17 de novembro de 2008

Discos Marcantes de The Beach Boys


The Beach Boys - Pet Sounds - 1966
Considerado um dos discos mais importantes da história do século XX, Pet Sounds foi a grande (e para muitos, a última) obra de Brian Wilson. A verdade é que depois dela, Brian ainda compôs (sempre com os Beach Boys) a clássica canção "Good Vibrations", uma das mais célebres e perfeitas dos anos 60. Mas Pet Sounds é cercado de uma áurea mística. Brian confessou que começou a elaborá-la após ouvir Rubber Soul, em dezembro de 1965 e se sentiu obrigado a competir com os Beatles. Dessa "competição" nasceu um dos clássicos dos anos 60 e que influenciou os Beatles na concepção de Sgt. Pepper's. E, reza a lenda, foi Sgt. Pepper's um dos responsáveis pela profunda depressão de Brian Wilson, que chorou após ouvir algo tão perfeito e se sentir sem forças para superar tanta beleza. Verdade ou mentira, Pet Sounds é um dos marcos e sua história merece ser contada.


Desde que o grupo foi formado em 1961, pelos irmãos Brian, Carl e Dennis Wilson, além do primo Mike Love e por Al Jardine, primeiramente com o nome de Pendletones e depois já como Beach Boys, a banda galgou diversos hits nas paradas e se sedimentou como um dos mais divertidos e geniais grupos que misturavam o rock and roll dos anos 50, o doo-wop, ajudando a criar a surf music.

Entre 1962 e 1965, o grupo colocou 16 músicas entre o Top 40 da América, incluindo o grande sucesso "I Get Around", em 1964, desbancando nada menos do que os Beatles.

Brian WilsonMas, se o sucesso era imenso, Brian Wilson, o grande músico do grupo, estava infeliz. Cansado de ser considerado um grande ídolo adolescente, Brian queria mais. Queria ser conhecido como um grande músico, alguém como um Bob Dylan ou John Lennon, como alguém que poderia e iria mudar a história da música.

Brian se sentia completamente podado pelas inúmeras viagens para apresentações e pela autoridade paterna, Murry Wilson, empresário do grupo e dono de uma mão-de-ferro nos negócios e que castrava qualquer tentativa de mudança.

Em 1965, Brian conseguiu um acordo de que não iria mais viajar para os shows, após um ataque de pânico na Austrália. Na viagem, Brian começou a berrar, colocar o travesseiro na cara e pedir para aterrisarem o avião. Além disso, se sentia cada vez mais triste e solitário com aquela vida. Ele acabou sendo substituído, primeiro, por Glen Campbell, e depois por Bruce Johnston, que acabou se tornando o sexto membro do grupo.

Brian conta que após ouvir Rubber Soul, do Beatles ficou extasiado. "Percebi que cada canção tinha um grande acabamento e que todas eram muito estimulantes e resolvi trabalhar em novas canções. Eu me senti obrigado a competir com os Beatles."

Para isso, convidou o letrista Tony Asher e passaram dois meses trabalhando juntos, até Tony provar que tinha habilidade para tal empreitada. Asher relembra bem como aconteceu tudo.

Tony Asher"Eu estava trabalhando em uma agência de publicidade em Los Angeles, fazendo jingles, em um estúdio, quando encontrei Brian gravando algumas demos no mesmo local. Nos encontramos no corredor e começamos a conversar e ele me pediu para ouvir algumas coisas. Entramos no estúdio e ele começou a tocar no piano e eu toquei uma coisas minhas. E, francamente, não esperava encontrá-lo novamente até que semanas mais tarde recebi um telefonema dele me pedindo para ajudá-lo a escrever algumas músicas para um novo disco. Pensei que fosse brincadeira de alguém e perguntei se ele não estava de sacanagem comigo. No começo achei um absurdo porque ele não tinha noção alguma das minhas habilidades como letrista, exceto daquele encontro quando mostrei algumas coisas. Parece que alguns amigos nossos em comum haviam falado bem de mim, mas ainda assim achei aquilo um tanto maluco."

Tony acabou tirando uma licença não-remunerada de seu trabalho e aceitou o desafio. "Na primeira vez em que fui à sua casa ficamos apenas conversando e ele me tocou algumas melodias que havia feito, mas que precisavam de letras e vozes. Uma das canções que ele me mostrou era 'Sloop John B', que já estava pronta e também tinha 'You Still Believe In Me' que tinha o título de 'My Childhood', mas essa ele jamais me mostrou a letra. Então ele me deu 'My Childhood' e pediu para que eu começasse a trabalhar a partir dela. Eu disse que era um grande luxo escrever algo para ele, que era muito mais completo do que eu e porque seria muito difícil imaginar o que ele iria querer."

Tony conta que na maioria dos casos, Brian tocava apenas alguns acordes ao piano e mostrava fragmentos do que pretendia fazer. "Muitas vezes, Brian tinha algumas linhas escritas e o que eu buscava era captar sua idéia para poder escrever. Eu voltava para casa e trabalhava dia e noite nas canções e no dia seguinte ele me dizia sua opinião. Brian trabalhava como um editor; às vezes dizia que não gostava de tal linha e eu tentava convencê-lo dos méritos se eu tivesse confiança suficiente no que havia escrito. Obviamente, cortou algumas coisas, mas o que ele queria era me guiar para o que ele pretendia. Na verdade, ele tinha muita certeza no que queria, pois seria ele quem as cantaria. O meu papel era encontrar as palavras certas."

Brian sentiu que aquelas letras eram totalmente diferentes do que fizera antes e até brincou com Tony dizendo que, a partir de agora, "as pessoas saberão que esse é o padrão do letrista Tony Asher", devido à excelência das mesmas.

Brian e Chuck FritzCom as letras prontas, Brian correu para seu estúdio favorito, Western, e chamou o engenheiro Chuck Fritz para começarem a trabalhar, em janeiro de 1966.

Enquanto o grupo viajava mundo afora, Brian escreveu 12 temas e mostrou quando retornaram de viagem.

Como as canções eram extremamente pessoais, ele mesmo resolveu cantar a maioria delas, já que queria fazer mais do que um simples álbum dos Beach Boys. Brian queria mostrar quem era ele para seu grande público.

O projeto era tão grandioso na cabeça de Brian, que ele contratou inúmeros músicos para a gravação de Pet Sounds. Na verdade, a banda quase não tocou instrumento algum. Ao invés do som habitual da banda, os fãs tentariam digerir instrumentos de cordas, sopros e arranjos complicadíssimos.

Brian Wilson e Mike Love O membro mais atuante dos Beach Boys foi seu primo Mike Love. Brian tinha grande admiração pela voz de Love, que também foi co-autor em "Wouldn't It Be Nice", "I'm Waiting For The Day" (uma parceria dos dois, sem a presença de Tony Asher) e "I Know There's An Answer".

Veja os comentários de Brian Wilson e demais membros envolvidos para cada uma das 13 canções que, originalmente, compõem o disco:

1 - "Wouldn't It Be Nice" - "Ouça os primeiros acordes da guitarra etereal na introdução. Eu e Tony visualizamos toda a cena. Nós tínhamos esse sentimento em nossos corações, como uma vibração e colocamos na música."

Uma curiosidade sobre essa canção: ela era, originalmente, o lado B do primeiro compacto, do disco, que tinha no seu lado A, "God Only Knows". Mas os DJs da época gostaram mais do lado B, que acabou chegando ao oitavo posto na parada, enquanto o lado A ficou apenas nas 39ª posição, embora tenha ido muito bem na Inglaterra, onde ficou em sexto lugar.

2 - "You Still Believe In Me" - "Era um canção do tipo "coros de meninos". Muito, muito espiritual.

3 - "That's Not Me" - "Essa mostra a bela voz de Mike. Ouça a guitarra de doze cordas após 'I'm a little bit scared 'cause I haven't been home in a long time.'"

4 - "Don't Talk (Put Your Head On My Shoulder)" - "Uma letra que me marcou profundamente. Uma das mais doces canções que já cantei. Tenho confessar que tenho orgulho dela. A inocência da juventude em minha voz foi o que mais as pessoas gostaram, acho."

5 - "I'm Waiting For the Day" - "Esta é uma canção do qual não gosto muito. Era uma canção apropriada, muito positiva, mas não gostei de minha voz."

6 - "Let's Go Away For Awhile" - Peça instrumental assinada unicamente por Brian. "Essa é a música que mais satisfação tive em fazer. Eu apliquei uma certa dinâmica e acho a mudança de acordes muito especial. Usei um monte de músicos para gravá-la - doze violinos, piano, quatro saxes, oboé, uma guitarra fazendo efeito de steel, dois baixos, percussão". Posteriormente, nos overdubs, foram adicionados viola, cello e flauta.

7 - "Sloop John B" - Canção sugerida por Alan Jardine, que tinha paixão por ela, foi o maior sucesso do disco, chegando ao terceiro lugar na parada. Quem se lembra bem dessa gravação foi o guitarrista Billy Strange, que havia gravado o arranjo original. Ele se lembra bem do período: "cinco meses após termos gravado, Brian foi na minha casa. Eu enfrentava um período complicadíssimo, pois havia acabado de me divorciar e só podia ver meu filho uma vez por mês e justamente nesse dia ele foi até a casa de minha ex-esposa me pegar dizendo que era urgente. "Eu disse que não tinha mais guitarra, apenas meu filho. Ele me mostrou o que queria, mas eu teria que ter uma guitarra de 12 cordas. Quando eu argumentei que não tinha o instrumento, ele ligou para o dono de uma loja chamado Glen Wallichs, e providenciou uma guitarra e um amplificador. Após a sessão terminada, colocou 500 dólares no meu bolso e me lembrou: "ei, não vá esquecer sua guitarra e seu amplificador!"

capa do compacto God Only Knows8 - "God Only Knows" - "Carl e eu começamos a rezar pedindo por luz e que ela nos guiasse. A voz angelical de Carl nessa música é uma das mais bonitas já gravadas em todos os tempos.

9 - "I Know There's An Answer" - Originalmente chamada "Hang On To Your Ego" (e colocada como faixa bônus em edições posteriores) é uma canção que rendeu muita dor de cabeça para Brian: "eu mudei a letra dele por achar muito controversa e acabei mudando o nome também." Mike conta que o grupo estava muito preocupado com as primeiras experiências de Brian com o LSD. A letra acabou sendo reescrita por Terry Sachen quando mudou de título.

10 - "Here Today" - Tony relembra que foi uma das canções mais difíceis de se escrever e que boa parte da letra foi descartada por Brian.

11 - "I Just Wasn't Made For These Times" - "Essa canção me lembra como minha vida e meus sentimentos não se adequavam à sociedade da época." Tony Asher teve muitos problemas com a letra e essa foi a primeira vez que Brian introduziu o theremin, e provavelmente a primeira vez que um grupo de rock usava tal artifício. Originalmente, Dennis iria cantar a canção, mas Brian acabou sendo o cantor principal.

12 - "Pet Sounds" - O disco tinha o nome provisório de Run James Run, mas acabou mudando para Pet Sounds ao gravarem essa faixa. "Era para ser um canção do tipo dos filmes de James Bond e tentamos entrar em contato com o pessoal que produziam o filme. Como não conseguimos, mudamos o nome da música."

13 - "Caroline No" - A favorita de Brian em todo o disco. "Foi a canção mais bonita e pessoal que já escrevi. Ela fala sobre o medo de crescermos e perdemos a inocência. Ela fala sobre uma garota na escola pela qual foi apaixonada - Carol Mountain -, embora eu estivesse pensando em Marilyn Monroe quando a escrevi.

capa do disco Pet SoundsPet Sounds teve um desempenho bom nas vendagens, alcançando a 10ª colocação na parada de e sendo aclamado pelo mundo todo como uma obra-prima. A Capitol Records, no entanto, ficou temerosa quando recebeu o produto nas mãos e apostava que seria um fiasco. A gravadora só relaxou quando Paul McCartney disse que Pet Sounds era seu disco favorito e que tinha amado o trabalho. "Ninguém pode se dizer conhecedor de música sem ter ouvido Pet Sounds, que é insuperável em muitos aspectos."

George Martin, lendário produtor dos Beatles, foi mais longe: "quando eu ouvi pela primeira vez, fiquei estupefato e comecei a perguntar o que era aquilo, pois era fantástico! E quando vamos ficando mais velho, a tendência é adotarmos uma postura cada vez mais comedida com as novidades. Sem ele, jamais teríamos feito Sgt. Pepper's."

Após o disco, Brian entrou em uma espiral de muitas drogas, misticismo e loucura. Sua história pessoal pode ser comparada a de Syd Barrett, que deixou o Pink Floyd e teve uma errática carreira-solo até sumir. Talvez, por isso, Brian sempre teve uma aura de gênio incompreendido ou de alguém à frente do seu tempo. Os elogios dos Beatles, ironicamente, podem (ou não) ter mais prejudicado do que o ajudado, afinal como superar algo que os Beatles consideravam insuperável?

Sua carreira-solo e os anos seguintes são marcados por inúmeros problemas e muitas lendas. Pet Sounds segue sendo um disco inovador e belo, embora, nos anos 60, escrever uma grande obra-prima fosse quase um lugar-comum entre os grandes músicos. O importante é salientar seus méritos e deixar de lado essas bobagens de que é um dos 10 melhores discos ou não, até porque lista é algo extremamente pessoal e vai de encontro a cada um.

Pet Sounds, por exemplo, não se encontra entre meus 10 mais (se eu tivesse que fazer uma lista), mas isso não significa que eu deixe de gostar ou admirar a obra. O vital para o leitor e ouvinte é tentar entender o contexto em que foi produzida e apreciar a mesma. Lembrem-se: listas servem apenas para vender revistas, gerar polêmicas burras e mostrar uma certa arrogância superior de quem a faz sobre os demais. O que precisa ficar é a obra do artista e não os "achismos do entendidos de rock."