmente, aos 15 anos, já havendo crescido o bastante, consegui realizar o meu desejo”. Assim como Baker, Bruce tocara em vários grupos de jazz e blues, mas ao contrário do parceiro, tinha uma experiência formal e clássica mais avantajada – já havia viajado para tocar na Itália em famosos festivais de jazz e até os 17 ele havia estudado seriamente música clássica na Academia Escocesa Real de Música, em Glasgow, só saindo de lá por demonstrar o seu já inegável e crescente interesse pelo jazz e blues.
The Graham Bond Organization, em 1965: Baker e Bruce são os primeiros da esquerda para a direita
The Graham Bond Organization, em 1965: Baker e Bruce são os primeiros da esquerda para a direita

O período entre 1963 e a metade de 1965 foi um dos mais prolíficos na mítica trajetória da Graham Bond Organization como desbravadores do território do blues inglês. Com Graham Bond, Ginger Baker, Jack Bruce, mais o lendário guitarrista John McLoughlin e o saxofonista Dick Heckstall-Smith, eles lançaram dois álbuns clássicos (The Sound of '65 e There's a Bond Between Us), que consolidaram a sua presença de palco entre o público londrino de blues, e os levaram a diversos shows de rádio e programas de TV que divulgavam bandas do gênero.
Graham Bond sendo entrevistado no ‘Ready, Steady, Go!’ da TV inglesa (1965)
Graham Bond sendo entrevistado no ‘Ready, Steady, Go!’ da TV inglesa (1965)

Entretanto, logo ficou claro que as coisas não andavam tão bem assim dentro do grupo: o eterno gênio exterminador de Baker se fez mostrar. Se nos palcos a coisa funcionava excelentemente bem, é porque nos ensaios a cozinha quase havia se acabado de tanto brigar para chegar a um consenso: Bruce e Baker brigavam constantemente, discutindo sobre tudo, desde o volume com que Bruce amplificava o seu baixo elétrico até a força com que Baker atacava os pratos. Tudo era motivo para um quebra-pau, e no começo a reação dos outros membros da banda foi normal – aquilo era até um bom medidor do nível de perfeccionismo do grupo em busca de um grau evolutivo mais elevado. Entretanto, logo a coisa começou a ficar mais séria.
Em um show do qual hoje em dia ninguém mais se recorda bem onde foi exatamente, mas apenas de que foi realizado em julho de 1965, membros da audiência assistiram, complacentes, a uma ruidosa discussão entre Baker e Bruce que por pouco não descamba para a violência física – já que a verbal já estava ardendo em chamas a partir do momento em que Bruce, fazendo uma firula virtuosística em seu instrumento como ele adorava fazer, saiu um pouquinho dos acordes planejados em uma das canções, ao passo que Baker parou imediatamente, no meio da música, berrando um grosseiro “eu te disse que não era pra ser assim, seu fuckin’ idiota!” A partir daí, o show acabou, e o ingresso daquela noite ficou valendo pela curiosidade de se ver Bond e Heckstall-Smith tentando apaziguar os ânimos de seus colegas de banda, num desconcertante “deixa disso”.
Logo ficou evidente a caveira que Baker, um conspirador no melhor dos estilos, estava fazendo para tirar Jack Bruce do Graham Bond Organization – e foi exatamente o que aconteceu, em agosto de 1965, após mais uma discussão entre Bruce e os outros membros da banda, de que seria melhor que saísse para que, inclusive, permanecesse vivo. “Nada pessoal, Jack”- lhe disse Bond – “mas o Ginger já andou até guardando um canivete na cintura dizendo que, caso você apareça novamente em um dos shows ou ensaios, ele não responde por si.” Só depois de muitos anos esta incrível estória seria revelada pelos biógrafos do Cream, mas é verdade: talvez, por algum descuido, e devido a seu irascível temperamento por vezes alterado pela heroína e bebidas, Ginger Baker pudesse um dia ter esfaqueado Jack Bruce, ainda que atualmente ninguém queira mais tocar neste assunto.
The Yardbirds (com o seu empresário, Giorgio Gomelski)
The Yardbirds (com o seu empresário, Giorgio Gomelski)

Bruce, convencendo-se de que era melhor ser um baixista sem banda, e vivo, do que um baixista na banda, mas morto pelo próprio companheiro de grupo, resolveu finalmente cair fora, e por volta de outubro de 1965, ele preparava a sua nova investida, de forma a impressionar a todos!
O grupo de John Mayall, The Bluesbreakers, estava tendo um extraordinário sucesso desde que um dos mais prestigiados guitarristas de todos os tempos, o jovem Eric “Slowhand” Clapton, havia deixado os Yardbirds, banda que, em sua primeira fase, servia de modelo e inspiração para todo e qualquer bluesista inglês vibrante.
Eric Clapton
Eric Clapton

Eric Clapton, nascido Eric Patrick Clapton, 30/031945, na pequena Ripley, algumas milhas ao norte de Londres, é uma lenda viva do blues e do rock que, como todos sabem, passou por diversas bandas de blues de sua terra até chegar aos Yardbirds como um talento promissor considerável, especialmente após a lendária temporada da banda no célebre Crawdaddy Club, em que eles substituíram os Rolling Stones – o que ninguém esperava, entretanto, é que numa bela noite de 1963 um totem sagrado do blues americano, o gaitista e cantor Sonny Boy Williamson, fosse aparecer por lá para um show surpresa. Precisando de um grupo relâmpago na hora, ele recrutou os Yardbirds. Os pobres rapazes, pegos com as calças na mão, pouco haviam ouvido falar da fama de mandão e excêntrico daquele negão do blues, mas a atitude deles de reverência e humildade diante dele, dando o sangue e o suor em tudo o que sabiam de blues naquela noite e o acompanhando, assombrou tanto o próprio Sonny Boy quanto os privilegiados da platéia que presenciavam aquele momento histórico. Nada mal para o até então esparso currículo do jovem Clapton, que caprichou naquelas apresentações e saiu de lá ovacionado. Os Yardbirds, por sua vez, saíram de lá com um contrato de gravação praticamente assinado, graças a Giorgio Gomelski, gerente do Crawdaddy e empresário da banda.
O LP “Five Live Yardbirds”, do grupo, quando ainda contavam com a lenda viva: Clapton
O LP “Five Live Yardbirds”, do grupo, quando ainda contavam com a lenda viva: Clapton

O problema, como muitos já sabem, é que, em 1965, a direção musical dos Yardbirds estava sendo sensivelmente alterada pelo seu empresário e pelos próprios membros do grupo, que haviam se decidido a firmemente “fazer dinheiro”, no rastro das bandas de sucesso que não ficavam só presas ao esquema limitado de blues, pubs e discos com um restrito público formado apenas por apreciadores do gênero. A partir do hit “For Your Love”, lançado no início daquele ano, os Yardbirds davam adeus aos puristas de blues que os consagraram, mas que passaram a torcer o nariz para eles com aquela virada tão radical em sua carreira: a nova canção, para alguns, era uma viagenzinha poppish no melhor estilo Beatles. Foi esta canção a carta de demissão de Clapton, que era um típico purista de blues, dos Yardbirds.
Convocado a prestar os seus serviços guitarrísticos ao grupo de John Mayall, Clapton lá chegou com toda a pompa underground prestada pelos admiradores britânicos de blues da época. Na manhã posterior à sua primeira noite de apresentação com os Bluesbreakers, Clapton foi, simplesmente, surpreendido com vários muros da cidade de Londres, repletos com a pichação “Clapton is God” (Clapton é Deus), o que solidificou a aura e a imagem mítica do guitarrista para todo o sempre. Até hoje, no entanto, há ainda os que afirmem que a “canonização” de Clapton, na verdade, não passou de um mirabolante golpe de marketing, bem ao estilo dos primórdios das campanhas publicitárias de impacto que fervilhavam em Londres naqueles dias esfuziantes, e quem haveria pichado nos muros teriam sido o próprio Clapton e alguns amigos bluesistas dos Bluesbreakers, numa silenciosa conspiração em resposta ao sucesso dos Yardbirds nos charts britânicos com “For Your Love”.
John Mayall and the Bluesbreakers: com Eric Clapton (o terceiro, da esquerda para a direita).
John Mayall and the Bluesbreakers: com Eric Clapton (o terceiro, da esquerda para a direita).
Pois bem, foi no final de 1965 que Jack Bruce chegou aos Bluesbreakers de John Mayall, que já haviam lançado alguns estupendos registros sonoros em compacto e LP com Clapton (incluindo o histórico “John Mayall and the Bluesbreakers with Eric Clapton”, onde figuram as imortais “Telephone Blues” e “All Your Love”). Bruce encontra, ao lado de Clapton, um ambiente totalmente diferente daquele vivido ao lado de Ginger Baker na Graham Bond Organization: o novo colega de banda o reverencia como um grande músico, e fica especialmente interessado em suas habilidades jazzísticas no baixo. É nessa época que Clapton comenta com Bruce o desejo de, um dia, formar uma banda bastante diferente, com capacidade de fazer um som que conecte tudo que havia de interessante até então, sempre tendo como raiz os blues, evidentemente, mas jazzística e disposta a alçar vôos bem mais altos e diversificados. Estaria o purista de blues Clapton traindo a causa, afinal?
A verdade é que, tanto Bruce quanto Clapton, como qualquer ser humano normal deste mundo, também estavam começando a perceber que tinham o desejo de, além de serem criativa e musicalmente satisfeitos, terem carreiras profissionais bem sucedidas dentro daquilo que faziam, ou seja, o mundo da música. O circuito de blues é limitado – o foi, é, e sempre vai ser. É uma espécie de sacerdócio se manter em um só estilo musical como este, além de ser um tanto quanto limitador, musicalmente falando – daí, o desejo nascente em Bruce e Clapton de formarem algo diferente. Além disso, algo pouco comentado na época era a inveja que ambos tinham do belo modelo Rover conversível que Ginger Baker havia comprado há pouco tempo. Ou seja: é óbvio que, além de dar vazão a todo o seu potencial criativo, Clapton e Bruce burilavam, intimamente, em transformar o seu projeto em uma “máquina de fazer dinheiro”.
Rastros acerca desta nova banda que Clapton e Bruce formariam foram dados, aos fãs ingleses, em um obscuro lançamento fonográfico do início de 1966: Jack Bruce já havia migrado dos Bluesbreakers (onde tomara parte apenas em algumas sessões de gravação e em alguns shows) para o Manfred Mann, uma das bandas pop de maior sucesso na Swingin’ London (aquela de hits como “Do Wah Diddy Diddy” e “Pretty Flamingo”) – talvez até mesmo pelo desejo de ganhar algum dinheiro. E então, com alguns membros do Manfred Mann mais a luminosa participação de Eric Clapton (já abandonando os Bluesbreakers também), foram gravadas algumas faixas de blues tradicional, com uma nova roupagem, no entanto. A química de peso vertiginoso que se formava no entrelaçamento do baixo de Bruce com a guitarra de Clapton era impressionante, e se fazia sentir nas três faixas gravadas para aquela compilação de blues da Elektra Records inglesa, chamada “What’s Shaking”, na qual a tal banda, um projeto de uma noite no estúdio, aparecia sob o nome de Eric Clapton & the Powerhouse.
Sem saber, haviam eles criado o embrião do Cream.

Para que fosse possível a realização de nossa pesquisa, foi consultado o seguinte material:
A História do Rock (Edições Som Três, 1982)
Eric Clapton – Por Ele Mesmo (Ed. Martin Claret, 1992)
John Platt, Disraeli Gears (Schirmer Books, 1998)
Chris Welch, Strange Brew (Castle Communications, 1994)
Brian Hogg & Robert Whitaker, In Gear (UFO Books, 1992)